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2. D IREITO FUNDAMENTAL À DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO

2.2. Da previsão estatal e supra-estatal anterior à Emenda Constitucional nº 45/2004 ao reconhecimento constitucional expresso

2.2.1. Direito a um processo sem dilações indevidas:

2.2.1.1. A conclusão rápida dos processos como garantia de suportabilidade da proibição da autotutela

Ao enxergar o processo como um artifício que se interpôs entre o homem e a satisfação de seus direitos por meio de ação direta de direito material, é forçoso concluir que cada instante despendido até o pronunciamento final do Estado é contrário à ordem natural das coisas, pois trata de afastar o homem da satisfação de seus interesses. Assim, o aspecto substitutivo da jurisdição45 impõe que a mesma seja prestada sem dilações indevidas.

A condução e encerramento dos processos estatais é atividade do serviço público. Por esta razão se submete aos princípios constitucionais da legalidade, moralidade, publicidade, impessoalidade e eficiência, como dito no item 1.3. A eficiência é justificada pelo fato de serem as atividades públicas direcionadas à realização de atos que os particulares não podem praticar em nome próprio ou até poderiam, mas que o Estado proibiu, visando fiscalizar tais práticas, lhes

42 A todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantem a celeridade de sua tramitação.

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“Aquí cabe tan sólo señalar que se trata de una teoría jurídica, es decir, de una teoría jurídica general sobre los derechos fundamentales de la Ley Fundamental.” p. 25.

44 “Direitos fundamentais valem perante o Estado, e não pelo acidente da regra constitucional. São concepções estatais dentro das raias que aos Estados permite o direito das gentes. (...) Cumpre, porém, observar-se que as Constituições, às vezes, fazem fundamental o que não é (ou ainda não é) supra-estatal; daí a possibilidade de direitos fundamentais não supra-estatais”. Comentários à Constituição de 1967 com a emenda nº 1 de 1969, tomo IV, pp. 621 e 622.

45 O mesmo se aplica ao processo administrativo. É que processo, seja ele jurisdicional (contencioso ou voluntário), administrativo ou legislativo é uma limitação imposta pelo Estado, que deixa de reconhecer como legítima a ação material da pessoa interessada em satisfazer algum direito, impondo que o direito somente seja buscado mediatamente, e através do caminho próprio previsto em lei.

retirar qualquer motivo arbitrário e ponderar sua conveniência diante do bem comum. Dito de outra maneira, a imposição de processos em lugar da auto-atuação só pode ser aceita como legítima na medida em que as pessoas percebam que a satisfação de seus interesses próprios constitui uma das finalidades dos processos, ao lado da finalidade pública ou geral de assegurar as escolhas democráticas.

Um Estado que suprime a liberdade das pessoas agirem diretamente na busca seus interesses (impondo o requerimento de autorização, de licença, o pedido administrativo de revisão de algum benefício ou gravame, o manejo de ação judicial, etc.) tem de prometer que o obstáculo que interpõe à satisfação (o processo) será o menos incômodo possível. A eficiência da atuação estatal consiste justamente em atingir as finalidades públicas dos processos sem sacrifício dos interesses particulares dos envolvidos. Assim as pessoas devem ter sua liberdade restringida em razão do bem comum, e somente na medida em que isso seja necessário. Quando a atuação estatal passa a ser ineficiente, os particulares vêem seus interesses prejudicados sem necessidade, e isso torna arbitrária a interferência do Estado em suas vidas.

Eis a importância, para a legitimidade da atuação estatal, do processo sem dilações indevidas. Sem o respeito a essa garantia, as pessoas podem descrer nas vantagens do sistema jurídico.

A tutela jurisdicional eficiente é aquela livre de dilações indevidas, mas que também termina por assegurar a efetividade da tutela jurídica. Ou seja, além de não tolerar paradas imotivadas no curso do processo e práticas processuais desnecessárias, a prestação jurisdicional tem de ser útil, o que por vezes requer a antecipação de atos ou a prática de medidas cautelares. Há de se ter em vista que tutela é proteção. E um direito que perdeu a utilidade, ou que ficou reduzido, é direito lesado, quando não aniquilado, e que atesta ter sido exposto, em lugar de protegido.

Essa é face do direito à duração razoável do processo que se identifica com a celeridade.

2.2.1.2. A conclusão dos processos em tempo útil como garantia da efetividade da tutela jurídica

Os direitos materiais, normalmente, devem ser atendidos dentro de certo prazo, após o qual incorre o devedor em mora, e às vezes até perece o direito, sendo substituído pela

indenização correspondente. Pode-se ilustrar essa hipótese com um crédito de alimentos. Se o alimentando sobreviveu a determinado período, a despeito da inadimplência do devedor, não há mais que se falar propriamente no direito de alimentos relativo ao período pretérito, mas em um novo direito, decorrente da infração ao primeiro, que é o direito de indenização pelos alimentos não prestados em tempo. A conduta desejável pelo Direito não ocorreu espontaneamente e nem poderá ocorrer coativamente. O que se pode buscar é uma conduta substitutiva, que cuide de restaurar o equilíbrio da relação jurídica abalada. O direito infringido não será jamais respeitado, apenas reparado, indenizado.

Quando alguém obtém o reconhecimento de que é titular de um direito, mas não consegue ver esse direito respeitado, pode-se dizer que a tutela jurídica existe, mas se tornou inefetiva, porque sua finalidade própria não foi atingida. A reparação do direito infringido é apenas um consolo, um desagravo.

O mesmo pode ocorrer com o direito à tutela jurisdicional. Sempre que um processo chega ao fim, seja com decisão de mérito, seja sem ela, terá havido a prestação da tutela jurisdicional. Mas isso não significa que a tutela (jurisdicional) tenha sido efetiva, que tenha atingido plenamente suas finalidades. Um pronunciamento jurisdicional validamente formado (precedido de todos os atos assegurados em lei, emanado da autoridade competente e imparcial) e de conteúdo jurídico exato deixará de atender o escopo social do processo, de pôr fim à insatisfação das partes, caso a decisão não seja hábil a efetivar a tutela jurídica objeto da pretensão jurisdicional.

Terá sido entregue a tutela jurisdicional, em respeito ao direito de inafastabilidade da apreciação judicial, mas essa tutela não terá sido efetiva, porque não foi capaz de tornar concreta a proteção que o direito previu abstratamente ao bem jurídico perseguido em juízo.

2.2.2. Direito a um processo com dilações devidas: o devido processo legal como garantia