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3. R EFLEXOS IMEDIATOS DA CONSTITUCIONALIZAÇÃO EXPLÍCITA DO DIREITO À DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO

3.1. N A LEGISLAÇÃO PROCESSUAL CIVIL

3.1.1. A LTERAÇÕES QUE PODERIAM ( OU NÃO ) TER SIDO FEITAS

3.1.1.2. E XTINÇÃO DO DUPLO GRAU OBRIGATÓRIO

Esse expediente aumenta a duração dos processos em muito mais do que 45 (quarenta em cinco dias), que seria o aumento decorrente da quadruplicação do prazo para resposta do réu de direito público. Acrescenta nova fase processual, que inclui a remessa dos autos para órgão de segunda instância, nova distribuição, novo julgamento e devolução dos autos.

Esse ponto já é suficiente para uma análise mais apurada da questão. Isto porque, quando um expediente aumenta sutilmente a duração do processo, como no caso dos prazos privilegiados, não precisa haver motivo muito robusto para legitimar a espera, basta que a justificativa seja mais relevante do que o tempo acrescentado; mas se o tempo é significativo (e no caso do reexame necessário além de se aumentar o tempo do processo, aumenta-se o volume

discriminações, contudo, que, além da vetustez que lhes dá uma certa aura de respeitabilidade, se tem reputado constitucionais porque não arbitrários, na medida em que visem a compensar deficiências da defesa em juízo das entidades estatais (...). Se, ao contrário, desafiam a medida da razoabilidade ou da proporcionalidade, caracterizam privilégios inconstitucionais.” (ADIn 1753 e ADIn 1910-1, que reproduziu literalmente as razões expostas na primeira)

Determinou-se a suspensão cautelar das modificações implantadas pelas Medidas Provisórias, não por encontrar inconstitucionalidade da diferenciação de prazos em si (que aliás não foi objeto das ADIn’s), mas por entender ausentes a relevância e a urgência, além de não haver justificativa para o privilégio em relação ao prazo de propositura de ação. Nessa parte os julgamentos foram unânimes, tendo sido suspensas também as alterações relativas às hipóteses de rescisão, nesse ponto apenas por maioria.

de trabalho – pois nesse tempo extra há atos judiciais a serem praticados na primeira e na segunda instâncias –, o que atrasa os demais processos em que não haja a necessidade do reexame), só será razoável esperá-lo se houver motivo muito forte para isso. E, ao que parece, não há.

É certa a relevância do interesse público, que se sobrepõe ao particular. Mas já existem as presunções, a ausência dos efeitos da revelia, em alguns casos a inversão do ônus da prova (quanto à certeza liquidez e exigibilidade dos créditos representados por Certidões de Dívida Ativa, por exemplo), a intimação pessoal, o prazo em quádruplo para contestar e em dobro para recorrer (cf. item 3.1.1), entre outras prerrogativas. Isso já é suficiente para garantir razoavelmente a preservação dos interesses públicos. As causas que envolvem interesse de incapaz, apesar de ser matéria de ordem pública, não se sujeitam ao duplo grau obrigatório.

Com a aplicação dessas regras, as partes se encontram em condições de igualdade, consideradas suas peculiaridades. A partir daí, o processo deve seguir seu curso impulsionado por um Judiciário impessoal. Devidamente instruídos os autos, presume-se que os juízes são habilitados para decidir a causa com bom senso, atenção e acerto técnico. A falibilidade humana não deixa as partes (nenhuma delas) livres de uma decisão equivocada. Mas a aceitação da possibilidade de erro no primeiro julgamento já leva a um meio de reparo, que é a previsão de recurso. O direito de recorrer descansa no pressuposto de que o juiz pode eventualmente falhar, o que é bastante razoável, mas não do pressuposto de que ele vai necessária ou majoritariamente falhar, o que não corresponde à idéia que se tem dos órgãos públicos, cujos atos se presumem perfeitos. Aliás, apenas para ilustrar o equívoco que se comete ao tomar o duplo grau obrigatório como indispensável à boa proteção do interesse público, cabe comentar pesquisa realizada por Renato Vasconcelos Maia95, no âmbito do Tribunal de Justiça de Pernambuco. Foi apurado que, no ano de 2004, as Câmaras Cíveis (às quais a pesquisa se restringiu) daquele Tribunal receberam 302 (trezentos e dois) processos exclusivamente em virtude da remessa obrigatória (isto é, desconsiderando-se as causas sujeitas ao duplo grau obrigatório em que a parte sucumbente tenha voluntariamente manejado o recurso próprio). O número pequeno de remessas revela que os entes públicos não dependem tanto desse remédio, valendo-se diretamente da apelação. Ainda, foi constatado que no mesmo ano, de 2004, foram julgadas 259 (duzentas e cinqüenta e nove) remessas oficiais ditas “puras” (sem que houvesse concomitantemente apelação) pelo TJPE,

95 Inconstitucionalidade do reexame necessário face aos princípios da isonomia e da celeridade processual, pp. 259-288.

sendo pouco mais de 75% (setenta e cinco por cento) delas improvidas ou não conhecidas. Dos poucos casos em que a sentença foi reformada (num total de 64 – sessenta e quatro), a maioria (precisamente 49 – quarenta e nove) dizia respeito à extinção de execução fiscal em função do reconhecimento, de ofício, da prescrição intercorrente. Ou seja: na maior parte dos casos em que o ente público sucumbiu, sua procuradoria tratou de recorrer; nos casos em que não houve a interposição de recurso, ou se verificou o acerto da decisão de primeiro grau, ou esta foi modificada em razão de matéria não pacífica na jurisprudência, o que não pode ser apontado como erro do julgamento original. Os casos em que a sentença evidentemente merecia reproche, e que o sucumbente não tenha recorrido, foram irrisórios.

Os argumentos expostos demonstram que a remessa “necessária” só o é por força de lei, e não por um imperativo lógico ou de justiça. Em verdade, ela é obrigatória, e não necessária, pois não se apresenta como a única alternativa de assegurar os interesses públicos (que se valem das presunções, preclusões, imunidade aos efeitos da revelia e, finalmente, da possibilidade de recorrer livre de preparo, privilégio de prazos, entre outros).

O reexame dos julgados que prejudiquem o Estado causa, sem dúvida, uma dilação até o fim do processo (e mora do serviço jurisdicional como um todo). E essa dilação, pelo que se explicou, não é essencial ou necessária à boa prestação da tutela jurisdicional, mesmo que se considere que há interesse público em causa. Assim, a previsão legal constante do art. 475 do CPC é inconstitucional, por contrariar direito fundamental à duração razoável do processo.

3.2. NA JURISPRUDÊNCIA