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OS LUGARES DA ARQUITETURA

6.1. Aparência e Realidade

A informação que gerimos parte sempre do modo como o nosso corpo está preparado para reagir ao meio. Esta informação, constituinte do mundo físico, apresenta-se na forma de aglome- rados de substância física, de constituição energética ou material, que têm determinado impacto no sistema sensorial humano. Estes aglomerados representam conjuntos de relações subatómicas que aprendemos a reconhecer concetual e cognitivamente. Dependendo do nível de pertinência (ou força) desta informação, o sujeito está preparado para lhe atribuir o significado necessário à sua permanência no foro psicológico, ao nível da consciência. Esta informação, qualia, é a base da nossa experiência subjetiva:

“Some of these transforms have “survival” value, becoming useful to consciousness thus making up our subjective experience of our external and internal worlds, and to which we attach meaning. They are what philosophers call qualia and must consist in physical matter and energy, since information, cannot be possible without material embodiment.” (JONES, 2000, pg. 199)

Assim, como diz Stephen Jones, os estímulos sensoriais vindos do sistema biológico são “transformados” em informação cuja justaposição permite a criação de uma linha de pensamento. A sequência formada pela “consciencialização” desta informação dá ao sujeito a sensação de tem- poralidade, derivada da construção da sua experiência sensorial e da sua reflexão sobre a mesma; este fator é a base do sentido autobiográfico e da construção do espaço subjetivo. (JONES, 2000)

A informação que entra em contacto com o sujeito não é, portanto, matéria (ou estímulo) em si, mas a perceção superficial das relações intrínsecas dos seus constituintes. Diz Stephen Jones:

“So what is information? It is not the matter or energy of the universe, rather, it is carried in the difference relations among the particulars of matter and energy and our perception of this relations. Information comes in the difference relations between things which give those particulars their proper- ties. Thus relations are somehow more fundamental than the things between which the relations hold.”

(JONES, 2000, pg. 200)

É na capacidade percetiva do ser humano que reside a leitura, ainda que de certo modo ilusória, destas relações. Por esse motivo, torna-se pertinente a dúvida da fidelidade da nossa capacidade percetiva, pois o aparente comportamento destas estruturas, ao nível dimensional que nos corresponde, pode não representar o seu verdadeiro carácter.

Do ponto de vista da Filosofia, o real sempre foi caracterizado como algo independente e objetivo, ao qual não se tem acesso. Certos filósofos, como Slavoj Zizek, definem real como algo exterior a nós que resiste à representação (ZÎZEK, 2006), inserindo a experiência subjetiva do homem num patamar diferente, na sua realidade. Esta dicotomia insere-se na problemática

metafísica da aparência e realidade1. Esta questão sempre foi caracterizada como um dos mais

famosos problemas da filosofia, e discute a “convicção de que é possível fazer a distinção entre o

que vemos e o que realmente existe”, isto é, se a capacidade percetiva do homem é ou não capaz

de uma representação fidedigna do real. Esta problemática domina inúmeros campos do conhe- cimento, como a epistemologia, a metafísica e a filosofia, e normalmente, apoia-se na vertente ilusória da perceção.

Para Robert Pepperell, por exemplo, “nada existe como algo separado” (PEPPERELL, 200). A separação que impomos ao mundo é nada mais que o resultado de uma divisão que faze- mos a nível mental, quer percetivo, quer linguístico e é, por isso, errado pensar que as coisas do nosso meio são intrinsecamente distintas. (ver figura 41, 42 e 42) Nas suas palavras:

“It is clear that we are sensitive to certain structures or differences and become aware of them as things in as much as they display difference from other things around them. This does not mean that they are in-themselves different, only that we perceive them to be so. (…) Because we divide the world up into things in our own minds, we then impose those divisions onto the world (…)”

(PEPPERELL, 2000, pg. 14)

Para Catherine Wilson, em “The Oxford Companion to Philosophy”, o problema em acei- tar uma perceção humana falaciosa surge na dificuldade posterior em encontrar fatores capazes de lhe conferir veracidade, como tenta, por exemplo, o fenomenalismo, aferindo que todas as aparências são igualmente verídicas pois os objetos físicos não existem como entidades isoladas mas como fenómenos percetivos. Acrescenta ainda que esta hipótese tem de ser considerada ina- ceitável à luz “da existência de métodos capazes de testar a perceção humana” e dado o facto de que “a nossa perceção e cognição serem, provavelmente, adaptações evolutivas ao mundo real” (WILSON, 2005, pg. 43). Por isso mesmo, Catherine Wilson acredita na reconciliação entre apa- rência e realidade através da distinção entre “perceção teórica” e “perceção empírica”:

“The internal, private, conditioned nature of appearances can be reconciled with the external, pub- lic, unconditioned nature of reality, H. J. Robinson has proposed, only if ‘theoretical perception’, the process involving light waves and anatomical structures such as the retina and layers of brain cells, is distinguished from ‘empirical perception’ - our immediate apprehension of objects, qualities, and relations. Perceivers, Robinson argues, must each possess two bodies, one real and one apparent. Real bodies - human as well as non-human - which are strictly speaking imperceptible - are the cause of apparent bodies, which alone can be empirically perceived and which represent them.”

(WILSON, 2005, pg. 14)

Neste contexto, torna-se pertinente refletir sobre esta dualidade. Se uma “perceção teórica” é o que se chama ao processo científico do fenómeno percetivo físico, o que acontece “realmen- te”, como por exemplo no nosso corpo; e uma “perceção empírica” é o resultado desse processo traduzido em fenómenos mentais, ou empíricos; poder-se-á em alguma altura estabelecer uma relação próxima entre os dois? Quão distanciada estará a (nossa) realidade do real?

1 Em inglês: appearance and reality. Neste caso, a nomenclatura desta teoria será traduzida para português como aparência e reali-

dade. Quando confrontada com o conceito anterior de Zizek, adverte-se à possível confusão de nomenclaturas. Assim, a realidade e real, corresponderá aparência e realidade, respetivamente.

Fig. 41, 42 e 43 - Powers of

Ten, Charles and Ray Eames,

1977.

O aparente comportamento dos elementos que formam o "real" pode, ao nível dimensional que nos corresponde, não representar o seu verdadeiro carácter.

Retirado de: http://www.youtube.com/ watch?v=0fKBhvDjuy0

Fig. 44, 45 e 46 - Palazzo

Spada, Francesco Borromini.

Fotografia, secção e representatção tridimensional, respetivamente.

A utilização de ilusões perspéticas é um bom exemplo da "infidelidade" percetiva dos nossos sentidos. Neste caso, a verdadeira dimensionalidade do espaço só é garantida sob um ponto de vista específico.

http://spenceralley.blogspot.pt/2011/04/ palazzo-spada.html

http://cjbrandmeier.blogspot.pt/ Retirado de: http://www.artbabble.org/ video/ngadc/empire-eye-magic-illusion- palazzo-spadas-corridor-part-5

Fig. 47 a 51 - Anamorfoses por Felice Varini.

Anamorfoses representam o vertente ilusória da perceção.

http://www.insanetwist.com/2012/02/ optical-illusions-in-architecture.html