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Aplicação das penalidades previstas contra o abuso de direito processual

4. F ORMAS DE COMBATE À DILAÇÃO INDEVIDA

4.2. Combate jurídico processual

4.2.4. Aplicação das penalidades previstas contra o abuso de direito processual

O sistema de direito processual tem de possibilitar a ampla defesa e o contraditório, o que é feito através de previsão de oportunidade para que a parte se manifeste a respeito de todos os atos e alegações relevantes que há no processo, inclusive podendo criar incidentes de impugnação, se assim lhe parecer adequado.

Todos os meios processuais colocados à disposição das partes são direitos seus. Contudo, o processo não se desenvolve apenas no interesse das partes. Estas apenas provocam e delimitam a jurisdição, mas a partir daí o processo caminha por impulso oficial e comprometido com o interesse público de aplicar corretamente a lei, ao lado do interesse particular de dar resposta às partes.

Assim, aos litigantes não é dado fazer uso de seus direitos processuais (de requerer provas, de provocar incidentes, de recorrer, etc.) para atingir finalidade diversa da correta aplicação do direito material. O uso do processo com o intuito de pressionar a parte adversa ou de obter qualquer vantagem não reconhecida pelo direito constitui abuso de direito processual, para alguns chamada improbidade processual112. Aí se incluem a litigância de má-fé, a deslealdade processual e os atos atentatórios à dignidade da justiça, que são repreendidos com multa e/ou a antecipação da tutela, a depender co caso.

Já está pacificado o entendimento de que o acesso à justiça deve ser considerado como direito de ingressar em juízo e de sair dele com alguma resposta. Assim, a morosidade dos processos serve como um entrave ao efetivo acesso à justiça, na medida em que desencoraja os

112 MILMAN, Fabio. Improbidade processual: comportamento das partes e de seus procuradores no processo civil.

necessitados, e quase nega, ou ao menos enfraquece bastante, o direito de os genuínos litigantes obterem o pronunciamento jurisdicional.

A prática de atos procrastinatórios, desleais e atentatórios à dignidade da justiça, e o pensamento (às vezes inconsciente) dos juízes no sentido de que as penalidades processuais devem ser excepcionais113 propiciam uma prática lamentável, que é o uso do Judiciário como mero instrumento de ameaça (não se apela a ele como último recurso, mas como meio de obter acordos, ou de transformar o próprio processo – que é meio – em satisfação, em imposição de sacrifício e pena para o adversário114), ou de desincumbência de ônus (a Fazenda e outros entes públicos, para não fugir ao “dever funcional” de defender o direito “público”, ajuízam ações nati- mortas ou contestam ferrenhamente ações que jamais vencerão), ou de adiamento útil do inevitável (contratação de advogados com o único intuito de “empurrar” o processo até quando o direito o permitir – essa prática não pode ser evitada por meio de uma reforma legislativa porque: tal reforma é utopia. Sempre vai haver uma maneira de protelar; e mesmo que fosse possível tapar qualquer brecha, isso só seria possível suprimindo ou mitigando severamente os princípios do contraditório, da ampla defesa, do devido processo legal, o que prejudicaria as partes de boa fé. Seria o justo pagando pelo pecador, e nosso sistema é inspirado pelo princípio da presunção da inocência e da boa fé. A malícia de muitos não pode justificar a supressão de direitos de outros).

Além disso tudo, o ser humano, mesmo quando de boa-fé, não se conforma com a derrota. Tem um anseio de que se lhe dêem razão, e por isso, quando as leis suprimem algum recurso, o homem busca outra saída, certamente mais demorada que o recurso suprimido, uma vez que o “atalho” não foi criado com tal finalidade. É a natureza humana (inconformismo

113 Os juizes se esquecem de que a imposição das penalidades processuais é um de seus deveres funcionais, contidos no art. 125 do CPC. Com isso não se quer dizer que as multas devam ser aplicadas desfundamentadamente. O fato de que as penalidades devem ser excepcionais deve inspirar apenas o legislador, e um pouco o intérprete, quando lhe sobrar margem para tanto. Mas depois de prevista a norma sancionadora, a imposição da pena se fará cabida tantas vezes quantas o fato punível ocorra. Se ocorre raramente, o que é o ideal, a penalização será excepcional. Mas se não, não. A excepcionalidade é meramente fática, isto é, vai depender da efetividade das normas impositivas dos deveres. Mas se a infração se torna regra, regra também terá de ser a penalização, uma vez que é mera aplicação de gravame que, pela incidência, já se impôs.

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“Vale dizer, em algumas ocasiões, uma das partes processuais, com vistas a evitar a solução tardia do litígio aceita barganhar seus interesses, para tão somente evitar o ônus da demora imposta pelo pronunciamento do Judiciário. (...) Todavia, no sentido inverso, observamos que, em alguns casos, a morosidade processual também beneficia o devedor que encontra na lentidão do processo a sua muleta para alicerçar pretensões beligerantes no sentido de não cumprir com suas obrigações.” SILVA, Ivan de Oliveira. A morosidade processual e a responsabilidade civil do Estado, pp. 33-34.

sempre, e má fé às vezes), mais que o fator material, humano (juízes e servidores) e legislativo, a grande causa da morosidade processual. O inconformismo teria origem no senso de justiça, muito forte nos homens. O problema é que o senso de justiça é relativo, mais ainda quando se está diretamente envolvido no problema, cada qual com seu ponto de vista e às voltas com seu contexto. Assim, todos têm sede de Justiça, mas da sua Justiça. E quando ela não se faz, não se admite a imposição fria da inação e do silêncio.

Contra o abuso de direito processual, o que deve ser feito é a efetiva aplicação das várias penalidades já previstas no Código de Processo Civil. O papel do magistrado é de suma importância, devendo, mais uma vez, ser a peça chave na duração razoável processo, indo além do seu dever de proferir decisões e sentenças em tempo hábil, mas em dirigir o processo inspirado nos ideais da efetividade da justiça e da repressão às práticas que os contrariem, buscando desde o início identificar os vícios processuais (para determinar a correção dos que são sanáveis ou a extinção do feito, quando impossível o saneamento), indeferir os atos protelatórios ou descabidos, julgar a matéria assim que a causa se ache madura.

4.2.5. Responsabilização do Estado pelos danos advindos da má prestação do serviço