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Aplicação do princípio da inadmissibilidade da prova ilícita sob o viés da

O princípio da proporcionalidade estabelece que não se pode considerar que exista uma colisão entre direitos e garantias fundamentais. Assim, nos casos em que evidenciada alguma contradição, estabelece-se uma ferramenta de harmonização, que faz prevalecer o princípio de maior relevância social ao princípio de menor importância (CAPEZ, 2012).

Rangel (RANGEL, 2012, p. 466, dgrifo do autor), de forma objetiva, ensina que “desenvolveu-se a teoria da proporcionalidade, também chamada de razoabilidade na doutrina americana, significando a colocação, em uma balança, dos bens jurídicos que estão contrastando-se e verificar qual tem o peso maior.”

No entendimento de Bonfim (2012), o princípio da proporcionalidade implica um método hermenêutico para a solução de conflitos de princípios, por meio do qual é possível saber qual desses princípios prevalece perante o outro. Assim, argumenta-se que o princípio da proporcionalidade é um princípio hermenêutico, ou seja, uma forma de interpretação jurídica aplicada sempre que houver a limitação a direitos fundamentais. Sobre sua diversificada aplicação no processo penal, Bonfim (2012, p. 101) leciona que:

Como o processo penal constantemente necessita contrabalançar valores e princípios que rotineiramente se opõem (ex.: o direito à liberdade do indivíduo e o dever do Estado de punir o culpado), o princípio da proporcionalidade tem grande e variada aplicação no processo penal, ainda que parte da doutrina e da jurisprudência resistam em aceitá-lo. Hoje, decisivamente, é francamente empregado nos países mais avançados da Europa e adotado largamente nas decisões prolatadas pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. No Brasil, ainda que muitas vezes não obedeça a uma harmonia de método, confundindo-se inclusive com o “princípio da razoabilidade”, o STF o reconheceu em variadas oportunidades.

Capez (2012), por sua vez, refere-se ao princípio da proporcionalidade como o princípio do equilíbrio entre os valores contrastantes, uma vez que, em relação ao tema em tela, a admissão de uma prova ilícita em situação grave relaciona-se com a ruptura de um preceito amplo para fins de resolução de uma demanda excepcional. A referida teoria

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desenvolve a noção de relatividade da vedação das provas ilícitas, que será admitida por meio da aplicação da proporcionalidade quando um direito fundamental ou de maior valor estiver em pauta.

No entender de Lopes Jr. (2012, p. 595), os adeptos da corrente da proporcionalidade defendem a ideia de que a prova ilícita deverá ser admitida no processo penal na medida em que considerada significante para o interesse público, que deve ser tutelado e conservado. O autor ressalta que essa admissibilidade deve ocorrer em casos graves, ou seja, “quando a obtenção e a admissão forem consideradas a única forma possível e razoável para proteger a outros valores fundamentais.”

A imprescindibilidade da criação do princípio em comento é tratada por Soares (2011), dizendo que seu surgimento ocorreu para evitar posicionamentos absolutos, que destacasse um Estado que não aceita a possibilidade de exceções. Tratado como corrente intermediária, o princípio da proporcionalidade defende a posição de que nenhum direito tem valor absoluto ou supremo, de forma que afaste totalmente garantia de mesmo valor, caso em que ambas deverão ser sopesadas.

Segundo Branco (2006, p. 136 apud CAPEZ, 2012), o princípio da proporcionalidade demanda três peculiaridades, sendo a primeira delas a adequação – isso é, a forma empregada na atuação deve ser harmônica com a finalidade –, a segunda, a exigibilidade – ou seja, a prática deve ser fundamental, não existindo outra forma menos grave para atingir a finalidade pública –, e a terceira, a proporcionalidade em sentido estrito, nos casos em que os ganhos sejam mais significantes que as perdas.

No mesmo sentido, porém tratando as mencionadas qualidades como subprincípios, verifica-se o entendimento de Silva (2010, p. 17):

O princípio da proporcionalidade desdobra-se em três subprincípios: o da necessidade ou exigibilidade, o da adequação e o da proporcionalidade em sentido estrito. O meio a ser empregado será necessário quando não houver outro menos lesivos a direitos fundamentais. Será adequado quando com seu auxílio é possível a obtenção do resultado almejado. Por fim, com a ponderação dos valores em confronto e havendo adequação e exigibilidade dos meios a serem empregados, será possível o sacrifício de um direito ou garantia constitucional em prol de outro de igual ou superior valia.

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Nesse bojo, Bonfim (2012) esclarece que o magistrado deve valorar os princípios constitucionais conforme a hierarquia desses. Após essa análise, verificado que ambos possuem a mesma valia, o juiz deverá utilizar-se do princípio da proporcionalidade como forma de resolução do conflito, o qual possibilitará o exame dos bens em apreço e a definição do valor de cada um desses bens, devendo, após a verificação acerca dos subprincípios de adequação e necessidade, decidir qual dos valores prevalecerá, decisão essa que corresponde à aplicação do subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito.

De qualquer maneira, o que importa destacar é que o princípio da proporcionalidade diz respeito às normas consagradas na Constituição Federal, bem como que determinados direitos e garantias evidenciam maior relevância que outros. Conforme exemplifica Silva (2010), a vida é o direito mais significante ao nosso ordenamento jurídico, mas, apesar disso, pode vir a ser afastado nos casos estabelecidos pela lei, o que ocorre no caso da legítima defesa. Assim, não se pode negar que, em determinados casos, direitos e garantias serão sacrificados por outros de importância superior ou igual, pois a relativização existente na significância deles é inegável.

Parte da doutrina, todavia, entende que a temática da proporcionalidade levanta o entendimento de que a conduta do acusado deve ser considerada como causa de exclusão da ilicitude. Dessa forma, o acusado que realiza uma interceptação telefônica ilegal para provar no processo a sua inocência deve ser considerando em estado de necessidade. Nesse sentido, Rangel (2012) defende a teoria da exclusão da ilicitude, idealizada por Afrânio Silva Jardim, importante processualista brasileiro, a qual prevê que o ato praticado pelo acusado é tutelado pelo ordenamento penal, o que impede que seja considerado como ilícito, uma vez que, para provar a sua inocência, o acusado estaria amparado pelo Direito.

Praticamente unânime, entretanto, é a doutrina garantista, que aceita a aplicação do princípio da proporcionalidade somente nos casos em que a prova favorecer o acusado. Nessa hipótese, Duclerc (2006, p. 298, grifo do autor) afirma que não ocorre a banalização dos direitos e garantias consagrados na Constituição Federal, uma vez que

nesses casos prevalecerão, sobre qualquer outro valor, a liberdade e a dignidade da pessoa humana. Outrossim, o próprio órgão estatal da persecução penal terá interesse na absolvição do acusado para evitar, assim, a impunidade do verdadeiro culpado.

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Nos termos de Duclerc (2006, p. 297, grifo do autor), o princípio da proporcionalidade é, porém, muitas vezes distorcido:

O que percebemos, todavia, é que por trás desse raciocínio existe uma tentativa equivocada e falaciosa de distorcer o próprio conteúdo do princípio da proporcionalidade, uma verdadeira porta larga, segundo a lição de Gomes Filho (1997), para a banalização dos direitos e garantias individuais, e um atentado à própria presunção de inocência, já que, para proceder à comparação dos interesses em conflito, o juiz fará, necessariamente, um prejulgamento (condenatório) sobre o fato atribuído ao acusado. Para dizer, por exemplo, que está em jogo a vida e a intimidade, no exemplo dado acima, tem que estar já convencido de que houve o homicídio, e o acusado foi o seu autor.

Em nosso ordenamento jurídico, nenhum direito ou garantia pode ser considerado absoluto. Dessa forma, não há dúvidas de que o Estado deverá sacrificar um direito de igual ou maior significância em benefício de outro, considerando que todos esses são relativos. Porém, há que se dispender especial cuidado na aplicação do princípio da proporcionalidade, evitando-se que seja empregado de forma objetiva para a admissão de uma prova ilícita, o que deverá ocorrer somente em situações extraordinárias, em que não exista a possibilidade de utilização de outras provas, após a valoração das importâncias em colisão (SILVA, 2010).

Nesses casos, portanto, deve-se estabelecer uma harmonia que solucione eventual colisão, de modo que o direito de maior importância prepondere em relação ao direito de menor relevância, caracterizando, assim, a aplicação da teoria da proporcionalidade. Capez (2012, p. 368) complementa:

Um exemplo em que seria possível a aplicação desse princípio é o de uma pessoa acusada injustamente, que tenha na interceptação telefônica ilegal o único meio de demonstrar a sua inocência. No dilema entre não se admitir a prova ilícita e privar alguém de sua liberdade injustamente, por certo o sistema se harmonizaria no sentido de excepcionar a vedação da prova, para permitir a absolvição.

No que se refere à prova obtida de forma ilícita, sua aceitação no processo penal dependerá dessa harmonização, realizada com a aplicabilidade da proporcionalidade nos casos em que o acusado for favorecido, o que é aceito tanto pela jurisprudência quanto pela doutrina. Justifica-se tal admissibilidade pela prioridade vinculada ao direito à defesa, o

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mesmo não ocorrendo, segundo Soares (2011), em relação à supressão de outras normas pertinentes à exclusão de provas penais, conforme o interesse de proteção ao cidadão.

Rangel (2012) também menciona essa questão aduzindo que a condenação do acusado seria absurda nos casos em que o acusado tem provas que comprovem sua inocência, mas não pôde utilizá-las em razão da forma como foram arrecadadas.

Imagine-se a situação questionada por Capez (2012), na qual o Estado se depara com uma organização criminosa que teve seu sigilo telefônico quebrado, por meio do que foi descoberta uma empreitada ilegal. Nesse caso, questiona o professor, o que acarretaria em benefício para os cidadãos: o desbaratamento do mencionado grupo ou a proteção ao seu direito de intimidade? Tratando essa questão como delicada, o autor assevera que, no momento em que a colisão entre os direitos e garantias individuais ocorrer diante da proteção do sigilo e o direito à vida, à segurança, ao patrimônio – direitos todos tutelados pela Constituição Federal –, o magistrado deverá equilibrar os valores envolvidos no processo.

Por outro lado, Capez (2012) observa que não existem complicações para o favorecimento do acusado no que tange à aceitação da prova ilícita, uma vez que a proibição dessa não deve possibilitar condenações injustas. Assim, afirma que, se a prova proibida for a única forma de provar que o acusado é inocente, de modo que a sua liberdade não seja obstruída, tal prova deverá ser aceita, pois essa situação se aproxima do Estado Democrático de Direito e da garantia da dignidade do ser humano.

Veja-se a situação exemplificada por Pedroso (2005), na qual o acusado possui um diário íntimo em que escreve todos os fatos importantes de sua vida. Suponha-se que o referido diário seja subtraído pela polícia, ou apreendido em razão de ato de busca e apreensão ilegal, e juntado como prova nos autos do processo. Imagine-se que na data em que o crime foi praticado haja anotações no diário que se referem ao crime denunciado, que é negado pelo acusado em juízo.

No contexto, vindo o exame grafotécnico a confirmar que a grafia existente no diário pertence ao acusado, que admite ser dono do objeto, Capez (2012) questiona se a prova deveria ser considerada como inadmissível por ter sido obtida de forma ilícita, devendo o acusado ser absolvido. Entretanto, responde-se tal questionamento em sentido contrário,

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aduzindo-se que, nesse caso, o réu deve ser condenado. Isso porque a prova ilícita evidencia a verdade real, o que não altera o fato de que a autoridade policial que obteve o diário de forma ilícita deva ser responsabilizada por esse delito (PEDROSO, 2005).

Assim, se a prova ilícita trouxer à tona a verdade real do crime em apreço, ela deverá ser aceita,

havendo que se instaurar, entretanto, contra aqueles que a obtiveram ilicitamente, a devida persecutio criminis, diante da infração de disposições penas e pela violação dos direitos do réu. É a aplicação da doutrina do male captum, bene retentum. (PEDROSO, 2005, p. 176, grifo do autor).

No entender de Duclerc (2006), parte da doutrina e jurisprudência tem retirado da verdade da prova conclusões perigosas, e afirma que, na ponderação dos interesses em colisão para que se possa optar entre a busca da verdade e a defesa das garantias individuais, há casos em que o sacrifício de uma garantia individual em favor do bem social mais relevante far-se- ia mais conveniente.

Um exemplo disso, segundo o autor, seria a existência de uma prova ilícita referente a um crime de furto, oportunidade em que se estaria diante da garantia à intimidade e do direito ao patrimônio, devendo prevalecer, nessa situação, a proteção à intimidade. Por outro lado, ocorrendo um homicídio, haveria que prevalecer o interesse social, que protege o direito à vida, devendo a prova ilícita ser admitida no processo, uma vez que a proteção da vida é mais relevante que a garantia da intimidade.

Outrossim, autorizada está a pessoa que grava conversa de outras pessoas, sem consentimento judicial, porém para comprovar a sua inocência. Em que pese ilícita por constranger o direito à intimidade, a prova poderá ser utilizada no processo, o mesmo não ocorrendo se a mesma prova for produzida com o objetivo de condenar o acusado, isso é, para utilizá-la em favor da sociedade. Ocorre que o princípio da proporcionalidade, “no que toca à admissibilidade da prova ilícita no processo, não é aceito por grande parte da doutrina em nosso país em favor da sociedade, mas tão somente em prol do acusado”. (SOARES, 2011, p. 61).

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Isso se explica, segundo o referido autor, amparado nas obras de Grinover (1976) e Magalhães (1997), em função da proteção dos direitos e garantias individuais, que pressupõe a imposição de limites à atuação do Estado. Todavia, apesar de respeitar esse posicionamento doutrinário, o mesmo entende que não pode haver uma elevação dos direitos e garantias individuais de forma que facilite a prática de crimes. Isso porque essa vedação constitucional da inadmissibilidade da prova obtida por meios ilícitos

tem dupla função: proteger os cidadãos contra os abusos do poder estatal, mas também, servir de método interpretativo de apoio para o juiz quando este precisa resolver problemas de compatibilidade e de conformidade na tarefa de densificação ou concretização das normas constitucionais115. (SOARES, 2011, p. 63).

O mesmo autor defende, ainda, a possibilidade de aceitação da prova ilícita nos seguintes termos:

A fim de evitar exageros, pondera-se ser um tanto quanto razoável que possa a prova ilícita produzida pelo Estado ser admitida somente nos processos em que o Estado se veja atacado em sua própria estrutura e naquelas, ainda, em que tenha o legislador constitucional disposto de forma especial acerca da proteção de determinados bens jurídicos, não se admitindo assim a prova ilícita em todo e qualquer processo, sob pena de generalização indevida da exceção à garantia constitucional da inadmissibilidade no processo das provas obtida por meios ilícitos. (SOARES, 2011, p. 67).

De modo contrário, Nucci (2002) se posiciona no sentido de que a vedação à prova ilícita deve permanecer plena, somente vindo a ser aceita nos casos em que os interesses em conflito sejam considerados da mesma importância. Assim, destacando a impossibilidade de se reconhecer caráter absoluto para qualquer direito constitucional, defende que a prova ilícita seja adotada somente nos casos em que se destinar a absolver o acusado, uma vez que é necessário evitar o erro judiciário de toda forma.

Referindo-se ao termo proporcionalidade pro reo, Lopes Jr. (2012) discute a questão da admissibilidade da prova ilícita para inocentar o acusado, em que a garantia à liberdade prevalece perante determinado direito transgredido na produção da prova, ou seja, quando o acusado não respeita os direitos à intimidade, imagem, ou viola um domicílio para provar que é inocente no processo.

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Nesse mesmo sentido está a opinião de Silva (2010), que confirma a aceitação da prova obtida de forma ilícita no processo para demonstrar a inocência do acusado, uma vez que o direito à liberdade prevalece diante da proibição da inadmissibilidade da prova ilícita no ramo processual.

Assim, verifica-se que a doutrina se posiciona de forma unânime no sentido de que a prova ilícita deva ser adotada para inocentar o acusado, todavia afasta a possibilidade de aceitação dessas provas para sua condenação, o que é defendido apenas pela minoria doutrinária.

A seguir, passa-se à análise da aplicação das teorias que excepcionam a teoria dos frutos da árvore envenenada.

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