• Nenhum resultado encontrado

O APERFEIÇOAMENTO DO PROCESSO DE INTERNALIZAÇÃO DE NORMAS NO

CAPÍTULO 5 O DILEMA DA INCORPORAÇÃO DAS NORMAS DO

5.3 O APERFEIÇOAMENTO DO PROCESSO DE INTERNALIZAÇÃO DE NORMAS NO

O aprimoramento do sistema de incorporação a partir de mudanças na legislação é a mais indicada, entretanto, não é a única opção. O caminho da mutação constitucional é perfeitamente viável. Veja-se a seguir como a doutrina aponta a solução por essa via.

As constituições quando elaboradas, têm ínsitas a vocação para a continuidade, sendo essa uma das características das constituições rígidas. Entretanto, o texto constitucional representa o retrato político e histórico de uma dada sociedade, em determinado tempo. Com o passar do tempo, o retrato não mais será o mesmo, fazendo-se necessário ajustar o novo momento com a vontade manifestada, o que exige a revisão dos conceitos.

José Joaquin Gomes Canotilho171, analisando o problema dos limites materiais às revisões constitucionais, percebe esse problema:

O verdadeiro problema levantado pelos limites materiais do poder de revisão é este: será defensável vincular gerações futuras a idéias de legitimação e a projectos políticos que, provavelmente, já não serão os mesmos que pautaram o legislador constituinte? A resposta tem de tomar em consideração a verdade evidente de que nenhuma constituição pode conter a vida ou parar o vento com as mãos, nenhuma constituição evita o ruir dos muros dos processos históricos, e, conseqüentemente, as alterações constitucionais, se ela já perdeu a sua força normativa. Mas há também que se assegurar a possibilidade de as constituições cumprirem a sua tarefa e esta não é compatível com a completa disponibilidade da constituição pelos órgãos de revisão, designadamente quando o órgão de revisão é o órgão legislativo ordinário.

A Constituição é peça essencial do Estado Democrático de Direito, portanto, vocacionada para a continuidade, visando a assegurar a estabilidade e segurança social. Como a realidade social é dinâmica, é imprescindível que a Constituição também evolua.172 Quem determina essa evolução são seus intérpretes: o legislador que interpreta diretamente a

171 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4ª ed. Coimbra: Livraria

Almedina, 2000. 172

SOUZA, Paulo de Tarso Mendes. Apontamentos de Direito Constitucional sob as óticas jurídicas, social e polític. Teresina: Fundação Astrojildo Pereira, 2009.

vontade política dos cidadãos e o jurista que ajusta a vontade da lei à vontade social nela inserida.

Aceita a tese da mutação constitucional, adequações substantivas poderiam aprimorar o processo de incorporação de normas do MERCOSUL pelo ordenamento jurídico brasileiro. Já se referiu anteriormente, mas convém repetir o posicionamento de Francisco Rezek:

O que faltaria ao Supremo Tribunal Federal se ele o quisesse, se ele sentisse que é essa a aspiração coletiva? O que faltaria para entender possível, à luz da Constituição do Brasil, tal como hoje escrita, uma integração envolvente de alguma supranacionalidade [...]

A jurisprudência da Corte Suprema brasileira é farta em mutação constitucional. As mais recentes e mais relevantes, pelo conteúdo, foram as que trataram da verticalização das coligações partidárias e da fidelidade partidária. No MS 26602/DF, o STF evoluiu sua jurisprudência sobre a fidelidade partidária decidindo que:

A permanência do parlamentar no partido político pelo qual se elegeu é imprescindível para a manutenção da representatividade partidária do próprio mandato. Daí a alteração da jurisprudência do Tribunal, a fim de que a fidelidade parlamentar perdure após a posse no cargo eletivo.

Exemplos de mutação constitucional não faltam nos outros Estados Partes do MERCOSUL. Jorge Fontoura aponta com maestria a evolução do Direito Constitucional platino sobre a superioridade dos tratados:

Com efeito, após gradual evolução, a Corte Suprema de Justiça da Nação Argentina construiu e prolatou jurisprudencialmente a superioridade do tratado sobre leis internas, la supraestatalidad, por meio de reiterados arestos dos primeiros anos 90. Destacaram-se os casos “Ekmekdjian, Miguel Angel versus Sofovich, Gerardo” de 7 de julho de 1992, “Fibraca Constructora S.C versus Comisión Mista de Salto Grande” de 7 de julho de 1993, e emblemático caso “Cafés La Virgínia S.A. versus Fisco Nacional, de 10 de outubro de 1994, todos devidamente reportados por Antonio Boggiano, Relaciones Exteriores de los ordenamientos jurídicos: jurisprudencia de la Corte Suprema de la Nación. Buenos Aires: Editora La Ley, 1995173.

Conclui-se que foi a evolução jurisprudencial174 da Corte Suprema que embasou a

reforma constitucional argentina de 1994, com a introdução do inovador artigo 75, incisos 22 e 24. É importante transcrever o teor da decisão:

173 FONTOURA, Jorge. O avanço constitucional argentino e o Brasil. Revista de Informação Legislativa.

Brasília a. 37 n. 146 abr/jun. 2000.

El Congresso Nacional no puede derogar um acto complejo como lo es la firma, aprobación y ratificación de un tratado, um Estado no puede invocar uma ley para desobedecer um tratado y no cumplir obligaciones internacionais provoca la responsabilidad estatal.

Como restou demonstrado, o aprimoramento do processo de incorporação de normas do MERCOSUL é possível, tanto pela via legislativa, como pela mutação constitucional. Enquanto essas mudanças não ocorrem faz-se necessário identificar modos de facilitar essa incorporação.

Otávio Augusto Drummond Cançado Trindade contribui para o aperfeiçoamento do processo de incorporação apontando os erros e fazendo críticas a algumas medidas propostas:

Incorporação de normas por meio de quorum qualificado, medida pela qual o tratado teria, no ordenamento jurídico, posição hierárquica equivalente ao quorum de aprovação. A proposta de atribuir quorum qualificado foi endossada para a aprovação de tratados de direitos humanos, pela EC nº 45/2004. TRINDADE faz severa crítica a esse formato, afirmando que tal medida atentaria contra a segurança jurídica do Bloco.

Implementação do Acordo Interinstitucional CMC-CPC, que introduz o mecanismo de consultas prévias à adoção de normas que requerem aprovação parlamentar. TRINDADE considera tal proposta como “letra morta”, pelo “vício de origem”, por não ter sido o acordo adotado como decisão de um dos órgãos com capacidade normativa do Mercosul. É, portanto, não obrigatória.

Estabelecimento do Parlamento do Mercosul. Medida já efetivada, desde 06 de dezembro de 2006.

Internalização por meio de delegação legislativa. O doutrinador afirma que essa medida incorre nos mesmos erros do quorum qualificado.

Finalmente, TRINDADE alerta que “a falta de previsibilidade e de estabilidade das normas Mercosul impede que se forme uma segurança de orientação nos particulares, o que resulta no descrédito em relação ao processo de integração como um todo. Levada ao extremo, essa ausência de segurança jurídica subjetiva pode ter conseqüências políticas que têm o potencial de se traduzirem no rompimento do esquema de integração”175.