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Constituição da República Federativa do Brasil

CAPÍTULO 3 SOBERANIA E INTEGRAÇÃO

3.3 A SOBERANIA NOS ESTADOS MEMBROS DO MERCOSUL

3.3.1 Constituição da República Federativa do Brasil

O conceito de soberania encontra-se disposto na atual Constituição Federal brasileira nos artigos 4º, 5º, inciso XXXV e artigo 60, inciso IV, parágrafo 4º, consistindo em valor constitucional supremo, se utilizarmos as regras valorativas da pirâmide de Kelsen.

Analisando o mencionado conceito, percebe-se, claramente, no texto brasileiro a adoção do conceito de ‘soberania absoluta’, sem permissão ao Estado de participação legal integral nos processos de integração regional. Nessa mesma direção caminha Luiz Olavo Baptista77, ao alertar que os artigos 22, 23 e 24 da Constituição Federal brasileira - que dispõem sobre a distribuição de competências entre os entes federados - representam um obstáculo intransponível para a efetivação exitosa de processos de integração regional, pois esses dispositivos constitucionais não facultam, e sequer mencionam a possibilidade de delegação de poderes que integrem o núcleo da ‘soberania nacional’ a um órgão internacional. Quando se perquire, entretanto, os mais representativos doutrinadores do direito no Brasil na atualidade, ver-se-á que o universo jurídico nacional encontra-se dividido em duas categorias – há aqueles que aprovam e defendem o conceito absoluto de soberania contido na Carta Política e os que admitem um conceito mais flexível, apto a absorver e acompanhar os

76 DROMI, Roberto. Competencia y monopolio: Argentina, Mercosur y OMC. Buenos Aires: Ciudad Argentina,

1999.

acontecimentos que se desenvolvem em níveis regional e internacional. Uns e outros são denominados nacionalistas78 e internacionalistas79, respectivamente.

Os argumentos daqueles que defendem o conceito absoluto de soberania se encontram mais próximos às épocas de guerras pela conquista de territórios e, em consequência, distantes do momento de integração e globalização que se vivencia. Talvez essa postura tida por muitos como equivocada, seja derivada de influências em consequência dos últimos exemplos de intervenções bélicas promovidas pelos norte-americanos e organismos internacionais, principalmente no Oriente Médio e África, ou pela demarcação de mercados pelos Estados industrializados, configurando um processo de neo-colonialismo capaz de levar os países em desenvolvimento à dependência econômica, social e cultural. Nesse diapasão, preferem a adoção do conceito de soberania como sendo o poder de decidir - in ultima ratio - sobre a atributividade das normas de caráter nacional e a eficácia do seu direito interno, com supremacia destas sobre qualquer outro poder de decisão.

Em posição antípoda, os que defendem o conceito de soberania em um enfoque mais flexível, argumentam que a conotação de absolutividade deste ignora as relações econômicas mantidas diuturnamente entre os Estados que integram a comunidade internacional de nações e caracterizam verdadeiro antagonismo entre soberania e relações internacionais. Isso posto, se preocupam em vincar um conceito de soberania mais dinâmico e flexível, que permita ao país participar de ações e projetos desenvolvimentistas a nível internacional - aí inclusa a participação no processo de integração do MERCOSUL, necessários à melhoria da qualidade de vida de sua população.

No ordenamento constitucional brasileiro, a exemplo do uruguaio, não há dispositivo que estabeleça hierarquia superior às normas internacionais em relação às nacionais. Consideradas equivalentes, são aplicadas segundo a regra “lex posterior revogat priori”.

E o parágrafo único do artigo 4º, do Texto Fundamental brasileiro, ao dispor que a Nação tem a finalidade de buscar a integração política entre os Estados latino-americanos, não explicita, a exemplo do Texto constitucional uruguaio, os mecanismos que viabilizem essa busca.

A Carta Política brasileira prevê sistema de celebração e aprovação dos tratados nos artigos 84, inciso VIII - competência privativa do Presidente da República para celebrar

78 ACCIOLY, Hildebrando. A ratificação e a promulgação dos tratados, em face da Constituição Federal

Brasileira. Boletim da Sociedade Brasileira de Direito Internacional, Rio de Janeiro, ano IV, n.7 p,5-11, jan./jun. 1948.

79 VALLADÃO, Haroldo. Aprovação de ajustes internacionais pelo Congresso Nacional. Boletim da Sociedade

tratados, e 49, inciso I - competência exclusiva do Congresso Nacional para resolver definitivamente sobre tratados internacionais que acarretem obrigações ao Estado, o que demonstra a tradição dos Estados partes do MERCOSUL de adotar procedimentos internos de aprovação dos tratados.

Em duas situações o princípio “lex posterior revogat priori” permite exceções. A primeira, em questão relacionada aos tratados assinados em matéria de direitos e garantias fundamentais, que são equiparados à norma constitucional, conforme previsto no artigo 5°, parágrafo 3°, da Constituição Federal.

A segunda exceção que se visualiza a regra “lex posteriori revogat priori”, está disposta no artigo 98 do Código Tributário Nacional - CTN, que assegura grau hierárquico superior aos tratados e convenções internacionais sobre matéria tributária, em relação às leis ordinárias, sendo a sua fonte de validação no ordenamento jurídico pátrio o decreto legislativo.

O fato de a Constituição brasileira, como a uruguaia, não definir de forma expressa a forma de resolução de conflitos entre leis internacionais e nacionais, impossibilita um procedimento unânime na tomada de decisões pelos Estados Partes do MERCOSUL. Há, portanto, a necessidade de uma harmonização constitucional nessa matéria por parte dos Estados Partes, de forma a facilitar a adoção de um sistema de solução de conflitos efetivamente capaz de assegurar uniformidade na interpretação e aplicação do direito da integração no bloco, bem como a supremacia de suas normas sobre as nacionais.

Visando a uma harmônica compatibilização constitucional Fontoura80 sugere que a Carta Política brasileira, bem como a uruguaia, adotem como modelo a redação dos dispositivos constitucionais argentinos e paraguaios referentes à delegação de poderes e à jurisdição a organismos supranacionais e estabeleça de forma concreta a supremacia dos tratados sobre as leis internas, sua aplicação automática e “de observancia obligatoria para el

Poder Ejecutivo de, tan pronto exista aprobación congresal del tratado, inmediatamente expedir el Decreto de promulgación e, ‘ipso facto’, proponer una acción declaratória de constitucionalidad, antes de efectuarse el depósito del instrumento de ratificación”.

As iniciativas no sentido de reverter congressualmente a ortodoxia do conceito de soberania expresso na Carta brasileira, resultaram infrutíferas. Em 1994, foram apreciadas emendas que objetivavam incluir na Constituição um conceito de soberania mais flexível, de modo a permitir a participação mais efetiva do Brasil no MERCOSUL, através da inserção no

texto básico de dispositivos que albergassem o aspecto da supranacionalidade. A Proposta Revisional – PRE Nº 001079-1, de autoria do Deputado Adroaldo Streck (na revisão constitucional de 1994), apresentou a substituição do parágrafo único do art. 4º da CF pelo seguinte: “1º As normas de direito internacional são parte integrante do direito brasileiro. 2º- A integração econômica, política e sócia e cultural visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações constitui objetivo prioritário da República Federativa do Brasil. 3º- Desde que expressamentee estabelecido nos respectivos tratados, as normas emanadas dos órgãos competentes das organizações internacionais, de que o Brasil seja parte, vigoram na ordem interna brasileira.” Esse projeto de emenda constitucional foi rejeitado pelo Congresso Nacional, evidenciando o preconceito existente sobre a matéria entre os parlamentares federais brasileiros.