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A VALIDADE E A ABRANGÊNCIA DAS NORMAS CRIADAS NO ÂMBITO DO

CAPÍTULO 3 SOBERANIA E INTEGRAÇÃO

3.7 A VALIDADE E A ABRANGÊNCIA DAS NORMAS CRIADAS NO ÂMBITO DO

A efetivação de um processo de integração regional requer uma estrutura organizacional e um ordenamento jurídico apto à sua implementação, representado por normas, regulamentos e orientações.

Confrontado os dois instrumentos básicos referentes à criação do MERCOSUL (o Tratado de Assunção e o Protocolo de Ouro Preto), constata-se que o tratado se repete quase que integralmente no protocolo que dispõe, inclusive, expressamente, em seu artigo 41, ser aquele um direito originário desse pacto, incluídos seus aditivos e documentos complementares - e, como direito derivado do bloco, as normas provenientes de seus órgãos decisórios, desde que alicerçadas nos respectivos tratados constitutivos - nas decisões do Conselho do Mercado Comum, nas resoluções do Grupo Mercado Comum e nas diretrizes da Comissão de Comércio do MERCOSUL. Dispõe também que devem ser considerados como fontes secundárias ou complementares, os princípios gerais do direito e os laudos de Tribunal Arbitral, previstos no Protocolo de Brasília.

Embora parecesse óbvio, até a elaboração do Protocolo de Ouro Preto existiam dúvidas e inquietações sobre a obrigatoriedade de observância pelos Estados Partes, das normas emanadas pelos órgãos decisórios do Pacto, porque, paradoxalmente, o Tratado de Assunção não menciona em seu texto as normas a serem produzidas no âmbito do MERCOSUL, as decisões e as Resoluções. Com a firmatura do Protocolo de Ouro Preto, tais dúvidas foram eliminadas, posto que este diz expressamente que as manifestações dos órgãos com capacidade decisória devem ser consideradas normas de caráter obrigatório para os Estados Partes e que tais manifestações serão concretizadas por aqueles por meio de decisões, resoluções e diretrizes.

Nesse cenário, indiscutível que o Tratado de Assunção, o Protocolo de Brasília, o Protocolo de Ouro Preto, as Decisões, as Resoluções e as Diretrizes compõem o ordenamento jurídico do MERCOSUL, apto a produzir efeitos nos países que o integram. Em uma visão mais específica, as “Decisões” são o instrumento hábil para as manifestações do Conselho -

normas de primeiro grau; as “Resoluções”, para as manifestações do Grupo Mercado Comum, normas de segundo grau; e as “Diretrizes” ou “Propostas”, da Comissão de Comércio, sendo esta última a única de caráter não obrigatório. Entretanto, as normas do MERCOSUL podem ser classificadas como normas imperfeitas, porque não impõem qualquer sanção aos Estados partes pelo seu descumprimento. Com essa fragilidade técnica flagrante, as decisões de seus órgãos deliberativos são implementadas ou não pelos Estados-membros, sem qualquer consequência punitiva, em caso negativo. Tal deficiência é consequência da concepção intergovernamental do Pacto.

O MERCOSUL, como órgão internacional, prevê em seus instrumentos instituidores um poder normativo derivado para os órgãos que compõem sua estrutura organizacional - o Conselho Mercado Comum, o Grupo Mercado Comum e a Comissão de Comércio. Contudo, em consequência da adoção da teoria dualista por parte de dois Estados que o integram, essas normas precisam ser recepcionadas ou internalizadas pelo ordenamento jurídico desses países, o que evidencia que o processo legislativo no MERCOSUL não é autônomo, e tampouco observado de forma igual pelos Estados Partes.

As discussões sobre o tema encontram-se longe de um ponto de convergência. Alguns autores, dentre os quais Otávio A.D.Cançado Trindade104, sustentam que não é possível classificar o Direito do Mercosul como Direito Comunitário, mas pode-se afirmar que se trata de uma ordem jurídica própria. Já Maria Luiza Justo Nascimento105, leciona que “as determinações políticas vinculantes aos Estados constituem normas [...] derivadas do MERCOSUL e devem ser obrigatoriamente incorporadas aos ordenamentos jurídicos dos Estados-membros.” Entretanto, não aborda qualquer consequência pelo seu descumprimento.

É flagrante a necessidade de incorporação das normas originárias de órgãos deliberativos do MERCOSUL nos ordenamentos jurídicos dos Estados-membros. Desse fato, levanta-se a dúvida se o MERCOSUL possui efetivamente poder normativo e se suas normas, agrupadas, constituem um ordenamento jurídico no sentido que a doutrina atribui a esta expressão. Caso sejam afirmativas as respostas, qual a sua eficácia?

Um aspecto que pode ser levantado como inibidor da eficácia das normas do MERCOSUL, diz respeito ao quorum necessário a sua aprovação. Efetivamente, estabelece o artigo 37 do Protocolo de Ouro Preto que para a aprovação de normas, é necessária a presença e o consenso de todos os Estados Partes. A fundamentação desse dispositivo reside, talvez, no

104TRINDADE, Otávio Augusto Drummond Cançado. O Mercosul no Direito Brasileiro. Incorporação de

normas e segurança jurídica. Belo Horizonte: DelRey, 2003. p.52.

pressuposto de que a presença total e o consenso facilitariam o processo de recepção dessas normas pelos Estados-membros, visto já existir uma unanimidade a respeito da aprovação da matéria. No entanto, diferentemente do presuposto concebido, pode-se identificar, nessa metodologia, uma defesa da soberania dos Estados Partes, ocasionando lentidão na efetivação das decisões do bloco e, mais que isso, uma repetida desculpa para o descumprimento das normas decorrentes do tratado.

Tanto é verdadeira a afirmativa, que havendo conflito entre as normas produzidas por órgãos do pacto e normas internas dos Estados-membros, prevalecem aquelas de direito interno, vigindo nesse aspecto a teoria dualista, que concebe a existência de dois sistemas normativos - o interno e o internacional- e, portanto, a necessidade do instrumento da recepção para a validade no território do Estado Parte das normas internacionais. Em consequência, as normas produzidas no âmbito dos órgãos do pacto podem ser ignoradas, alteradas, aditivadas, ou interpretadas diferentemente por juízes e tribunais nacionais, dificultando ou até mesmo impedindo o processo de integração regional.

É que a concepção intergovernamental adotada no MERCOSUL, no dizer de Eduardo Biachi Gomes106, “impede um verdadeiro Direito da Integração e a formatação de uma jurisprudência do bloco que possam servir como referencial para as políticas a serem desenvolvidas”. Nesse cenário, configura-se o impasse para se identificar quais as medidas a serem adotadas para a agilização da validade das normas do bloco em cada país membro.

Sem contra argumentação consistente, chega-se à conclusão de que as dificuldades encontradas no seio do bloco para a implementação da sua produção normativa, estão relacionadas à ausência de eficácia direta e aplicabilidade imediata dessas normas nos ordenamentos jurídicos nacionais. Quando se menciona ‘eficácia direta’ e ‘aplicabilidade imediata’ quer-se referir à possibilidade de serem essas normas utilizadas pelos particulares dos países membros na defesa de seus direitos, quando da sua violação, e à efetiva aplicação da norma produzida por órgãos do pacto, logo após sua publicação, sem a necessidade do fenômeno da recepção para sua incorporação no ordenamento jurídico nacional, respectivamente.

106 GOMES, Eduardo Biachi. Blocos econômicos e soluções de controvérsias. 2.ed. Curitiba: Juruá, 2001. p.

CAPÍTULO 4 - O ASPECTO CONSTITUCIONAL DA INCORPORAÇÃO DAS