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3 TÓPICOS SOBRE A COBRANÇA SELETIVA DE ICMS

3.2 Aplicação da vedação do retrocesso ao ICMS

Como primeiro passo para entender quanto à incidência do princípio da vedação ao retrocesso sobre a seletividade em função da essencialidade no ICMS, cabe-se questionar quanto à eficácia deste princípio, seja de plena eficácia ou seja de eficácia limitada, isto importa asseverar que a norma independa ou dependa respectivamente de uma complementação de significado, via legislação ordinária.

Nesse espeque, o ICMS tem como meio de cobrança tanto a majoração quanto a diminuição de alíquotas como forma mais comum, mas há, também, outros meios menos usados como a redução na base de cálculo ou a concessão de benefícios fiscais. Em razão disso, ambos poderes, Legislativo e Executivo, tem competência para modificar o montante a ser taxado. O que é imprescindível saber é que é necessário que qualquer desses poderes imbua-se dessa qualidade para instituir o imposto de forma a reconhecer o princípio da seletividade em razão da essencialidade.

O princípio da seletividade em razão da essencialidade toma por base uma medida comparativa, o que quer dizer que os bens necessários à vida comum devem ser menos taxados do que aqueles que tem como característica ser de consumo suntuário. A maneira de dar sequência a esse conceito é externa à Constituição, de modo que apenas um regramento posterior pode permitir a implementação do princípio.

Bottallo34 (2009, p. 58) explica com propriedade que o legislador

constitucional colocou este princípio como política fiscal ao legislador ordinário, visto

que institui uma norma de “conduta”, um cordão mestre para o proceder da feitura da norma, ou seja esse legislador deverá invariavelmente dispor de acordo com o princípio em tela, em suas palavras exemplifica ainda qual seria a intenção do legislador constitucional: “leve em conta a ideia de que ele haverá de ser seletivo em função da essencialidade”.

Por outro lado, o mesmo não ocorre quanto ao Poder Judiciário, como o princípio encartado possui um núcleo essencial inquestionável a ser protegido, não é, então, motivo suficiente a mera justificativa de que não possui um conteúdo bem definido. Afinal, eventual violação à esta norma é motivo para ensejar mandado de injunção ou ação constitucional por omissão em face de eventual inexistência de legislação ordinária, isso sob a perspectiva da incidência da seletividade.

Portanto, cabe afirmar que esta é uma norma de eficácia plena e aplicabilidade imediata, visto que o Judiciário tem pleno substrato para dispor sobre a implementação da norma, ainda que o legislador ordinário tenha o dever de colocar a norma segundo certos preceitos. Sobre o tema disserta Afonso35, discernindo sobre

quais os critérios para que uma norma seja de eficácia limitada:

“[...]As normas programáticas têm eficácia jurídica imediata, direta e vinculante nos casos seguintes:

I – estabelecem um dever para o legislador ordinário;

II – condicionam a legislação futura, com a consequência de serem inconstitucionais as leis ou atos que as ferirem;

III – informam a concepção do Estado e da sociedade e inspiram sua ordenação jurídica, mediante a atribuição de fins sociais, proteção dos valores da justiça social e revelação dos componentes do bem comum; [...]” Desse modo, com ênfase no papel do legislador ordinário, o princípio da seletividade em função da essencialidade não possui eficácia plena, tendo em vista que é intrínseco ao princípio a comparação entre os produtos e que o contribuinte não possui o poder imediato para requerer do legislador ordinário que venha a cumprir o seu dever de legislar, a não ser, por meio das ações acima, litigar um provimento jurisdicional.

De modo que não há base para a aplicação do princípio da vedação ao retrocesso nessa situação, visto que este se propõe a impedir atentado contra a ordem jurídica que esteja vigente, além de imanente a um núcleo de significado enraizado na comunidade de direito.

Por outro lado, tendo sido disposto um regramento infraconstitucional sobre a matéria é caso para aplicar o princípio da vedação ao não retrocesso. Tome-se em conta o exemplo em que um produto qualquer tem alíquota inferior a outro produto em razão de sua essencialidade. Se, em face de legislação posterior, inverte-se a situação, ou seja, o produto essencial tem um imposto superior, haverá, então, incidência do princípio da vedação ao não retrocesso para que se retorne à situação anterior, em razão do regresso no status de proteção da lei.

Nesse sentido, Carrazza36 exemplifica caso em que há infração ao princípio

da seletividade que venha a acarretar a incidência do princípio da vedação ao retrocesso, além de delimitar o campo razoável para tal controle jurisdicional:

“Damo-nos pressa em salientar que não estamos sustentando que o Judiciário deva legislar, no lugar do Legislativo, ou regulamentar as leis, no lugar do Executivo, mas averiguar se os critérios adotados por estes Poderes foram adequados e racionais. Se concluir, por exemplo, que a legislação ultrapassou os critérios da razoabilidade e da equidade ao revogar, v.g., uma isenção sobre a venda de remédios, tornando-a mais onerada, por meio de ICMS, que a comercialização de ração animal, poderá perfeitamente restabelecer o benefício fiscal e, com isso, o primado da Constituição.” Ressalve-se que se o produto essencial não for objeto de imposto, fenômeno conhecido como alíquota zero, o estudo terá como foco também o instituto da isenção. No presente trabalho, limitamo-nos a esclarecer que isso pode ocorrer em três hipóteses: seja na isenção pura e simples, em que motivos de fato colocam a norma além do alcance do ente tributante, seja na isenção qualificada, que comporta a hipótese de não-incidência por imunidade constitucional, bem como a hipótese de não-incidência por determinação da legislação ordinária.

Nesse exemplo de mudança da legislação infraconstitucional, exemplificada por Carrazza acima, cabe relacionar às três condições necessárias para

verificar a incidência do princípio da vedação ao retrocesso, que são: a) que a medida tenha se integrado ao próprio conteúdo dela, o que nessa situação significa que haveria inegável prejuízo à população com o aumento do imposto, aniquilando o princípio da seletividade nesse contexto; b) embora tenham havido medidas substitutivas - o aumento do imposto sobre os medicamentos - estas não tiveram caráter razoável; c) por fim, ocorreu a violação ao núcleo essencial do princípio na medida em que os medicamentos são itens básicos, pois prestam-se à proteção de um direito primordial assentado no artigo 6º da CRFB37, o direito à saúde.

Portanto, o princípio da seletividade é hipótese típica para a incidência do princípio da vedação ao retrocesso, já que necessita de um regramento infraconstitucional para a sua plena eficácia. A fim de verificar no caso concreto, necessário é submeter a norma revogada a uma associação com os três requisitos elencados: existência de norma infraconstitucional substitutiva, infração ao núcleo essencial do princípio da seletividade e integração ao conteúdo jurídico desse princípio.

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