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CAPÍTULO 3 SOBERANIA E INTEGRAÇÃO

3.3 A SOBERANIA NOS ESTADOS MEMBROS DO MERCOSUL

3.3.4 Constituição da República do Paraguai

A República do Paraguai, a exemplo da Argentina, possui um ordenamento jurídico tecnicamente flexível e mais propenso à aceitação em toda sua inteireza do processo de integração regional e à relativização do conceito de soberania, acatando a possibilidade de cessão ou transferência de parcelas de sua soberania a um organismo supranacional. A Constituição Federal Paraguaia, de 1992, em seu artigo 145, passou a admitir expressamente a possibilidade de submissão do país a uma ordem jurídica supranacional, desde que em condições de igualdade com outros Estados, condicionando ainda, a participação do Estado paraguaio nessa estrutura política, à sua aprovação pela maioria absoluta de cada uma das Câmaras do seu Congresso Nacional e que a ordem jurídica supranacional a que vier se submeter garanta a vigência dos direitos humanos, a paz, a justiça, a cooperação e o desenvolvimento no político, econômico, social e cultural.

De acordo com a informação do professor e membro da Corte Suprema da República do Paraguai, José Raul Torres Kirmser82, nas discussões que antecederam a aprovação desse

81 FONTOURA, 1997. Op.cit.

82 KIRMSER, José Raul Torres. Sistema de solución de controversias en el ámbito del Mercosur. In: I

dispositivo, foi ressaltado por membros da Assembléia Nacional Constituinte paraguaia que o mundo civilizado atual é um mundo de interdependência entre os povos e que os critérios nacionalistas ortodoxos que estabelecem distâncias espirituais e mentais entre nações, são incompatíveis com o momento que vive a humanidade. A Constituição Paraguaia de 1992 também atribui preferência à integração regional latino-americana, como ocorre no Brasil, no Uruguai e na Argentina.

Portanto, não é exagero reafirmar que admissão de princípios de supranacionalidade em texto constitucional, constitui instrumento indispensável à criação de tribunais regionais ou comunitários com jurisdição nos Estados-membros de determinado tratado ou convenção e competência para apreciar e julgar conflitos entre os nacionais desses Estados. E isso, denota- se claramente não só na legislação constitucional do Paraguai, mas também na doutrina especializada desse país, que tem reiteradamente externado manifestações no sentido da total efetivação à integração do Cone Sul. A esse respeito leciona Francisco Centurión:

Sin embargo, há de tenerse en cuenta que en definitiva son los organos internos de cada estado los que intervienen en la conclusión de un tratado, y siendo así en todo ese proceso es regulado por el derecho interno de cada estado. Por ejemplo, en la etapa de negociación es el jefe de estado el que interviene, pero siempre sujeto al derecho interno que establece su competencia. Con la firma que sería la segunda etapa, se fija el texto y el contenido del tratado que no puede ser ya variado por las partes, sin una nueva renegociación. La firma del tratado, sin embargo no obliga al estado firmante a ratificarlo ni de la vigencia, pero siendo aprobado por el Congreso, conjuntamente con otros actos, como previene el Art. 141 de la Constituición esos tratados integran el ordenamiento jurídico positivo de la nación.83

Isso posto, identifica-se sem grande esforço que não existe uma visão constitucionalmente uniforme entre os países signatários do MERCOSUL, no que se refere ao conceito de ‘soberania’ expresso em suas Cartas Políticas. Daí persistir o fosso constitucional à promoção de um processo de integração regional exitoso no âmbito do bloco. Urge, então, que sejam relativizados alguns conceitos, incluso o de ‘soberania’ e afastadas algumas assimetrias constitucionais que estão a impedir o surgimento de estruturas institucionais e jurídicas regionais ou comunitárias.

Tal argumento se torna convincente a partir do momento que se verifica que o conceito de ‘soberania absoluta’ antecede ao próprio surgimento do Estado como pessoa jurídica de direito público externo. Nos caminhos históricos percorridos em páginas anteriores, o conceito de ‘soberania’, tem adquirido diferentes conotações conforme as

circunstâncias vivenciadas por nações e Estados ao longo da história. Com efeito, aprende-se que, com a necessidade dos Estados de se relacionarem economicamente com o objetivo de atender às necessidades insatisfeitas de suas populações, o conceito de ‘soberania absoluta’ foi contínua e crescentemente sendo questionado, contestado e até mesmo afastado por muitos doutrinadores. Kelsen84, tido por muitos como o precursor do conceito de ‘soberania flexível’, procurou ajustá-lo à busca de uma convivência internacional harmônica e pragmática. No processo dialético desenvolvido, constata-se que, nesse aspecto, o direito internacional vem adquirindo novas interpretações e facetas, aptas a uma nova forma de relacionamento entre os Estados que contemple a inexorabilidade do direito comunitário fruto da evolução paulatina dos processos de integração, no qual a ‘soberania’ desce da ortodoxia medieval e passa a considerar as necessidades econômicas das comunidades regionalizadas.

O enfrentamento objetivo da relativização do conceito de soberania no Cone Sul, a fim de que possam ser criados órgãos supranacionais em processos de integração regionais, nos permitirá rediscutir a essência e a validez das teorias anteriormente mencionadas. A dualista, que advoga o conceito da soberania clássica, e a monista, defensora da tese da cessão ou transferência de parcelas de soberania em benefício dos processos de integração regional entre Estados. Embora em seu atual estágio o Pacto de Assunção não preveja em seu texto e aditivos complementares a criação de instituições supranacionais - o MERCOSUL caracteriza-se como um projeto intergovernamental, já se afirmou - entende-se que, para sua desejável evolução, seja necessário um redirecionamento e ampliação de seus objetivos, o que implicará na obrigatoriedade de uma revisão constitucional nos países que o integram, visando afastar assimetrias e obstáculos.

É que, para sua consolidação, os processos de integração regional necessitam de decisões amplas e abrangentes, a exemplo do que aconteceu na União Européia, idealizada a partir de uma Europa destruída economicamente por força de duas guerras mundiais tendo por base bélica o seu território, ocorridas no século passado. Entretanto, seus dirigentes foram capazes de iniciar um processo de integração regional que, após sucessivas transformações, tornou-se exemplo nessa área. Para que o MERCOSUL se fortaleça e consiga atingir seu objetivo de mercado comum e potência econômica frente à comunidade internacional, deverá analisar com detalhes e despreendimento o exemplo europeu.

Os Estados argentino e paraguaio já promoveram, em suas constituições, revisões que albergam dispositivos favoráveis à ampliação da integração no MERCOSUL, através da

flexibilização do conceito de soberania expresso em seus Textos constitucionais. Brasil e Uruguai, entretanto, ainda não se debruçaram na análise da necessidade de fazê-lo por emenda constitucional, de forma a permitir a cessão de parcelas de suas competências a órgãos supranacionais, a fim de alavancar consistentemente e diretamente o desenvolvimento no Cone Sul.

O caminho da consolidação e ampliação do MERCOSUL é longo e exige decisão política audaciosa e comum dos Estados que o integram, no sentido da integração supranacional. Isto porque, além de todos os obstáculos naturais a serem superados, consabido que não se pode ficar preso a conceitos teóricos ultrapassados, em meio a um universo de transformações econômicas, sociais e culturais que se processam no mundo a cada dia e a cada instante.

Percebe-se que a Constituição paraguaia pode ser classificada como modelo de ordenamento jurídico apto a albergar o Direito Comunitário, pois em seu texto, além da aceitação da existência de uma ordem jurídica supranacional, é admitida a supremacia das normas internacionais sobre as nacionais, apesar de essa admissão estar condicionada ao mecanismo da recepção para vigorarem internamente.