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3 TÓPICOS SOBRE A COBRANÇA SELETIVA DE ICMS

3.3 A seletividade na energia elétrica

Sobre o tema cabe expor, inicialmente, o comentário de Machado Segundo38:

“Sem energia elétrica não há vendas, prestação de serviços ou produção. Não se vive, apenas se sobrevive, e mal. Enfim, no momento histórico atual não se pode em sã consciência questionar a essencialidade da energia elétrica, razão pela qual entendemos ofensivo à inteligência do leitor neste ponto nos alongamos”

Ocorre que a energia elétrica é clausula junto a outros bens de consumo suntuoso ou contraproducente à ordem ou à saúde pública, como por exemplo armas de fogo ou cigarros e bebidas no último caso. Quanto ao consumo de bens opulentos, lanchas esportivas e aviões particulares são bens que muitas vezes são encontrados

37“São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer [...]” BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. 292 p.

38MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. A Tributação da Energia Elétrica e a Seletividade do ICMS. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo: Dialética, nº 62, 2000, p. 74.

dividindo alíquota equivalente à da energia elétrica na legislação estadual de ICMS, conforme perscrutado no capítulo seguinte.

Contudo, a energia elétrica é um item imprescindível para o bom funcionamento da grande maioria dos estabelecimentos contemporâneos. Atende desde as necessidades mais básicas até os propósitos mais elaborados. E está tão presente na vida cotidiana que mal é possível afirmar o seu alcance, porque a maioria dos bens de alguma forma teve seu processamento vinculado à energia.

Continua Machado Segundo39 sobre o caráter basilar da energia elétrica na

vida do século XXI:

“Neste fim de século, mesmo as famílias de baixíssima renda consomem energia elétrica em suas casas. Talvez apenas aqueles mais miseráveis, que nem teto possuem, não sejam consumidores. A maioria da população possui geladeira para conservar seus alimentos, um ferro elétrico para passar suas roupas, lâmpadas para iluminar a escuridão; bens sem os quais não se vive com dignidade. Sem energia não há vendas, prestação de serviços ou produção. Não se vive, apenas sobrevive, e mal”.

Justificativa para a inserção da energia elétrica dentre a alíquota mais alta só restaria correta no contexto de cem anos atrás, quando a eletricidade era uma invenção recente, e, desse modo, era comum o uso de óleo de baleia ou querosene para a iluminação pública por exemplo. A energia elétrica além de ser restrita a algumas cidades de influência, era também restrita às principais vias.

Hoje, é simples entender a dependência que se instalou na sociedade contemporânea quanto ao uso da energia elétrica. Para tanto é suficiente constatar o caos que ocorre em algum apagão de poucas horas, que deverá provocar a paralisação do trânsito em grandes cidades, o aumento dos índices de violência naquele dia, prejuízos na economia pelas horas não trabalhadas, bem como por algum dano a bens degradáveis ou ao tratamento médico-hospitalar de pacientes.

39MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. A Tributação da Energia Elétrica e a Seletividade do ICMS.

Cabe, então, considerar também que a energia é insumo basilar em qualquer relação econômica, haja vista que o aumento de seu preço repercute criando um efeito cascata no custo de muito daquilo que se considera moderno, seja no funcionamento de trens e metros, seja na indústria de papel e celulose, serviços e bens estes, também, imprescindíveis à vida em sociedade.

Nesse sentido, dispõe a Procuradoria Geral da República quanto à discrepância entre as alíquotas da energia elétrica e dos demais produtos por meio de parecer anexo na folha 634 da ação do Recurso Extraordinário 607.25340:

“No caso, a alíquota do ICMS para prestação dos serviços ora mencionados não pode ser equiparada, por conta da essencialidade, às operações com refrigerantes, cigarro, charuto e similares, pois, sendo o fornecimento de energia elétrica e o serviço de comunicação aspectos da dignidade humana, a seletividade constitui medida obrigatória. Assim, a incidência da alíquota de 25% em tais serviços é desarrazoada quando comparada, por exemplo, àqueles incidentes nos serviços de transporte e de distribuição e comercialização de alimentos (12%).”

Por mais que não seja possível comparar a essencialidade da eletricidade com a essencialidade de itens consumíveis alimentares, os quais são imprescindíveis à provisão da sobrevivência humana, e, portanto, devem ser sujeitos à alíquota zero, a energia elétrica não é um bem suntuoso ou supérfluo tal qual a maior parte das legislações estaduais faz crer.

Cabe expor ainda que a energia elétrica é um item de ampla influência econômica, quer dizer, além de servir de insumo a outros bens, é importante frisar que apenas a energia elétrica é uma das maiores bases de arrecadação para os Estados- membros, o que agrava o desequilíbrio fiscal pela cobrança em desrespeito ao princípio da seletividade em razão da essencialidade.

40RIO DE JANEIRO. Supremo Tribunal Federal (Primeira Turma). Agravo Regimental no Recurso Extraordinário. Art. 14, VI, “b”, da Lei nº 2.657/96, do Estado do Rio de Janeiro, com a nova redação dada pela Lei 4.683/2005, que fixa em 25% a alíquota máxima de ICMS sobre operações com energia elétrica. Agravo Regimental no Recurso Extraordinário n. 607.253. Relatora: Min. Rosa Weber em

03/12/2013. Disponível em:

http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=3812566 . Acesso em: 01/06/2016

Desse modo, não há motivo hoje para considerar a energia elétrica um bem de consumo suntuoso ou supérfluo, em comparação a cigarros, bebidas e lanchas esportivas. O legislador estadual comete infração crassa ao princípio da seletividade, prejudicando uma quantidade incalculável não só de clientes diretos como também de clientes indiretos.

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