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OS LUGARES DA ARQUITETURA

6.2. Uma Aproximação Sensorial

“A realidade, portanto, é sempre realidade percetiva, aparentemente consensual, por os sujeitos que coabitam comigo ou que, são, de alguma forma, espectadores do mesmo espetáculo, possuírem me- canismos neurobiológicos e sensitivos semelhantes aos meus.” (JANEIRO, 2010, pg.100)

Em termos sensoriais, a informação patente no processo de perceção do espaço poderá ter duas vertentes: uma objetiva e uma subjetiva. Podemos dizer que, em parte, a vertente objetiva do espaço será relativa ao modo como este se projeta, em estímulos, e a vertente subjetiva será o modo como o sujeito os procura. Em relação à visão, por exemplo, ela localiza-nos no campo e permite-nos reconhecer objetos a grandes distâncias. No entanto, quando falamos de visão, deve- mos separar a “imagem da retina” do que o homem perceciona. Esta diferenciação é fundamental para a compreensão do que chamamos de “campo visual” e “mundo visual”. Como diz Edward Hall, o “campo visual” é constituído por toda a informação luminosa que é registada pela retina; esta informação é posteriormente utilizada pelo homem na construção do seu “mundo visual”. (HALL, 1982, pg. 66).

Neste sentido, assumimos que o “mundo visual” é algo pessoal, algo que depende total- mente da perceção de cada indivíduo e por isso se torna intransmissível (qualia). Este facto será difícil de exemplificar, no sentido em que a nossa visão, por exemplo da arquitetura, manifesta-se de forma singular. A nossa experiência espacial é intransmissível a outrem: não se pode descrever a cor cinzenta do betão, ou o toque frio do mármore. Podemos apenas assumir, pois o ser humano possui um sistema biológico comum, que as características do espaço, e por isso da experiência arquitetónica, se manifestam, em termos físicos, de forma semelhante a cada indivíduo. Nas pa- lavras de Susan Blackmore:

“I may wonder whether your experience of green is the same as mine or whether coffee has exactly the same smell for you as it does for me, but I can never find out. (…) The redness of that shiny red mug is a quale; the soft feel of my cat’s fur is a quale; and so is that smell of coffee.”(BLACKMORE, 2005, pg. 3) A experiência subjetiva do espaço depende por isso de modo como o sujeito transforma e processa a informação. Este processo de manuseamento informativo dependerá da constituição da estrutura mental de cada um, assim como o do método de consciencialização individual do espaço. Se este mundo pessoal está sujeito a mudanças dependendo de cada indivíduo podemos suspeitar da diferença entre o que é percecionado e o real. O real é “tudo o que resiste à signifi-

caçãoe, por isso, vive fora do alcance da nossa capacidade percetiva, do nosso mundo subjetivo. Cada ser humano se relaciona com o seu meio de maneira diferente e o que conhecemos do cam- po visual é a consequência da relação entre a informação que lemos com os olhos, os estímulos nervosos provocados na experiência cinestética e a memória (associação), concedendo a cada indivíduo um mundo percetual diferente.

O “campo visual” e o “mundo visual” trabalham em conjunto na formação da “nossa” es- pacialidade, que é uma característica projetada reciprocamente entre o indivíduo e a arquitetura. Este conceito provém da leitura que o nosso corpo tem do nosso meio e de como ele se adapta. Portanto, relacionando-se com a geometria e com a topografia, a arquitetura é dada ao homem como “espaço”, onde este pode praticar e movimentar-se. Neste “vazio” pratica-se a função pois a forma do espaço relaciona-se diretamente com o deslocamento do corpo. A procura de uma ar-

quitetura construída para o homem tem de passar pelo moldar espacial, pelo moldar do “vazio”, avaliando a performance dos espaços de acordo com as necessidades do corpo.

A experiência cinestética, por exemplo, une estas duas vertentes de vivência espacial, a perceção e a ação. O homem utiliza o seu senso direcional na leitura espacial da profundidade e aventura-se na sua exploração. Após a sua leitura visual que atribui aos objetos uma dimensão subjetiva, o indivíduo adquire uma maior quantidade de informação pelo tato e pelo movimento, atribuindo a esse mesmo objeto uma dimensão “concreta”. Este processo de reconhecimento do espaço é fundamental para a aproximação do “mundo visual” ao “campo visual”. Sem ele vive- ríamos num mundo ilusório sem noções de referência. Está por isso presente, na união destas duas vertentes, a possibilidade de viver no vazio da arquitetura, com noções “reais” de distância e medida.

Neste capítulo, após ser abordada a física da subjetividade, procura-se expôr o impacto da língua no processo de subjetivação do objeto arquitetónico. É pertinente por isso enfatizar o papel do homem na criação do “seu” espaço subjetivo e a complementaridade ativa presente na relação entre homem e arquitetura.

“… Se é que o nosso ser no mundo pode ser caracterizável numa frase: é só na medida em que o corpo é o lugar onde se dá o aparecimento do objeto, em que com ele se funde numa totalidade indivisa, que se pode caracterizar o nosso ser-no-mundo…” (JANEIRO, 2010, pg. 88)

A constituição biológica do ser humano, como já foi referido, apresenta-se de forma seme- lhante a toda a espécie: a fisiologia do sistema nervoso, por exemplo, apresenta geralmente ca- racterísticas comuns a todo o conjunto de indivíduos. Salvo algumas exceções, relacionadas com a óbvia singularidade dos sistemas biológicos e com a consideração de condições patológicas, o sistema neural do indivíduo mostra-se transversal ao homem. Este facto poderá garantir uma certa consistência na universalidade do tratamento das informações sensoriais no que toca à assimila- ção da informação recolhida. Será por isso legítimo considerar semelhante a base biológica dos estímulos sensoriais (não idêntica).

No entanto, mesmo que a base biológica desta informação se mostre de carácter semelhante na universalidade da espécie, o modo como esta é gerida vai depender da constituição primária do espaço do sujeito e do modo como é gerida antes e durante a tomada de consciência. Obviamente estão envolvidos neste fenómeno vários processos mentais, que anteriormente referidos, mostram o modo como a informação é manuseada de acordo com força, pertinência e relevância para o sujeito. O mecanismo de operação destes sistemas varia de acordo com fatores individuais rela- cionados com a pré-disposição do sujeito em termos genéticos, culturais e experienciais.

“Pois se o acesso que temos à realidade é realizado por intermédio de representações – e, neste sen- tido, a realidade é representacional, e admitimos que sim; se a natureza gregária do sujeito lhe impõe a necessidade de comunicar, até por uma questão de organização social; então, para que possa existir comunicação é fundamental que os discursos proferidos, entre sujeitos, possam entrar num processo de atribuição de sentido (de significação) unicamente possível quando fundados em parâmetros, ou regras, em suma, em códigos comuns.”(JANEIRO, 2010, pg. 40)

Assim, um mesmo objeto terá significados (interpretações) diferentes de acordo com a

CAPÍTULO 7:

UM ESPAÇO