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Constituição e seletividade: ICMS nas operações de transmissão de energia elétrica e a possibilidade de repetição de indébito dos valores cobrados indevidamente

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Academic year: 2018

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COORDENAÇÃO DE ATIVIDADES COMPLEMENTARES

THIAGO NOGUEIRA GOMES

CONSTITUIÇÃO E SELETIVIDADE: ICMS NAS OPERAÇÕES DE TRANSMISSÃO DE ENERGIA ELÉTRICA E A POSSIBILIDADE DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO

DOS VALORES COBRADOS INDEVIDAMENTE

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CONSTITUIÇÃO E SELETIVIDADE: ICMS NAS OPERAÇÕES DE TRANSMISSÃO DE ENERGIA ELÉTRICA

Monografia apresentada no Curso de Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial à obtenção do grau de bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Dr. Hugo de Brito Machado Segundo.

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CONSTITUIÇÃO E SELETIVIDADE: ICMS NAS OPERAÇÕES DE TRANSMISSÃO DE ENERGIA ELÉTRICA E A POSSIBILIDADE DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO

DOS VALORES COBRADOS INDEVIDAMENTE

Monografia apresentada à banca examinadora e à Coordenação do Curso de Direito da Universidade Federal do Ceará, adequada e aprovada para suprir exigência parcial inerente à obtenção do grau de bacharel em Direito. Orientador: Prof. Dr. Hugo de Brito Machado Segundo.

Aprovada em: ___/___/______.

BANCA EXAMINADORA

________________________________________ Prof. Dr. Hugo de Brito Machado Segundo (Orientador)

Universidade Federal do Ceará (UFC)

_________________________________________ Me. Everton Luís Gurgel Soares

Procurador do Município de Fortaleza

_________________________________________ Prof. Dr. João Luís Nogueira Matias

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Ao Prof. Dr. Hugo de Brito Machado Segundo, por sua valiosa experiência na área e por toda a atenção dada a este trabalho.

Ao Me. Everton Luís Gurgel Soares, por dispor de seu tempo para colaborar nesse estudo e pelo respeito com que conduz chefia.

Ao Prof. Dr. João Luís Nogueira Matias, por seu magistério de inegável primor e inspiração que proporciona aos discentes.

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sobrevive, e mal”.

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Neste trabalho tratamos do princípio constitucional da seletividade e do respectivo critério da essencialidade enquanto norteadores da tributação da energia elétrica pelo Imposto sobre Circulação de Mercadorias - ICMS. Inicialmente, faz-se uma digressão do princípio da vedação ao não retrocesso como limitador a eventual revogação de normativo estadual pertinente ao ICMS, por meio da análise dos requisitos de tal instituto bem como da aplicação deles ao caso concreto. Discorre-se, também, sobre o caráter essencial da energia elétrica em comparação à alíquota de outros produtos. Em seguida, discute-se a constitucionalidade da alíquota do ICMS sobre a energia elétrica, dada sua essencialidade. Examinam-se, ainda, os termos para a repetição de indébito do montante por meio da delimitação do que é tributo indireto, analisando a posição majoritária do STJ acerca do tema. Por fim, é examinada a práxis do controle judicial com o destaque para a tese do legislador positivo.

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This paper studies the constitutional principles of essentiality and selectivity as parameters to the ICMS taxation of electricity. This is done taking first a view of the principle of non-retrogression versus states legislations concerned to ICMS. Having done that, it is made a specific study of the taxation of various products. Then, it is demonstrated the unconstitutionality of the ICMS taxation of energy as the principle of essenciality is not observed. Then, some topics involving recovery of undue payments are presented. It is also outlined the Superior Court of Justice - STJ leading case law related to the matter. And finally, it is given a glimpse of procedures for judicial control and Judiciary as a positive lawmaker.

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ANEEL Agência Nacional de Energia Elétrica CLT Consolidação das Leis Trabalhistas

CRFB Constituição da República Federativa Brasileira CTN Código Tributário Nacional

ICMS Imposto sobre Circulação de Mercadorias IPI Imposto sobre Produtos Industrializados IPTU Imposto sobre Propriedade Territorial Urbana

IR Imposto de Renda

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1 - INTRODUÇÃO...

2 - PRINCÍPIOS DE DIREITO CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO ...16

2.1 – O que é seletividade ...16

2.2 – O que é essencialidade ...19

2.3 – A essencialidade é objetiva ou subjetiva ...24

2.4 – O que é o princípio da vedação do retrocesso ...26

3 - TÓPICOS SOBRE A COBRANÇA SELETIVA DE ICMS ...30

3.1 - A seletividade como critério obrigatório no ICMS...30

3.2 - Aplicação da vedação do retrocesso ao ICMS...33

3.3 - A seletividade na energia elétrica...36

4 – REPETIÇÃO DE INDÉBITO ...40

4.1 – O que são tributos indiretos? ...41

4.2 – Quem detém legitimidade para propor ação de repetição de indébito? ...43

5 - LEGISLAÇÃO E JURISPRUDÊNCIA DO ICMS SOBRE ENERGIA ELÉTRICA ...50

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1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objeto o estudo da tributação sobre a energia elétrica, em especial a adequação da legislação ordinária ao princípio da seletividade encartado na CRFB. A temática não é recente, entretanto o STF não se pronunciou definitivamente sobre a incidência do tributo sobre a eletricidade.

O assunto da eletricidade tem tido maior destaque nas discussões acadêmicas e jurisprudenciais em razão de que há uma inconstitucionalidade flagrante na alíquota aplicada sobre a energia elétrica, com base no critério comparativo que é ínsito à essencialidade da Carta Magna. Entretanto, não cabe negar que hajam outros bens tributados que também merecem atenção, como os serviços de comunicação, de transporte e de combustíveis, ainda que a inadequação ao princípio da seletividade não seja tão aparente.

É suficiente mencionar que a eletricidade é um insumo basilar para a cadeia econômica para compreender que é de vital utilidade para a geração de renda e emprego para a população como um todo, bem como para conferir as condições necessárias para o sucesso de diversos empreendimentos independente do ramo de origem. Desse modo, eventual alteração na alíquota do imposto surti efeito visível para o ciclo social e econômico.

A metodologia adotada envolve pesquisa bibliográfica e jurisprudencial e tem como foco o direito tributário e o direito constitucional. A pesquisa bibliográfica possui a finalidade de explorar pressupostos teóricos sobre o referido tema em pesquisas científicas, de forma que este estudo é uma nova abordagem sobre uma problemática conhecida. Já a pesquisa jurisprudencial foi realizada através da técnica do estudo de caso, que é caracterizada pela análise de um ou poucos objetos, de maneira que permita o seu amplo e detalhado conhecimento.

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legislação infraconstitucional do ICMS. No capítulo seguinte, será defrontada a inserção dos aludidos princípios à tributação da energia elétrica, analisando em primeiro lugar a obrigatoriedade ou não da seletividade em razão da essencialidade, em segundo lugar a possibilidade da aplicação da vedação ao não retrocesso à energia elétrica, e em terceiro lugar o caráter essencial da eletricidade.

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2 PRINCÍPIOS DE DIREITO CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO

As normas jurídicas são um conjunto de sentidos obtidos pelo leitor através da interpretação, os quais induzem a uma conclusão que ordena sentença textual sobre a proibição, permissão ou obrigação de determinada conduta. Em disposição idêntica, emana uma carga valorativa dos princípios, que, em conjunto, e em viés oposto às regras jurídicas, tece uma complexa rede para compreensão do leitor. Este ato de análise está sujeito à ideologia dos sujeitos que apreciam o texto legal.

Além do que, os princípios são enunciados que contém não apenas uma carga de valor como também contém limites para a interpretação do conteúdo material. Os valores são disposições que fundamentam o ordenamento jurídico, já os limites são instrumentos para operacionalizar aqueles. A diferenciação destas partes é dada pela verificação se o texto coloca uma medida, do contrário haverá o teor de significado resguardado pelo texto.

2.1 O que é seletividade?

Seletividade é a qualidade de ser seletivo, é o ato ou efeito de escolher de forma criteriosa e fundamentada. Nessas opções, então, é possível deduzir, através da regra definida como meio, que haverá certa estabilidade, resguardando, no âmbito do Direito Tributário, os contribuintes, do arbítrio do Fisco na fixação de alíquotas para produtos.

Desse modo, seletividade, predicado de quem é seletivo, são os critérios adotados que conduzem ao discernimento, à classificação, à categorização daquilo que está sob lume. Para o Direito Tributário, é uma variação no imposto aplicado sobre artigos comerciais, de modo a ser relativamente superior ou a ser relativamente inferior. Hugo de Brito Machado1 leciona:

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“Seletivo é o mesmo que selecionador, aquilo que seleciona. Imposto seletivo é aquele que onere diferentemente os bens sobre os quais incide. Seleciona os bens em razão de certos critérios”.

Neste mesmo espeque coloca Melo2 sobre este princípio:

“...significa discriminação ou sistema de alíquotas diferenciadas por espécies de mercadorias, como adequação do produto à vida do maior número de habitantes do País. As mercadorias essenciais à existência civilizada devem ser tributadas mais suavemente, ao passo que as maiores alíquotas devem ser reservadas aos produtos de consumo restrito, isto é, o supérfluo das classes de maior poder aquisitivo”.

O princípio da seletividade está direcionado primeiramente ao legislador ordinário, enquanto aquele que sistematiza alíquotas por meio de lei ordinária para a concretização da justiça fiscal. Por outro lado, o Poder Judiciário é aquele que tem o papel de processar ações de constitucionalidade por eventual incongruência nas alíquotas nestas leis. Há, ainda, o papel residual do executivo para dispor sobre alíquotas do ICMS, por meio do convênio do CONFAZ.

Segundo Torres3, o princípio da seletividade “se subordina ao da capacidade contributiva e significa que o tributo deve incidir progressivamente na razão inversa da essencialidade dos produtos”. Discordamos, em parte, desse conceito, pois a capacidade contributiva é um atributo referente ao contribuinte, analisa se este possui uma renda elevada ou não, trata, portanto, de uma condição pessoal. Por outro lado, o princípio da seletividade tem como foco o bem material em relação aos demais.

Entendemos, no entanto, que há relação entre o princípio da capacidade contributiva e o princípio da seletividade, que se dá em função da finalidade dada a determinado bem, isso quer dizer que aquele que consome pode influir no valor do imposto, na medida em que a mesma mercadoria adquire um caráter popular ou de elite a depender do consumidor.

O próprio Torres4 exemplifica:

2MELO, José Eduardo Soares de. IPI: teoria e prática. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 213

3TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário. 13º ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p.387.

4TORRES, Ricardo Lobo. O IPI e o Princípio da Seletividade. Revista Dialética de Direito Tributário:

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“Veja-se que as aeronaves de peso inferior a 15.000 kg, utilizadas como táxi aéreo, cumprem objetivos essenciais ao consumo popular. Atendem ao mesmo tipo de clientela que se ser das aeronaves maiores: empresários, turistas, profissionais liberais, estudantes, etc. Destinam-se ao transporte coletivo, embora sirvam a cada viagem a um pequeno número de passageiros”.

Ou seja, aviões de passageiros comerciais com menos de 15.000 kg deveriam ser taxados igualmente aos maiores, um critério que poderia distinguir é se o avião é de uso privativo tanto de empresas, quanto de indivíduos abastados. Ou ainda, se o avião tem como propósito o esporte, visto que as aeronaves comerciais têm como finalidade o transporte coletivo, ainda que de uma parcela restrita da população.

Em continuidade sobre o princípio da seletividade e o critério a ser adotado pelo constituinte para o ICMS, segue trecho de Paulsen5:

“Ser seletivo implica ter alíquotas diferenciadas dependendo do produto (individualmente considerado), sendo que o critério para tal seletividade é dado pelo próprio constituinte: o grau de essencialidade do produto”.

O instituto da seletividade, enquanto norma de Direito Tributário Brasileiro, tem origem na Constituição de 19676, tendo em vista o que foi disposto na disciplina do IPI nessa data.

O critério adotado pelo legislador constituinte como modo de aplicar a seletividade foi a essencialidade. Desse modo, caso o legislador ordinário “decida”7 aplicar a essencialidade para modificar e sistematizar as alíquotas dos produtos, conferindo um caráter extrafiscal ao ICMS, estará vinculado a esse critério: a essencialidade.

A seletividade é, então, norma instrumental para o ordenamento econômico-político. Não se trata de mero meio para a obtenção de verbas para o

5PAULSEN, Leandro. Direito tributário: Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. 9. Ed. rev. E atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. 1432 p. p. 309.

6Artigo 22, § 4º - Ô imposto sobre produto industrializado será seletivo, em função da essencialidade dos produtos, e não-cumulativo, abatendo-se, em cada operação, o montante cobrado nas anteriores. (BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 24 de Janeiro de 1967).

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Fisco. Desse modo, trata-se, uma vez aplicada, de norma para a intervenção econômica do Estado. Tal qual o escólio de Carrazza8: “estimulando a prática de operações ou prestações havidas por úteis ou convenientes para o País e, em contranota, onerando outras que não atendam tão de perto ao interesse nacional.”

Em atenção a esse enunciado, cabe citar o Estado do Ceará, no qual o uso da seletividade para intervir na economia é patente no estabelecimento de alíquotas de 25% para bens supérfluos, como bebidas, cigarros e a energia elétrica. E, há, outras duas faixas de 17% e 12%, a segunda para os demais bens e a última para “produtos da indústria de informática”9.

A variação mais comum na tributação dá-se por meio das alíquotas. Um produto incide em uma faixa superior ou inferior de determinada alíquota. Há, também, a cobrança tomando através de uma base de cálculo minorada, por exemplo, um imposto de 35% incide sobre uma base de cálculo de 60% do bem, ou seja, em verdade está sendo cobrado 21% de imposto sobre o produto. A ausência de alteração da alíquota é forma para diminuir a tributação sem infringir o limite dado pela relação entre as alíquotas internas e as interestaduais10.

2.2 O que é essencialidade?

Cabe, inicialmente destacar a obra de Nogueira11, quanto ao conceito de essencialidade: “A essência é aquilo que constitui a natureza das coisas, é a substância. No caso em que a coisa ou produto deve ser excluído ou incluído e normatizado em razão da sua natureza essencial e da sua finalidade”.

Ao comentar sobre a natureza essencial, o autor tem como fundamentos que a essencialidade é uma medida comparativa, isso significa que o bem ou é um

8CARRAZZA, Roque Antônio. ICMS. São Paulo: Malheiros, 2006, p.375. 9CEARÁ. Decreto nº 24.569/97, de 31 de julho de 1997, Artigo 55, c

10Art. 155: VI – Salvo deliberação em contrário dos Estados e do Distrito Federal, nos termos do disposto no

inciso XII, “g”, as alíquotas internas, nas operações relativas à circulação de mercadorias e nas prestações de serviços, não poderão ser inferiores às previstas para as operações interestaduais (BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988).

11NOGUEIRA, Rui Barbosa. Curso de direito Tributário. São Paulo: Instituto Brasileiro de Direito Tributário,

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item de primeira necessidade para o conjunto da população e tem uma finalidade básica dentre os seus diversos usos ou, em diâmetro oposto, pode ser um bem de consumo supérfluo restrito às classes mais abastadas e tem finalidade suntuosa ou contraproducente à ordem ou saúde públicas (o uso de drogas). Conclusão quanto a essas anotações é a de que as alíquotas devem ser estabelecidas na razão inversa da essencialidade do bem.

Exemplificando as situações acima, o formol perpassa por três etapas distintas até o produto final. Uma das etapas é base para a produção de medicamentos diversos, não é objeto de taxação. Outra etapa serve como insumo para produtos de limpeza de vidros, esta é taxada na alíquota de 10%. Por fim, serve de matéria-prima para frascos para alisamento de cabelo, esta etapa é tributada na alíquota de 20%. Desse modo, os bens de finalidade essencial não são taxados, e há uma graduação até atingir os produtos com destinação de luxo.

Sob uma perspectiva histórica, cabe dualizar os seguintes momentos12, o Estado Patrimonial, em que o consumo de bens de luxo era, em razão de motivos morais e econômicos, reprimido e a seguir o Estado Fiscal em que essa opressão à liberdade individual, o não-consumo de bens de luxo, é afastado, agora, em favor, também, da tributação pujante sobre estes mesmos bens.

Outro enfoque necessário é entender que cada produto ao longo do tempo perpassa por uma maior ou menor abrangência no todo da população, o que importa dizer que um bem essencial hoje pode ser ou não ser tão essencial em cinco ou dez anos. Essa mobilidade, cabe ressaltar, é inerente a um conceito por natureza comparativo, ou seja que analisa um bem em relação ao conjunto dos demais.

Sobre isto ensina Humberto Ávila13: “Quanto mais essencial for o produto, a mercadoria ou o serviço, menor deverá ser a alíquota. ‘Essencial’ significa que algo é de importância decisiva”.

12TORRES, Ricardo Lobo. O IPI e o Princípio da Seletividade. (parecer). Revista Dialética de Direito

Tributário, São Paulo, Oliveira Rocha, mar, 1997. n. 18, P.96.

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Por exemplo, a telecomunicação, durante os tempos em que a telefonia era pública no Brasil, restringia-se a uma parcela diminuta da população, inclusive era comum aplicar os rendimentos de uma vida em ações das telefônicas. Em contraponto, hoje há mais celulares do que habitantes nesse país. Um bem, antes, de uso apenas de poucas residências abastadas tornou-se parte do cotidiano geral, e, então, indispensável frente a outros produtos.

O escólio de Melo14 tece sobre o que é essencialidade para o constituinte de 1988:

“Decorre de valores colhidos pelo constituinte, como é o caso do salário mínimo, que torna em consideração as necessidades mais básicas, como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência (art. 7, IV).

É certo que sempre hão de ser tomadas em conta a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF/88), o desenvolvimento nacional (art.5º, II da CF/88), a erradicação da pobreza, da marginalização e redução das igualdades sociais (art.5º, III, da CF/88).”

Sobre a mesma perspectiva do encartado princípio Tilbery (1990 apud MELO, 2012) disserta:

“12.6 – O conceito de ‘essencialidade não deve ser interpretado estritamente para cobrir apenas as necessidades biológicas (alimentação, vestuário, moradia, tratamento médico), mas deve abranger também aquelas necessidades que sejam pressupostos de um padrão de vida mínimo decente, de acordo com o conceito vigente da maioria.

12.7 – Consequentemente, os fatores que entram na composição das necessidades essenciais variam de acordo com o espaço (conforme países e regiões) e o tempo (grau de civilização e tecnologia).”

Desse modo, além das necessidades biológicas, também as necessidades mínimas devem ser resguardadas de tributação, o que em resumo representa todos os direitos clausurados no art. 6º da CFRB. Tal imunidade tributária, a Constituição de 1946 (art. 15, § 1º) assegurava ao mínimo necessário para a habitação, vestuário, alimentação e tratamento médico das pessoas de restrita capacidade econômica.

O trato dessa temática é imprescindível para assegurar justiça fiscal, corrigindo uma desigualdade que ocorre na imposição da tributação entre as classes

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ricas e pobres, visto que proporcionalmente ao que é auferido aquelas pagam menos do que estas, em verdade isso é reflexo de um sistema que prioriza taxar o consumo e a produção, privilegiando a renda.

A consequência palpável desse arcabouço legal é que, por exemplo, uma saca de arroz ou um bilhete de ônibus possui o mesmo preço independentemente da capacidade contributiva do consumidor. De outro modo, a mera alteração da alíquota do imposto de renda para as camadas mais altas por meio de lei ordinária poderia surtir efeito garantindo maior justiça fiscal.

Com efeito, conforme estudo do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário15: “No Brasil, 70% dos tributos são sobre consumo, 25% sobre renda e somente 5% sobre patrimônio. Isso provoca uma distribuição de renda ao contrário, que pune pobres e beneficia ricos”.

Essa realidade coloca sob agruras cidadãos como16 Wilson Teixeira dos Santos, de 46 anos, que não possui emprego, realiza bicos, tais quais entregar frutas para lanchonetes, o que lhe rende apenas R$ 480,00 (quatrocentos e oitenta reais) e esmorece “Meus gastos são com comida, aluguel, luz e água, mas não faço ideia de quanto pago de imposto”, ele, no compasso gasta 48,28% de tributos na conta de luz e 37,88% na de água.

Por fim, é pertinente aferir sobre quais são os critérios, a liberdade, o poder discricionário que cabe ao legislador na instituição de alíquotas. De início é válida a ponderação de que este tem sim uma margem de escolha que é uma zona tênue entre aquilo que infringe a essência inconteste do bem sob enfoque e o que desequilibra o conjunto de alíquotas. Significa dizer, um aumento ou diminuição desproporcional do tributo.

15KAFRUNI, Simone. Sistema de cobranças de impostos brasileiro penaliza mais pobres. Disponível em: www.sitecontábil.com.br/notícias/artigo.php?id=441. Acesso em: 04/09/2016.

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Sobre o tema arrazoa Bottallo17:

“Embora não se negue que o legislador ordinário possa atuar dentro de certa margem de discricionariedade na manipulação da seletividade em função da essencialidade dos produtos, o conteúdo mínimo desta expressão sempre possibilitará que se verifique, em concreto, se o princípio se fez presente.”

Como situações cabe citar três ocasiões: primeiro quando o imposto para os pobres for superior ao imposto para os ricos, em segundo quando o imposto for igual para todos, o que do mesmo modo onera os pobres por equidade, e em terceiro quando o imposto sobrepor-se a fatos alheios à capacidade contributiva, como o gênero, a raça, a religião, o domicílio, etc.

Por fim, menciono que há possibilidade de controle jurisdicional em caso de abuso do legislador da baliza instituída pela Constituição, que é o grau de aderência mínimo ao critério da essencialidade. Sobre esse controle disserta Carrazza18:

“Sem embargo de doutas opiniões em sentido contrário, pensamos que o Poder Judiciário está apto a controlar o cumprimento deste princípio constitucional.

Embora haja uma certa margem de liberdade para o Legislativo tornar o imposto seletivo em função da “essencialidade das mercadorias e dos serviços”, tais expressões, embora um tanto quanto fluidas, possuem um conteúdo mínimo, que permite se afira se o princípio em tela foi, ou não, observado, em cada caso concreto. Depois, como averba Celso Antônio Bandeira de Mello, ‘a imprecisão ou fluidez das palavras constitucionais não lhe retira a imediata aplicabilidade dentro do campo induvidoso de sua significação””.

Desse modo, a essencialidade é um critério, que visa, principalmente, o resguardo da tributação sobre bens que sejam imprescindíveis para a manutenção de um mínimo existencial. Bem como, por meio de um sistema de comparação entre os itens, estabelece um sistema de alíquotas proporcional a essencialidade, aferida por meio da camada da população que o consome e a finalidade dada ao mesmo bem.

17BOTTALLO, Eduardo Domingos. “O imposto sobre Produtos Industrializados na Constituição”, em Heleno Taveira Tôrres (coordenador). Tratado de Direito Constitucional Tributário. Saraiva São Paulo, 2005, p. 633.

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2.3 A essencialidade é objetiva ou subjetiva

Esta questão é útil para aferir qual o status de um bem em um sistema de normas fiscais, quer dizer para a classificação dos produtos. A seletividade em decorrência da essencialidade, como foi dito é medida que decorre do quão essencial é um item, quão necessário é este frente ao conjunto de necessidades básicas, tanto biológicas quanto sociais de um indivíduo em determinada época e nação ou mesmo região geográfica.

Sobre este tópico disserta Esturilio19:

“num determinado momento e local, aquilo que é essencial simplesmente o é, devendo ser indiferente para a legislação e a administração a condição pessoal daquele que suportará o ônus financeiro do encargo tributário, pois a essencialidade é igual para todos, é objetiva, independente das capacidades contributivas de cada um individualmente, merecendo receber a classificação como “essencial” a partir do ponto de vista da generalidade.”

Desse modo, os critérios extrínsecos, que advém de considerações não sobre o bem, mas sobre a capacidade contributiva daquele que consome permanecem em um primeiro momento em segundo plano, ou seja com exceção daqueles bens possuem múltiplas finalidades, o que, cabe reprisar, representa mais de um bem em consideração ao princípio da seletividade sobre a essencialidade.

Desse modo perquirir sobre o princípio da seletividade em função da essencialidade parte em base das características que são inerentes ao produto, é, então, irrelevante o quão rico é o consumidor ou a quantidade do bem que foi comprada, pois esses dados não possuem qualquer interferência sobre a singularidade do bem. Exemplifica Bainy20:

“Imagine que uma dona de casa, ao fazer compras do mês no supermercado, resolva adquirir alguns quilos extras de açúcar, a fim de preparar algumas guloseimas para seus filhos. No momento do pagamento das compras, seria informada pela operadora do caixa que o valor do açúcar não seria o marcado na prateleira, mas sofreria um acréscimo de x%. Surpresa com a afirmação e exigindo uma explicação, a dona de casa ouviria, após chamar o gerente do

19ESTURILIO, Regiane Binhara. A Seletividade no IPI e no ICMS. São Paulo: Quartier Latin. 2008.

192p. p. 143.

20BAINY, Alexandre Feliciano (2012). A seletividade em função da essencialidade no Imposto sobre a

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estabelecimento, que segundo a legislação estadual quem compra mais de y quilos de açúcar presumidamente possui condições econômicas melhores, deixando de fazer jus à alíquota reduzida que o açúcar teria como produto essencial.”

Há doutrinadores21 que se opõem a esse conceito, discernindo com ênfase em que, em razão de ser difícil graduar o ICMS de acordo com a capacidade econômica do contribuinte que adquiri ou consome o bem, como há milhões de consumidores, o legislador opta por tornar efetiva a capacidade contributiva, por meio do princípio da seletividade em razão da essencialidade, ou seja gravando com menos ICMS artigos essenciais, entretanto segundo o magistério de Machado Segundo22, que baliza com propriedade que a consideração é sobre a haver ou não alteração da essencialidade:

“A essencialidade das mercadorias tributadas pelo ICMS é aferida objetivamente, e não em face do consumidor ou da quantidade consumida. Afinal, pão, leite e ovos, se adquiridos por uma família de baixa renda apenas para consumo próprio, ou se adquiridos em larga quantidade para um magnata, para a realização de um banquete, ou ainda se comprados por um orfanato, também em grande quantidade, para suprir dezenas de menores órfãos, serão tributados exatamente da mesma forma.”

Em mesmo sentido, Humberto Ávila23 fundamenta que por ser princípio positivado na CRFB no artigo 153, §3º, I e no artigo 155, §2º, III; não há necessidade de buscar apoio no princípio da capacidade contributiva para dar sustentação à seletividade, ou seja “a seletividade não decorre da capacidade contributiva”.

Por fim, observação precisa é a de que um mesmo produto que seja graduado de acordo com a quantidade ou faixa de consumo não importa em que consumidores de uma mesma capacidade contributiva se enquadrem numa quantidade específica. Por exemplo, um ICMS sobre a conta de água graduado não aduz que dois consumidores de renda idêntica tenham o mesmo consumo, um pode ser enquadrado em um consumo maior ou menor, em consequência um pagando uma

21Dentre eles o já citado Ricardo Lobo Torres e Douglas Yamashita, para quem a seletividade surge

“como atenuante da regressividade do ICMS e resultante do princípio da capacidade contributiva”. Tipke, Klaus e Yamashita, Douglas. Justiça Fiscal e Princípio da Capacidade Contributiva. São Paulo: Malheiros, 2002. 127p. p. 113.

22MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. A Tributação da Energia Elétrica e a Seletividade do ICMS. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo: Dialética, nº. 62, 2000. P.. 72-73.

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alíquota superior ao do outro sem qualquer diferença de capacidade contributiva entre os dois.

2.4 O que é o princípio da vedação do retrocesso?

Antes de adentrar no princípio acima, necessário é contextualizar que ele serve como proibição a que, por exemplo, um princípio constitucional tenha a legislação ordinária respectiva revogada, retirando a eficácia do princípio. Desse modo, pode ocorrer com o princípio da seletividade em razão da essencialidade. Um Estado-membro pode decidir revogar a legislação ordinária sobre o princípio da seletividade em razão da essencialidade, negando efetividade ao mesmo, é nesse momento que incide o princípio que será a seguir estudado.

O princípio da vedação ao retrocesso, em linhas gerais, é uma proibição de que seja retirada a proteção conferida por normas constitucionais de eficácia reduzida. Quanto a normas de eficácia limitada, essas são aquelas que necessitam de regramento infraconstitucional para adquirir plena amplitude normativa, sem prejuízo de eventual integração ao texto constitucional por meio de provimento jurisdicional via mandado de injunção.

Qualquer uma das dimensões constitucionais de direito está apta a ser albergada por essa vedação, sobre isto observa-se que a doutrina propugna que há, em verdade, dois ou mais princípios da vedação ao retrocesso, um “geral” e outro relacionado aos direitos sociais.

A fim de relembrar o que são as gerações de direito conceituadas por Bonavides24, essas são vertentes de cada palavra do lema da revolução francesa: liberdade, igualdade e fraternidade. Liberdade diz respeito ao preceito negativo de não intromissão do Estado na vida individual, seja por meio da proteção à propriedade, liberdade ou segurança. Já a segunda geração visa à justiça social ao propor meios

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para assegurar a igualdade material, constituindo prestação positiva do Estado. Por fim, a terceira geração dedica-se a direitos indivisíveis, cuja satisfação de um implica na de todos, visto que são direitos coletivos, por exemplo o direito a um meio ambiente equilibrado. Cabe mencionar as outras duas gerações, que versam sobre a globalização dos direitos fundamentais e o direito à paz respectivamente.

Sob cunho sociológico, a tomada de medidas revogatórias é, com efeito, óbice à tomada de decisões dos indivíduos, visto que somente em condições de relativa estabilidade é possível planejar medidas para atender aos anseios de um futuro próximo ou distante.

Em comentários mais detidos sobre o princípio da vedação do retrocesso cabe detalhar que as normas constitucionais como um todo têm como característica a presença de eficácia jurídica. Dessas normas constitucionais uma parte possui eficácia plena sem a necessidade de demais normas infraconstitucionais, outra parte tem eficácia contida e não tem plena eficácia sem normas de hierarquia inferior à CRFB. O princípio da vedação do retrocesso incide tanto sobre princípios quanto sobre regras.

É certo que o legislador pode tomar medidas retrocessivas sem, entretanto, estar de certa forma ferindo direito constituído de particular qualquer, o que seria retroagir sobre o mesmo direito, o que é vedado por lei. Entretanto, é sobre essas mesmas situações que incide o discutido princípio, pois esse retrocesso é causa de um estado de omissão Estatal, que implica perca de efetividade da norma. Sobre o tema o autor lusitano Silva25 menciona:

“[...] do que aqui se trata é de fiscalizar a constitucionalidade do exercício do poder revogatório do legislador. [...] que se fiscalize a constitucionalidade das leis revogatórias que incidem sobre leis anteriormente emanadas no cumprimento de deveres específicos de actuação legislativa.”

Essa fiscalização está ligada sobretudo aos princípios que envolvem os direitos fundamentais, que devem, por serem de eficácia limitada, ser concretizados

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na disposição da legislação inferior. De modo que a regulação de princípio, que implementa direito fundamental, impõe ao Poder Judiciário o dever de controle sobre eventual revogação da lei inferior, conclui-se que as revogações devem vir acompanhadas de política substitutiva ou equivalente.

Em verdade, é possível que a lei inferior acrescente conteúdo tal ao texto constitucional e que esse valor normativo se incorpore à norma respectiva da carta magna. Há discussão na doutrina sobre uma necessária formação de uma consciência jurídica para esse mecanismo, o que é certo é que deve decorrer um lapso temporal mínimo. Sobre tal mecanismo disserta Derbli26:

“[...] se uma norma constitucional definidora de direito social atinge certo nível de densidade normativa, por ação do legislador, essa concretização pode passar a integrar o próprio conteúdo da norma constitucional, restando, pois, insuscetível de supressão ou modificação arbitrária por via constitucional – mas, para tanto, é necessário que venha a ser objeto de consenso profundo, idôneo a permitir que radique na consciência jurídica geral”.

O mesmo autor27 a fim de representar o aludido preceito coloca a norma do art. 7, XXI, da Constituição, a seguir:

“Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

[...]

XXI – aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da lei:”

A fim de incrementar o texto constitucional foi criado o artigo 488, caput e parágrafo único da CLT pelo Poder Legislativo, neste é garantida a redução do horário de trabalho em 2 (duas) horas diárias ou a se ausentar do trabalho por 7 (sete) dias corridos, sem prejuízo do salário integral. Isso foi em razão de que é ínsita ao aviso prévio a ideia de que o trabalhador deve ter tempo para procurar outra ocupação. O autor entende que esse acréscimo de conteúdo ao texto importa que o mesmo é parte inerente à norma do aviso prévio.

26DERBLI, Felipe. O princípio da proibição de retrocesso social na Constituição de 1988. São Paulo:

Renovar, 2007, p. 243

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Por isso, cabe arrazoar que a vedação imposta por esse princípio não é propriamente uma vedação a qualquer retrocesso, mas somente aquele que de alguma forma afete o núcleo mínimo de conteúdo que é tido para alguma norma constitucional. Pontua sobre este parâmetro para aferir alguma violação ao princípio discutido Sarlet28:

“[...] a primeira noção a ser resgatada é a do núcleo essencial dos direitos fundamentais sociais que estejam sendo objeto de alguma medida retrocessiva. Como já restou suficientemente destacado, o legislador (assim como o poder público em geral) não pode, uma vez concretizado determinado direito social no plano da legislação infraconstitucional, mesmo com efeitos meramente prospectivos, voltar atrás e, mediante uma supressão ou mesmo relativização (no sentido de uma restrição), afetar o núcleo essencial legislativamente concretizado de determinado direito social constitucionalmente assegurado.”

Por fim, cabe salientar como condições concorrentes para a aplicação desse princípio, que, por consenso, a medida proporcionada pela legislação infraconstitucional tenha se integrado ao próprio conteúdo dela, bem como não tenham havido medidas substitutivas da lei anterior, além de violação ao núcleo constitucionalmente protegido. É pela união desses três fatores que é possível o emprego da vedação ao retrocesso. Sim, há uma carga de caráter subjetivo na aplicação deste princípio.

28SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 8. Ed. rev. Atual. Porto Alegre:

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3 TÓPICOS SOBRE A COBRANÇA SELETIVA DE ICMS

No capítulo anterior foram abordados os valores que dão sustentação a tese da flagrante inconstitucionalidade da presente alíquota de energia elétrica em diversos estados, bem como o possível uso do instituto da vedação ao não retrocesso para reprimir a revogação de lei que estabeleça a alíquota diferenciada sem eventual medida substitutiva.

Neste capítulo, serão colmatados esses princípios com a correspondente realidade da cobrança de ICMS, dando utilidade a estes sob a perspectiva de certas circunstâncias como em ação de declaração de inconstitucionalidade e consequente pedido de repetição de indébito via mandado de segurança, pleito este abordado no capítulo seguinte.

3.1 A seletividade como critério obrigatório no ICMS

Cabe enfatizar que a obrigatoriedade ou a facultatividade da seletividade enquanto critério para a taxação de ICMS é objeto de dissonância doutrinária, tendo em vista que a legislação constitucional para o IPI assegura, no art. 153, §3º, inciso I, que “será seletivo, em função da essencialidade dos produtos tributados”, quer dizer, nesse caso tratou como certa a incidência do aludido critério.

Em viés oposto, o legislador constitucional não deu igual tratamento para a seletividade como suporte para a tributação de ICMS, A Carta Magna aborda o princípio no artigo 155, §2º, inciso III, regulando que “poderá ser seletivo, em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços”.

O emprego da palavra ‘poderá’ na sentença do artigo gerou dúvida quanto ao caráter obrigatório ou não da aplicação desse princípio. Em verdade, há doutrinadores que propugnam pela obrigatoriedade, como Carrazza29:

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“Convém salientarmos, desde logo, que, a nosso ver, este singelo “poderá” equivale, na verdade, a um peremptório “deverá”. Não se está, aí, diante de uma mera faculdade do legislador, mas de uma norma cogente, de observância obrigatória”.

O autor complementa ainda que, quando a Constituição impõe um poder, com exatidão está colocando um dever. Isso equivale a falar que as pessoas políticas têm poderes deveres. No mesmo sentido, expõe Fuso30 que haveria um tratamento assimétrico na tributação comparativa entre IPI e ICMS:

“A maioria dos produtos essenciais industrializados faz parte de operações mercantis. Nesse sentido, o princípio da seletividade seria mitigado, ou não seria sequer atendido, se adotássemos a desoneração do IPI e não o fizéssemos também o ICMS, pois um produto poderia ser desonerado por um imposto e inviabilizado por outro. Basta para isso aplicar a alíquota zero na operação que envolve a fabricação de medicamentos para doenças graves e dezoito por cento na sua comercialização”.

Ou seja, há uma incoerência no sistema tributário ao considerar que somente é obrigatória a seletividade sobre o IPI e não, também, sobre o ICMS. De modo que a política fiscal, ao beneficiar certos produtos com o regime do IPI, tenha eficácia limitada sob a perspectiva do ICMS, visto que a essencialidade atinge da mesma maneira, por vezes, idênticos produtos, entretanto a taxação não é adstrita, ao menos, pelo núcleo imprescindível inerente ao princípio da seletividade em razão da essencialidade por vir a ser considerada opcional a aderência a esse princípio no âmbito do ICMS.

De outro modo não dispõem os comentários de Baleeiro31 sobre o caráter compulsório da aplicação do princípio:

“A boa doutrina ensina que, nos sistemas jurídicos em que se consagra o princípio da igualdade e da capacidade econômica, a seletividade impõe-se. É que nos impostos que repercutem no consumidor, como é o caso do ICMS, tornar-se-ia muito difícil, senão impossível, graduar o imposto sobre produtos industrializados ou sobre operações de circulação de mercadorias de acordo com a capacidade econômica da pessoa que adquire o produto ou a mercadoria para o consumo (que afinal é quem suporta o encargo tributário)”.

30FUSO, Rafael Correia. Seletividade Tributária. Disponível em:

http://www.sapientia.pucsp.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=2393. Acesso em: 11/09/2016. P.141.

31BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. 11. Ed. Atual. Por Misabel Abreu Machado Derzi.

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Eventual caráter facultativo importa que os estados, com a finalidade de auferir lucros para seus cofres, gravem produtos imprescindíveis à vida contemporânea com alíquotas elevadas, em desrespeito ao princípio da igualdade, que serve de fundamento axial para a seletividade em função da essencialidade, de forma a restringir o acesso da população a esses bens.

Por outro lado, cabe tomar em consideração a corrente que defende a facultatividade da aplicação da seletividade na alíquota do ICMS. Um dos que defendem esse ponto de vista é Machado Segundo32 ao expor:

“A constituição não asseverou que o imposto poderá ser seletivo, e que essa seletividade poderá ser de acordo com a essencialidade das mercadorias e serviços. Não. Se o tivesse feito, tratar-se-ia de ironia tola, porquanto todo imposto pode, em princípio, ser seletivo, de acordo com qualquer critério, inclusive a essencialidade do bem tributado.

Na verdade, o ICMS poderá ser seletivo. Se o for, porém, essa seletividade deverá ocorrer de acordo com a essencialidade das mercadorias e serviços e não de acordo com critérios outros, principalmente se inteiramente contrários ao preconizado pela Carta Magna”

Essa corrente, então, defende que, por expressa liberalidade do legislador constitucional, este facultou ao legislador estadual a opção de adotar um regime proporcional de tributação dos bens, todavia essa permissão vem acompanhada de uma escolha assertiva quanto ao eventual critério para essa tributação, que é a seletividade em razão da essencialidade. Não poderia, então, ser instituída uma tributação por método outrem.

O escólio de Melo33, por sua vez, entende, igualmente, que é facultativa a aplicação da seletividade no ICMS:

“Embora facultativa, penso que a seletividade do ICMS também deverá obedecer às diretrizes constitucionais que nortearão o IPI. As únicas diferenças de tributação consistirão no elemento espacial (território nacional como unidade, e territórios estaduais, isoladamente), e no tipo de coisa (produtos industrializados e mercadorias e serviços). Conquanto a facultatividade constitua o elemento impulsionador da edição do ICMS seletivo, não poderá haver, propriamente, mero critério de conveniência e oportunidade, porque impõe-se obediência a inúmeros postulados constitucionais (como já foi apontado para o IPI).”

32MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. O ICMS no fornecimento de energia elétrica e a seletividade

do ICMS. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n.62, 2000, p. 71-72

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Todavia, essa discussão não alcança a práxis jurídica, tendo em vista que a totalidade dos Estados adotou o modelo diferenciado de alíquotas, o que importa na aplicação cogente do critério da seletividade em razão da essencialidade. Ocorreria o contrário somente se eleita a alíquota única para todo e qualquer produto, entretanto foi positivado o método comparativo próprio à essencialidade dos produtos.

3.2 Aplicação da vedação do retrocesso ao ICMS

Como primeiro passo para entender quanto à incidência do princípio da vedação ao retrocesso sobre a seletividade em função da essencialidade no ICMS, cabe-se questionar quanto à eficácia deste princípio, seja de plena eficácia ou seja de eficácia limitada, isto importa asseverar que a norma independa ou dependa respectivamente de uma complementação de significado, via legislação ordinária.

Nesse espeque, o ICMS tem como meio de cobrança tanto a majoração quanto a diminuição de alíquotas como forma mais comum, mas há, também, outros meios menos usados como a redução na base de cálculo ou a concessão de benefícios fiscais. Em razão disso, ambos poderes, Legislativo e Executivo, tem competência para modificar o montante a ser taxado. O que é imprescindível saber é que é necessário que qualquer desses poderes imbua-se dessa qualidade para instituir o imposto de forma a reconhecer o princípio da seletividade em razão da essencialidade.

O princípio da seletividade em razão da essencialidade toma por base uma medida comparativa, o que quer dizer que os bens necessários à vida comum devem ser menos taxados do que aqueles que tem como característica ser de consumo suntuário. A maneira de dar sequência a esse conceito é externa à Constituição, de modo que apenas um regramento posterior pode permitir a implementação do princípio.

Bottallo34 (2009, p. 58) explica com propriedade que o legislador constitucional colocou este princípio como política fiscal ao legislador ordinário, visto

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que institui uma norma de “conduta”, um cordão mestre para o proceder da feitura da norma, ou seja esse legislador deverá invariavelmente dispor de acordo com o princípio em tela, em suas palavras exemplifica ainda qual seria a intenção do legislador constitucional: “leve em conta a ideia de que ele haverá de ser seletivo em função da essencialidade”.

Por outro lado, o mesmo não ocorre quanto ao Poder Judiciário, como o princípio encartado possui um núcleo essencial inquestionável a ser protegido, não é, então, motivo suficiente a mera justificativa de que não possui um conteúdo bem definido. Afinal, eventual violação à esta norma é motivo para ensejar mandado de injunção ou ação constitucional por omissão em face de eventual inexistência de legislação ordinária, isso sob a perspectiva da incidência da seletividade.

Portanto, cabe afirmar que esta é uma norma de eficácia plena e aplicabilidade imediata, visto que o Judiciário tem pleno substrato para dispor sobre a implementação da norma, ainda que o legislador ordinário tenha o dever de colocar a norma segundo certos preceitos. Sobre o tema disserta Afonso35, discernindo sobre quais os critérios para que uma norma seja de eficácia limitada:

“[...]As normas programáticas têm eficácia jurídica imediata, direta e vinculante nos casos seguintes:

I – estabelecem um dever para o legislador ordinário;

II – condicionam a legislação futura, com a consequência de serem inconstitucionais as leis ou atos que as ferirem;

III – informam a concepção do Estado e da sociedade e inspiram sua ordenação jurídica, mediante a atribuição de fins sociais, proteção dos valores da justiça social e revelação dos componentes do bem comum; [...]”

Desse modo, com ênfase no papel do legislador ordinário, o princípio da seletividade em função da essencialidade não possui eficácia plena, tendo em vista que é intrínseco ao princípio a comparação entre os produtos e que o contribuinte não possui o poder imediato para requerer do legislador ordinário que venha a cumprir o seu dever de legislar, a não ser, por meio das ações acima, litigar um provimento jurisdicional.

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De modo que não há base para a aplicação do princípio da vedação ao retrocesso nessa situação, visto que este se propõe a impedir atentado contra a ordem jurídica que esteja vigente, além de imanente a um núcleo de significado enraizado na comunidade de direito.

Por outro lado, tendo sido disposto um regramento infraconstitucional sobre a matéria é caso para aplicar o princípio da vedação ao não retrocesso. Tome-se em conta o exemplo em que um produto qualquer tem alíquota inferior a outro produto em razão de sua essencialidade. Se, em face de legislação posterior, inverte-se a situação, ou seja, o produto essencial tem um imposto superior, haverá, então, incidência do princípio da vedação ao não retrocesso para que se retorne à situação anterior, em razão do regresso no status de proteção da lei.

Nesse sentido, Carrazza36 exemplifica caso em que há infração ao princípio da seletividade que venha a acarretar a incidência do princípio da vedação ao retrocesso, além de delimitar o campo razoável para tal controle jurisdicional:

“Damo-nos pressa em salientar que não estamos sustentando que o Judiciário deva legislar, no lugar do Legislativo, ou regulamentar as leis, no lugar do Executivo, mas averiguar se os critérios adotados por estes Poderes foram adequados e racionais. Se concluir, por exemplo, que a legislação ultrapassou os critérios da razoabilidade e da equidade ao revogar, v.g., uma isenção sobre a venda de remédios, tornando-a mais onerada, por meio de ICMS, que a comercialização de ração animal, poderá perfeitamente restabelecer o benefício fiscal e, com isso, o primado da Constituição.”

Ressalve-se que se o produto essencial não for objeto de imposto, fenômeno conhecido como alíquota zero, o estudo terá como foco também o instituto da isenção. No presente trabalho, limitamo-nos a esclarecer que isso pode ocorrer em três hipóteses: seja na isenção pura e simples, em que motivos de fato colocam a norma além do alcance do ente tributante, seja na isenção qualificada, que comporta a hipótese de não-incidência por imunidade constitucional, bem como a hipótese de não-incidência por determinação da legislação ordinária.

Nesse exemplo de mudança da legislação infraconstitucional, exemplificada por Carrazza acima, cabe relacionar às três condições necessárias para

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verificar a incidência do princípio da vedação ao retrocesso, que são: a) que a medida tenha se integrado ao próprio conteúdo dela, o que nessa situação significa que haveria inegável prejuízo à população com o aumento do imposto, aniquilando o princípio da seletividade nesse contexto; b) embora tenham havido medidas substitutivas - o aumento do imposto sobre os medicamentos - estas não tiveram caráter razoável; c) por fim, ocorreu a violação ao núcleo essencial do princípio na medida em que os medicamentos são itens básicos, pois prestam-se à proteção de um direito primordial assentado no artigo 6º da CRFB37, o direito à saúde.

Portanto, o princípio da seletividade é hipótese típica para a incidência do princípio da vedação ao retrocesso, já que necessita de um regramento infraconstitucional para a sua plena eficácia. A fim de verificar no caso concreto, necessário é submeter a norma revogada a uma associação com os três requisitos elencados: existência de norma infraconstitucional substitutiva, infração ao núcleo essencial do princípio da seletividade e integração ao conteúdo jurídico desse princípio.

3.3 A seletividade na energia elétrica

Sobre o tema cabe expor, inicialmente, o comentário de Machado Segundo38:

“Sem energia elétrica não há vendas, prestação de serviços ou produção. Não se vive, apenas se sobrevive, e mal. Enfim, no momento histórico atual não se pode em sã consciência questionar a essencialidade da energia elétrica, razão pela qual entendemos ofensivo à inteligência do leitor neste ponto nos alongamos”

Ocorre que a energia elétrica é clausula junto a outros bens de consumo suntuoso ou contraproducente à ordem ou à saúde pública, como por exemplo armas de fogo ou cigarros e bebidas no último caso. Quanto ao consumo de bens opulentos, lanchas esportivas e aviões particulares são bens que muitas vezes são encontrados

37“São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer

[...]” BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. 292 p.

38MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. A Tributação da Energia Elétrica e a Seletividade do ICMS.

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dividindo alíquota equivalente à da energia elétrica na legislação estadual de ICMS, conforme perscrutado no capítulo seguinte.

Contudo, a energia elétrica é um item imprescindível para o bom funcionamento da grande maioria dos estabelecimentos contemporâneos. Atende desde as necessidades mais básicas até os propósitos mais elaborados. E está tão presente na vida cotidiana que mal é possível afirmar o seu alcance, porque a maioria dos bens de alguma forma teve seu processamento vinculado à energia.

Continua Machado Segundo39 sobre o caráter basilar da energia elétrica na vida do século XXI:

“Neste fim de século, mesmo as famílias de baixíssima renda consomem energia elétrica em suas casas. Talvez apenas aqueles mais miseráveis, que nem teto possuem, não sejam consumidores. A maioria da população possui geladeira para conservar seus alimentos, um ferro elétrico para passar suas roupas, lâmpadas para iluminar a escuridão; bens sem os quais não se vive com dignidade. Sem energia não há vendas, prestação de serviços ou produção. Não se vive, apenas sobrevive, e mal”.

Justificativa para a inserção da energia elétrica dentre a alíquota mais alta só restaria correta no contexto de cem anos atrás, quando a eletricidade era uma invenção recente, e, desse modo, era comum o uso de óleo de baleia ou querosene para a iluminação pública por exemplo. A energia elétrica além de ser restrita a algumas cidades de influência, era também restrita às principais vias.

Hoje, é simples entender a dependência que se instalou na sociedade contemporânea quanto ao uso da energia elétrica. Para tanto é suficiente constatar o caos que ocorre em algum apagão de poucas horas, que deverá provocar a paralisação do trânsito em grandes cidades, o aumento dos índices de violência naquele dia, prejuízos na economia pelas horas não trabalhadas, bem como por algum dano a bens degradáveis ou ao tratamento médico-hospitalar de pacientes.

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Cabe, então, considerar também que a energia é insumo basilar em qualquer relação econômica, haja vista que o aumento de seu preço repercute criando um efeito cascata no custo de muito daquilo que se considera moderno, seja no funcionamento de trens e metros, seja na indústria de papel e celulose, serviços e bens estes, também, imprescindíveis à vida em sociedade.

Nesse sentido, dispõe a Procuradoria Geral da República quanto à discrepância entre as alíquotas da energia elétrica e dos demais produtos por meio de parecer anexo na folha 634 da ação do Recurso Extraordinário 607.25340:

“No caso, a alíquota do ICMS para prestação dos serviços ora mencionados não pode ser equiparada, por conta da essencialidade, às operações com refrigerantes, cigarro, charuto e similares, pois, sendo o fornecimento de energia elétrica e o serviço de comunicação aspectos da dignidade humana, a seletividade constitui medida obrigatória. Assim, a incidência da alíquota de 25% em tais serviços é desarrazoada quando comparada, por exemplo, àqueles incidentes nos serviços de transporte e de distribuição e comercialização de alimentos (12%).”

Por mais que não seja possível comparar a essencialidade da eletricidade com a essencialidade de itens consumíveis alimentares, os quais são imprescindíveis à provisão da sobrevivência humana, e, portanto, devem ser sujeitos à alíquota zero, a energia elétrica não é um bem suntuoso ou supérfluo tal qual a maior parte das legislações estaduais faz crer.

Cabe expor ainda que a energia elétrica é um item de ampla influência econômica, quer dizer, além de servir de insumo a outros bens, é importante frisar que apenas a energia elétrica é uma das maiores bases de arrecadação para os Estados-membros, o que agrava o desequilíbrio fiscal pela cobrança em desrespeito ao princípio da seletividade em razão da essencialidade.

40RIO DE JANEIRO. Supremo Tribunal Federal (Primeira Turma). Agravo Regimental no Recurso

Extraordinário. Art. 14, VI, “b”, da Lei nº 2.657/96, do Estado do Rio de Janeiro, com a nova redação dada pela Lei 4.683/2005, que fixa em 25% a alíquota máxima de ICMS sobre operações com energia elétrica. Agravo Regimental no Recurso Extraordinário n. 607.253. Relatora: Min. Rosa Weber em

03/12/2013. Disponível em:

(38)
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4 – REPETIÇÃO DE INDÉBITO

De acordo com o art. 165 do CTN41 é assegurado ao sujeito passivo o direito à restituição pelos valores pagos a maior ou indevidamente pagos:

“Art. 165. O Sujeito passivo tem direito, independentemente de prévio protesto, à restituição total ou parcial do tributo, seja qual for a modalidade do seu pagamento, ressalvado o disposto no § 4º do artigo 162, nos seguintes casos:

I – cobrança ou pagamento espontâneo de tributo indevido ou maior que o devido em face da legislação tributária aplicável, ou da natureza ou circunstâncias materiais do fato gerador efetivamente ocorrido;

II – erro na edificação do sujeito passivo, na determinação da alíquota aplicável, no cálculo do montante do débito ou na elaboração ou conferência de qualquer documento relativo ao pagamento;

III – reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória.”

Complementa o CTN no mesmo artigo que esse direito é exigível independente de prévio protesto. Se o revendedor final do produto praticou um preço inferior e, nessa situação, será, então, o valor total do imposto a ser recolhido sobre o preço do produto também menor haverá caso para a repetição de indébito. Quer dizer, o montante foi recolhido a maior na cobrança de um tributo indireto, tendo em vista o mecanismo da substituição tributária.

Em específico, sobre a restituição dos tributos indiretos, há o art. 16642 do CTN que enumera as condições para tanto:

Art. 166. A restituição de tributos que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro somente será feita a quem prove haver assumido o referido encargo, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este expressamente autorizado a recebê-la.

Constam nesse artigo duas hipóteses, uma em que a pessoa de direito que por lei deva pagar o imposto não tenha transferido o ônus financeiro para terceiro e uma em que, embora tenha transferido o encargo, o terceiro autorizou eventual ressarcimento por repetição de indébito

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4.1 – O que são tributos indiretos?

Conceito corrente é que são aqueles devidos juridicamente por uma pessoa X, entretanto o seu encargo financeiro é suportado por outra pessoa Y. Nomeiam-se estas pessoas de contribuinte de direito e de contribuinte de fato respectivamente.

Por meio dessa classificação subentende-se que eventual litígio tem como partes do processo o contribuinte de direito, que é o responsável juridicamente pelo imposto, e o Fisco. Por outro lado, o contribuinte de fato, tal qual o nome expressa é apenas sujeito de uma realidade, visto que o tributo incide sobre o contribuinte de direito e este vem a repassar o custo ao consumidor final, que é o sujeito de fato,

Em comentário ao aumento dos encargos suportados pelo consumidor, deve-se fazer digressão de que nem sempre o aumento de uma alíquota de imposto será repassado para o contribuinte de fato. Isso dependerá de fatores como a elasticidade do preço praticado a quem compra o bem e a elasticidade do preço com que um varejista recebe o produto. Por outro viés pode também ocorrer de uma parcela do ônus ser suportada pelo contribuinte de direito e outra pelo contribuinte de fato.

Tal dinâmica, vem a ocorrer tanto nos tributos indiretos, quanto nos tributos diretos, tendo como exemplo o IPTU, em que o aumento deste, acarreta que o proprietário venha a direcionar o imposto para o inquilino, ou, também, o imposto de renda, cite-se o imposto que incide por direito sobre os consultórios médicos, no entanto o preço é pago pelo cliente.

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Explica em minucias como se comporta essa elasticidade dos preços Baleeiro43:

“importa verificar se a procura do objeto tributado é rígida ou elástica. O comprador, embora esbravejando ou resmungando, resigna à aquisição das coisas de procura rígida, como os alimentos básicos, o vestuário essencial, os transportes imprescindíveis, medicamentos de extrema necessidade etc. Mas pode desistir da compra de coisas que não satisfazem necessidades imperiosas e cuja procura, portanto, é elástica, ou pode deslocar sua preferência para os sucedâneos de menor preço ou menos tributados. Muitas vezes, o consumidor de vinho, por exemplo, quando este encarece, passa a consumir o nacional em substituição ao estrangeiro, ou muda seu hábito para a cerveja”.

Em face do caráter nebuloso de adotar como distinção entre tributos indiretos e tributos diretos o repasse dos custos do imposto ao consumidor, o STJ vem adotando como conceito que tributos indiretos são aqueles que incidem sobre o consumo, numa operação que é praticada por duas pessoas de modo a impelir um bem ao mercado, e que permite a junção do imposto ao preço tabelado ao comprador final. Notável frisar que o STJ entende por tributos indiretos apenas o ICMS, o ISS e o IPI.

Por outro lado, aqueles impostos que aplicam-se sobre a renda e o patrimônio são tributos diretos. Por exemplo, o IR que incide diretamente sobre a pessoa de direito respectiva.

Por fim, distinção necessária é a de que enquanto o tributo indireto é aquele que por suas características intrínsecas seria típico de uma transferência no ônus financeiro de pagar tributo, a sujeição passiva indireta é uma técnica que está alicerçada em fazer incidir o imposto sobre pessoa outrem que aquela que arca com o real encargo econômico, de modo que pode se fazer presente tanto nos tributos indiretos quanto nos tributos diretos.

Portanto, a própria classificação sobre quais são os tributos indiretos e quais são os tributos diretos é objeto de controvérsia, de qualquer forma tenha-se por

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baliza o predicado de que são tributos indiretos o ICMS, o IPI e o ISS, no âmbito do entendimento do STJ.

4.2 – Quem detém legitimidade para propor ação de repetição de indébito?

Inicialmente, é necessário destacar que o instituto de repetição de indébito nos tributos indiretos nem sempre foi reconhecido como válido, em função de que deferir a repetição de indébito significaria permitir o enriquecimento sem causa do contribuinte de direito que requereu o estorno, e haveria um repasse do imposto, por meio do aumento do preço, para o contribuinte de fato.

Tal entendimento prosperou até que foi editada a Súmula 54644 do STF, que serviu de alicerce para o art. 166 do CTN, e cujo conteúdo dessa súmula é o seguinte:

“Cabe a restituição do tributo pago indevidamente, quando reconhecido por decisão, que o contribuinte de jure não recuperou do contribuinte de facto o quantum respectivo”.

Como a própria legislação vem classificando o contribuinte como de direito ou de fato, tornou-se imprescindível dirimir quanto ao que vem a ser tributo direto e tributo indireto, a fim de poder justificar a imposição de uma condição a mais ou não para o deferimento da repetição de indébito. Condição esta é a comprovação da não transferência dos encargos financeiros do tributo ao contribuinte de fato. O tópico anterior elucida alguns pontos sobre a matéria.

Uma vez que o preço pode modificar-se por inúmeros fatores, seja por exemplo um aumento nos custos da matéria prima, do aluguel, do salário dos empregados, muitas vezes a repetição de indébito resta inviabilizada por não ser possível comprovar se o imposto repercutiu ou não no preço.

Essa realidade significa que, embora uma lei seja considerada inconstitucional, não há o devido reflexo no âmbito de uma reparação pecuniária. Isso ocorre por exemplo em eventual declaração de inconstitucionalidade da cobrança de

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ICMS sobre a energia elétrica, em conformidade com boa parte da legislação estadual atual. Machado Segundo45 comenta essa limitação da efetividade normativa:

“[...]Essas razões fazem com que o indébito tributário, relativamente aos tais tributos (um tanto arbitrariamente) definidos como indiretos, dificilmente seja objeto de restituição. O art. 166 do CTN figura, aqui, como o instrumento de uma inconstitucionalidade eficaz: o tributo, conquanto cobrado com amparo em lei já declarada inconstitucional, não será objeto de restituição, o que significa dizer que, embora inconstitucional, os efeitos jurídicos oriundos da lei serão considerados válidos, não podendo ser desfeitos ou reparados pelo Poder Judiciário.”

Em consonância com esse entendimento, Bottallo46 comenta sobre a

incidência do Art. 166 do CTN sobre os tributos indiretos:

“Como poderia, por exemplo, uma empresa, contribuinte do imposto de importação, ou das contribuições patronais destinadas ao custeio da Previdência Social, saber quem arcou, e em que proporções, com ônus destes tributos que teve de pagar para desenvolver suas atividades comerciais, industriais ou de prestação de serviços? Quais seriam os registros ou assentamentos onde essas evidências estariam indicadas, com a precisão e o detalhamento necessário, se não há obrigação legal de fazê-lo? Por certo em nenhum.”

Além do que, não é razoável que o contribuinte seja encarregado da responsabilidade de, por meio de seus livros e assentamentos, fazer prova de que não transferiu o ônus financeiro do imposto, visto que esse argumento só é válido caso a legislação obrigue a manter tais registros.

Outra hipótese que pode permitir que o contribuinte de direito venha a requerer judicialmente a restituição é o pedido de permissões aos contribuintes de fato. Isso, entretanto, é muitas vezes moroso e por vezes impossível, tendo em vista o número de consumidores que adentram os estabelecimentos comerciais. Desse modo, como seria possível identificar todos aqueles que efetuaram compras ou ainda localizá-los para que forneçam a autorização?

45MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Repetição do Tributo Indireto: Incoerências e Contradições.

São Paulo, Malheiros, 2011, pg. 31

46 BOTTALLO, Eduardo Domingos. Repetição do Indébito Tributário e o Art. 166 do Código Tributário

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