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O CÉREBRO DO HOMEM

3.2. Emoção, Natureza e Sociedade

A relevância do estudo dos sistemas corporais biológicos do ser humano na experiência da Arquitetura não se manifesta apenas no modo como o corpo cria e transforma o espaço, mas como este último pode também provocar alterações nos sistemas que configuram o cérebro. É facto que a evolução biológica de qualquer organismo deriva da necessidade de pertença ao meio, e com ela surgem questões derivadas não só do comportamento individual com o envolvente, mas também com outros, a nível social e cultural.

Segundo Michael O’Shea, se nos focarmos, por exemplo, no desenvolvimento do cérebro humano ao longo do seu processo evolutivo, reparamos num rápido crescimento do lobo frontal, cerca de 40% da massa total do cérebro. Esta área do cérebro, especificamente, é responsável pelo processamento de informação chegada do resto do córtex e, mais do que qualquer outra parte, define as bases da personalidade de um indivíduo. É lá que surge a consciência própria e a noção de temporalidade, permitindo-nos, por exemplo, planear ações futuras. (O’SHEA, 2005, pg. 61)

“Nobody really knows why the part of the brain that makes us unique should have evolved so rapidly; tripling in size less than two million years. It certainly looks as though evolution entered a positive feedback loop in which natural selection favoring creative intelligence became linked to an ever more extravagant expression of that intelligence.” (O’SHEA, 2005, pg. 62)

O que é importante enfatizar neste contexto é não só o modo como os comportamentos “inteligentes” provocaram um crescimento significativo do cérebro, mas também a influência que uma constituição fisionómica cerebral específica tem sobre o modo como o homem produz e experiencia o espaço (físico e social) manifestando sinais dessa inteligência. Esta questão insere- se no debate Natureza vs. Criação, em que se questiona o que realmente define os traços de com- portamento de um indivíduo: as suas faculdades inatas, relativas à sua predisposição genética; ou a sua experiência pessoal, adquirida através dos seus sistemas sensoriais.

Segundo José Antonio Jáuregui, em “The Emotional Computer”, respetivo à exposição do conceito de computador neural, o cérebro diz-se dividido em duas partes: hardware, a com- ponente física do cérebro, neste caso, toda a sua composição biológica celular, e software, toda a sua componente não-física, como o equipamento mental e os seus constituintes. (JÁUREGUI, 1995, pg. 14) E acrescenta: o software diz respeito a “programas e ficheiros compatíveis com

o hardware do cérebro, que podem ser instalados pelo plano genético ou pelas vias sensoriais, e que permitem ao cérebro informar e pressionar o indivíduo a executar determinadas ações.”

(JÁUREGUI, 1995, pg. 14) Assim, o software cerebral manifesta-se como um conjunto de regras, ou leis, que, uma vez adquiridas, moldam a forma como o sujeito age e reage durante a sua expe- riência existencial. Exemplos destes programas mentais podem ser básicos como o riso e o saber cozinhar, ou conceitos mentais mais complexos como a religião e a ética.

Neste contexto, é importante relembrar o papel do sistema emocional do homem na im- posição destas regras, pois é ele quem governa os sistemas somáticos (como o digestivo e o res- piratório) e os sistemas sociais (como o erótico, o linguístico e o religioso). (JÁUREGUI, 1995, pg. 45) É através das emoções que a natureza pressiona o homem a agir em função do corpo e da sociedade. É de notar também que, apesar de presentes no mesmo hardware, os sistemas po- dem por vezes pressionar o indivíduo em direções distintas, pois o sistema social e o somático, representando respetivamente a sociedade e a natureza, inerem um certo antagonismo. Segundo Jáuregui, citando Edmund Leach:

“According to Leach, what is innate, biological and natural is something physical, “such as the colour of the skin”, while “the manner of dress” is “purely cultural”. Something which is cultural or social (such as dress code) does not fall within the bounds of nature or biology, is variable (there is no single code which regulates the manner of dress of all human beings), and is therefore not natural.” (JÁU- REGUI, 1995, pg. 45)

Assim, segundo Jáuregui, a sociedade não é natural, é algo “adicionado à natureza, algo

que muda a natureza, algo oposto à natureza”. (JÁUREGUI, 1995, pg. 46) As nossas leis bio-

lógicas são-nos inatas e não variam, em oposição às sociais. O indivíduo estará sempre sujeito à dualidade dos seus sistemas somático e social que, de certa forma, se movimentam em direções opostas. De um lado, a pressão somática incentiva à preservação própria e à regulação da vida, informando o sujeito sobre a condição do seu sistema biológico e como deve agir para manter es- tável e saudável. E, em paralelo, o sujeito vê-se inserido num meio social que é regido por regras que podem não estar de acordo com o seu sistema interno.

No entanto, esta “artificialidade” da sociedade não é algo absoluto. Os códigos sociais que se impõem ao indivíduo podem tornar-se naturais (ou biológicos) aquando da assimilação dos mesmos por parte do cérebro. Estes “novos” códigos biossociais e bio-culturais acabam por interferir também com os nossos sistemas somáticos, sempre através do nosso sistema emocional.

Ainda citando Leach, diz Jáuregui:

“However, when a person’s brain assimilates a dress code – the rules that govern the use of clothing – this code becomes something as biological as the colour of his skin (and in some ways even more so).” (JÁUREGUI, 1995, pg. 45)

Recordando o método de funcionamento do sistema emocional do homem e tendo em con- sideração a sua busca pelo prazer (ou ausência de “desprazer”), podemos dizer que o ser humano procura conforto. Podemos também dizer que o carácter deste conforto se transformou ao longo do processo evolutivo do homem enquanto ser biológico, e que as suas necessidades, juntamente com a sua capacidade adaptativa, se foram transformando, buscando novas formas de satisfação no seu envolvente, em função da homeostase. (ver figura 13) O (agora) homem biossocial, ao inserir-se num novo contexto natural, terá novas demandas e, por isso, o conforto que procura poderá ter outro carácter: ainda em função da mesma homeostase, mas agora regida por novos códigos biológicos (sociais).

Assim, e se a Arquitetura se manifesta em função do “abrigo”, o carácter do prazer exigido pelo homem terá também sofrido uma transformação importante. O “conforto” básico que antes se cingia à resposta às demandas mais simples, como a proteção contra fatores hostis externos (como animais, intempéries, etc.), terá agora componentes bem mais complexos associados à nova vertente sociocultural do sujeito. Fatores como a salubridade, a privacidade e a acessibilida- de representam agora os principais níveis de conforto quotidiano. Estes novos códigos biológicos, agora intrínsecos ao sistema nervoso central do ser humano já fazem parte da sua demanda pelo prazer e não podem ser ignorados. (ver figura 14)

Fig. 13 - "Terra Amata Shelter" Exemplo de abrigo do Homem antigo, sinónimo de proteção e conforto.

http://higherperspective. com/2014/02/800000-year-old- footprints-discovered-england.html

Fig. 14 - "General Electric

Kitchen of Tomorrow" , 1950.

Exemplo da evolução do carácter de "conforto".

O “conforto” básico que antes se cingia à resposta às demandas mais simples, como a proteção contra fatores hostis externos (como animais, intempéries, etc.), terá agora componentes bem mais complexos associados à nova vertente sociocultural do sujeito.

http://www.genewscenter.com/ Multimedia/Kitchen-of-the-Future- Design-from-1960-17cc.aspx

A aptidão sociocultural do homem ocorre, por isso, aquando da existência de sistemas biossociais e bio-culturais capazes de redigir regras de carácter modelador do sujeito. Quer pela sua presença forte e constante, de origem experiencial, ou mesmo pela pré-disposição genética, o nosso sistema interno acede ao seu registo, respeitando-as enquanto códigos biológicos regentes de variadíssimos fatores naturais e socioculturais, como é a Arquitetura.