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2.1 A teoria dos frutos da árvore envenenada

2.1.3 A teoria da descoberta inevitável

A teoria da descoberta inevitável foi aplicada pela primeira vez no ano de 1984 nos Estados Unidos, no julgamento denominado Nix v. Williams, e caracteriza a exceção que se estabelece quando a prova inicialmente ilícita seria encontrada de qualquer forma, porém de maneira lícita. Para melhor entender essa doutrina, Lopes Jr. (2012, p. 601, grifo do autor) esclarece a situação que a criou nos seguintes termos:

a exceção da descoberta inevitável (inevitable discovery exception) foi utilizada no caso Nix v. Williams, em 1984, para validar-se a prova que poderia ser, certamente, obtida por qualquer outra forma. No caso em julgamento, o acusado havia matado uma criança e escondido seu corpo. Foi realizada uma busca no município, com 200 voluntários, divididos em zonas de atuação. Durante essa busca, a polícia obteve ilegalmente a confissão do imputado, o qual especificou o local onde havia ocultado o corpo, tendo ele sido efetivamente encontrado no local indicado. Contudo, pela sistemática das buscas realizadas, em poucas horas os voluntários também teriam encontrado o cadáver. Logo, a descoberta foi considerada inevitável e, portanto, válida a prova.

O tema também é assunto de interesse de Kerr (2011, p. 76, grifo da autora), que considera que, “na situação de descoberta inevitável, a prova tem efetivamente uma origem ilícita, mas as circunstâncias do caso permitem considerar, por hipótese, que seria inevitavelmente obtida, mesmo se suprimida a fonte ilícita”.

Capez (2012), por outro lado, considera a tese em tela de inevitable discovery limitation (teoria da descoberta inevitável), e, conforme os estudos de Scarance (2002, apud CAPEZ, 2012), explica que a jurisprudência dos Estados Unidos tem feito uso dessa teoria para afastar a ilicitude da prova derivada quando o julgador acredita ser possível chegar à mesma prova de forma inevitável, porém de maneira lícita.

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Além disso, Scarance (2002, apud CAPEZ, 2012) sustenta a ideia de que o legislador que redigiu o § 2º do artigo 157 do Código de Processo Penal considerou a teoria da fonte independente, na verdade, como sendo a teoria da descoberta inevitável. No entanto, Capez (2012, p. 373) admite que a “previsão é por demais ampla, havendo grave perigo de se esvaziar uma garantia constitucional, que é a vedação da utilização da prova ilícita.”

Já no posicionamento de Deu (2014), a tese da descoberta inevitável consistiria em um aperfeiçoamento da teoria da fonte independente. Ademais, conforme a autora, essa teoria embasa o valor atribuído à prova lícita, mesmo que a situação tenha sido evidenciada por meio de prova ilícita:

A exceção da “descoberta inevitável”, também de reminiscências norte- americanas, aperfeiçoa a exceção da prova independente e fundamenta a valoração da prova obtida de maneira lícita, ainda que esse fato tenha se tornado conhecido através de prova ilícita, direta ou indiretamente. O efeito excludente se aplica àquelas provas que, no caso de não haver sido cometida a primeira ilicitude, teriam sido encontradas de qualquer forma, seguindo curso próprio das investigações. A debilidade dessa teoria reside em que a descoberta inevitável pode não estar baseada em fatos que possam ser provados claramente, mas sim em hipóteses e suposições. (DEU, 2014, p. 120, grifo do autor).

A teoria em comento também é conhecida como a tese do encontro inevitável, e, de acordo com Lopes Jr. (2012, p. 603), em que pese exista lógica e clareza na sua existência, essa tese também

revela-se perversa quando depende da casuística e da subjetividade do julgador, na medida em que recorre a conceitos vagos e imprecisos (como o é a própria discussão em torno do nexo causal) que geram um espaço impróprio para a discricionariedade judicial.

Para a melhor compreensão sobre a definição do encontro inevitável, Soares (2011) leciona que a prova ilegal não deve ser excluída do processo quando a acusação conseguir comprovar que ela seria descoberta e adotada mais cedo ou mais tarde. A esse respeito, também sustenta Lopes Jr. (2012, p. 603) que:

Ambas as teorias (fonte independente e encontro inevitável) atacam o nexo causal e servem para mitigar a teoria da contaminação, restringindo ao máximo sua eficácia, de modo que, como sintetiza Maria Thereza (2001), se a prova ilícita não foi absolutamente determinante para a descoberta da

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prova derivada, ou se esta derivar de fonte própria, não fica contaminada e pode ser produzida em juízo.

Dessa maneira, o estudioso sustenta que, nos tribunais superiores, prevalece o parecer de que, se a sentença não for embasada em prova ilícita de forma exclusiva, não cabe a anulação da condenação. Assim, se a decisão condenatória for fundamentada em provas lícitas, mesmo que evidenciada prova ilícita, essa decisão não será nula. Em face disso, o autor sustenta a mitigação da prova ilícita por derivação, chamando-a de teoria da contaminação.

Com efeito, os desdobramentos excepcionais da vedação constante no § 1º do artigo 157 do Código de Processo Penal assumem papel inovador no ordenamento penal brasileiro, pois possibilitam a relativização de norma constitucional antes considerada intacta. Isso demonstra, de forma clara, que o Estado continua adotando mecanismos para viabilizar a concretização da justiça.

Nesse sentido, Soares (2011) sustenta que os efeitos da teoria dos frutos da árvore envenenada estão sendo atenuados pelo Supremo Tribunal Federal, bem como pelo Superior Tribunal de Justiça, em seus acórdãos. Destaca o autor que essas decisões se baseiam na ideia de que, quando a condenação não se amparar exclusivamente em provas ilícitas por derivação, mas em provas autônomas e legais, essas não se contaminam.

O estudioso segue discorrendo que:

Grinover (1976) entende que a posição mais sensível às garantias da pessoa humana e, consequentemente, mais intransigente com princípios e normas constitucionais, é a que professa a transmissão da ilicitude da obtenção da prova às provas derivadas, que são, assim, igualmente banidas do processo 157, sendo esta, aliás, a posição de Magalhães (1997), que, fazendo remissões em sua obra à doutrina e jurisprudência alemãs, entende ser impossível negar a priori a contaminação da prova secundária pela ilicitude inicial não somente por um critério de causalidade, mas principalmente, em razão da finalidade com que são estabelecidas as proibições em análise. Segundo Magalhães, de nada valeriam as restrições à admissibilidade da prova se, por via derivada, informações colhidas a partir de uma violação do ordenamento pudessem servir ao convencimento do juiz. (SOARES, 2011, p. 80).

Para finalizar, Soares (2011, p. 81) ressalta que, apesar de o entendimento doutrinário ser incontestável e majoritário – no sentido de que, conforme a lei, são inadmissíveis as

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provas ilícitas por derivação –, a jurisprudência pátria tem decidido em sentido contrário, quando “entende, em linhas gerais, não ser toda e qualquer prova originariamente ilícita capaz de apagar as evidências dela derivadas, [entendimento que] que acabou ganhando força com a introdução no Código de Processo Penal do art. 157”.

Na opinião de Ker (2014), todavia, diante da ausência de normatização acerca desse tema, a jurisprudência oscila em seus julgados, ora admitindo, ora afastando as consequências das provas derivadas, ou seja, negando-as de forma clara ou adotando as teorias minimizadoras para que não haja a exclusão da prova. Em tal contexto, a decisão acerca da sua admissibilidade se relaciona diretamente com os interesses que deverão prevalecer nos casos práticos.

Conclui-se assim a pesquisa sobre a última das exceções pertinentes à teoria dos frutos da árvore envenenada e passa-se ao estudo da aplicação do princípio da proporcionalidade na jurisprudência brasileira.

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3 A PROVA ILÍCITA NO CONTEXTO JURÍDICO BRASILEIRO

O princípio da inadmissibilidade das provas ilícitas no âmbito processual brasileiro, inicialmente reconhecido pela redação do artigo 5º, inciso LVI, da Constituição Federal, e posteriormente adotado pelo caput do artigo 157 do Código de Processo Penal, em razão da complexidade a ele atrelada, merece foco específico.

Para Avolio (2015), além de estabelecer o conceito de prova ilícita, a Lei nº 11.690, de 09 de junho de 2008, que reformou o texto da norma processual, também confirmou o posicionamento mais propagado pela doutrina do país, ou seja, o de que a prova obtida de forma ilícita deveria ser reconhecida como inexistente no processo.

Todavia, no entendimento de Soares (2011), não haveria imprescindibilidade de ratificar, em lei, o que já havia sido assegurado constitucionalmente. Ainda conforme esse autor, da leitura da nova redação do artigo 157 do Código de Processo Penal, sequer cogitar- se-ia a admissibilidade da prova obtida de forma ilícita para absolver o acusado no processo penal, posição amplamente defendida, tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência do país, que vêm desenvolvendo e aperfeiçoando o tema em estudo.

No contexto da admissibilidade da prova ilícita em favor do acusado e da pacificação a respeito da inexistência de direitos absolutos, destaca-se o princípio da proporcionalidade, com origem no direito alemão, que prevê a possibilidade de renúncia de um direito ou garantia constitucional por outro de maior importância (SILVA, 2010).

Segundo Avolio (2015, p. 67), esse princípio ganha relevante apreço dentro do debate acerca da inadmissibilidade da prova obtida de maneira ilícita, que é – a inadmissibilidade – objeto de idealização jurisprudencial e doutrinária, “permitindo, em face de uma vedação probatória, que se proceda a uma escolha, no caso concreto, entre os valores constitucionalmente relevantes postos em confronto”.

Veja-se que, além de realizar a análise do princípio da proporcionalidade e sua aplicabilidade em proveito do acusado no processo penal, outro ponto que merece destaque nesse estudo é o da utilização das teorias que mitigam a inadmissibilidade das provas ilícitas

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por derivação pelos órgãos julgadores brasileiros na prática jurídica, o que será matéria dos próximos tópicos desse trabalho.

3.1 Aplicação do princípio da inadmissibilidade da prova ilícita sob o viés da

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