• Nenhum resultado encontrado

2.1 A teoria dos frutos da árvore envenenada

2.1.2 A teoria da fonte independente

Inicialmente, observa-se que outra forma de relativizar a teoria dos frutos da árvore envenenada consiste na aplicação da teoria da fonte independente, acolhida pelo § 1º do artigo

36

157 do Código de Processo Penal. E, para que não houvesse dúvidas, preocupou-se o legislador em especificar o sentido de fonte independente no § 2º do mesmo dispositivo.

A respeito dessa teoria, Silva (2010, p. 24) leciona que:

a fonte independente não possui qualquer relação com a prova considerada ilícita. Ela não deriva daquela, mas de investigação ou instrução regulares. A fonte é capaz de, por si só, usando de métodos regulares de obtenção de prova, chegar ao fato objeto da prova considerada ilícita. Nesse caso, a fonte independente fatalmente chegaria à mesma prova que se originou da ilícita, motivo pelo qual a lei não a macula, podendo ser aproveitada no processo.

Rangel (2012, p. 465), por sua vez, conceitua a referida teoria como

aquela que foi obtida sem qualquer relação, direta ou indireta, com a prova ilícita. Trata-se de um meio de prova que tem vida própria, autônoma, lícita e que não é contaminada e nem contamina qualquer outra fonte de prova, exatamente pela sua licitude.

Outra relevante conceituação é feita por Bonfim (2012, p. 368), citando o artigo que regula a teoria da fonte independente:

o § 2º do art. 157 define como fonte independente “aquela que, por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova”. Assim, se o caminho trilhado na investigação ou a realização normal da instrução criminal puderem levar à prova derivada da ilícita, não se considerará imprestável o elemento carreado aos autos.

Ainda conforme Bonfim (2012, p. 368), a jurisprudência referia-se anteriormente a essa teoria como “prova absolutamente independente” e a especificava como sendo aquela que não possui conexão com a prova ilícita existente no processo, bem como a prova alcançada com a realização de procedimentos comuns à investigação, independentemente da prova ilícita.

Assim, a prova seria obtida por meio das diligências realizadas pelo Estado

durante a persecução penal (por isso a Lei usa a expressão seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal). É a própria investigação criminal, através dos atos que lhe são próprios, que é capaz de nos conduzir ao fato objeto da prova. (RANGEL, 2012, p. 466, grifo do autor).

37

Já Nucci (2002, p. 375) denomina a fonte independente como o critério da prova separada, pela qual

a prova produzida com base em fator dissociado da ilicitude de prova anteriormente auferida deve ser validada. O importante em relação à prova advinda de fonte independente é a consideração de que, mesmo conectada, de algum modo, à prova ilícita, ela poderia ter sido conseguida de qualquer modo, fundada em bases lícitas.

Veja-se que a fonte independente não pode possuir qualquer vínculo com a prova ilícita. No entender de Silva (2010), a derivação não é consequência daquela, mas obtida após o trâmite regular da investigação ou do curso do processo. Sendo assim, essa fonte tem a capacidade de atingir o fim da prova considerada ilícita, mas por meio de procedimento legal.

Nesse sentido, segue discorrendo que:

Nesse caso, a fonte independente fatalmente chegaria à mesma prova que se originou da ilícita, motivo pelo qual a lei não a macula, podendo ser aproveitada no processo. Note-se que se trata de uma presunção legal de ilicitude, já que a lei, dentro de um critério de razoabilidade, entende que seria possível chegar-se ao objeto da prova com o emprego dos trâmites típicos e de praxe próprios da investigação ou instrução criminal. (SILVA, 2010, p. 24).

Baseando-se em Gomes Filho (2008, apud KERR, 2011, p. 268), por sua vez, traz que, em situação de existência de uma fonte independente, a prova derivada da ilícita deverá ter, necessariamente, duas origens, sendo uma lícita e outra ilícita, de forma que, caso retirado o vício, a prova supostamente derivada continua subsistindo nos autos, podendo ser legalmente utilizada.

Por pertinente, ressalta-se o entendimento de Lopes Jr. (2012) de que a teoria da fonte independente está relacionada, evidentemente, à questão do nexo causal. De qualquer maneira, para esse autor, as provas derivadas do ato maculado poderiam, a qualquer tempo, ser descobertas por outros meios, o que evidenciaria a teoria da descoberta inevitável (inevitable discovery).

38

Acerca dessa temática, o mesmo professor menciona um exemplo interessante, que merece transcrição:

Exemplo de aplicação da teoria da fonte independente (independente source doctrine) ocorreu no caso Murray v. United States, em 1988, em que policiais entraram ilegalmente em uma casa onde havia suspeita de tráfico ilícito de drogas e confirmaram a suspeita. Posteriormente requereram um mandado judicial para busca e apreensão, indicando apenas as suspeitas e sem mencionar que já haviam entrado na residência. De posse do mandado, realizaram a busca e apreenderam as drogas. A Corte entendeu que a prova era válida, e que não estava contaminada. Isso porque, no entendimento da Corte nesse caso, o mandado de busca para justificar a segunda entrada seria obtido de qualquer forma, apenas com os indícios iniciais. Essa fonte era independente e pré-constituída em relação à primeira entrada ilegal. (LOPES JR., 2012, p. 603).

Com efeito, Deu (2014) esclarece que a teoria em comento diminui a aplicação dos efeitos de ilicitude contidos na doutrina da árvore dos frutos da árvore envenenada, no momento em que não existe vinculação entre o ato ilícito e as diligências realizadas em oportunidades posteriores. No entender dessa autora, se há a prova legal independente, não há que se falar em fruto envenenado.

Soares (2011) aborda a doutrina da fonte independente dizendo que, se a acusação conseguir evidenciar que a prova derivada foi obtida de outra forma – ou seja, por meio de fonte independente da que ilegalmente foi declarada –, ela não deverá ser excluída do processo, situação essa que também já vem sendo demonstrada em julgados no Brasil.

Como exemplo, Nucci (2002, p. 375, grifo do autor) lança a seguinte hipótese:

Exemplificando: o indiciado confessa, sob tortura, e indica onde estão guardados os bens furtados. Enquanto determinada equipe policial parte para o local, de modo a realizar a apreensão, ao chegar, depara-se com outro time da polícia, de posse de mandado de busca, expedido por juiz de direito, chegando e apreendendo o mesmo material. Ora, não se pode negar que o indiciado foi torturado e, por isso, confessou e apontou o lugar onde estavam os bens subtraídos. Porém, não se pode, também, olvidar que o Estado- investigação, por fonte independente, já havia conseguido o dado faltante para encontrar a res furtiva.

Ainda nesse exemplo, Nucci (2002) salienta que não se deve descartar o auto de apreensão, pois é considerado como prova separada, enquanto o ato ilícito seria somente a confissão do investigado, e não a apreensão.

39

De forma contributiva, ressalta-se o entendimento acerca da teoria da fonte independente adotado pelo Supremo Tribunal Federal brasileiro. Segundo o Tribunal, para ser considerada independente ou autônoma, a relação existente entre a prova ilícita e a prova derivada deve ser tênue, não podendo haver evidente ligação de causa e efeito entre ambas. Nesse bojo, é importante a colocação feita por Capez (2012, p. 372):

Trata-se de teoria que já foi adotada pelo Supremo Tribunal Federal, no qual se entendeu que se deve preservar a denúncia respaldada em prova autônoma, independente da prova ilícita impugnada por força da não observância de formalidade na execução de mandado de busca e apreensão (STF, HC-ED 84.679/MS, rel. Min. Eros Grau, j. 30-8-2005, DJ, 30 SET. 2005, P. 23). Portanto, a prova derivada será considerada fonte autônoma, independente da prova ilícita, “quando a conexão entre umas e outras for tênue, de modo a não se colocarem as primárias e secundárias numa relação de estrita causa e efeito”.

Nesse momento, ressalta-se que o autor do trecho acima alude às teorias do nexo causal atenuado e da fonte independente, ainda que unifique-as no que chama de fonte independente, o que acontece em razão da difícil compreensão de cada uma delas.

Para tentar elucidar essa questão, Silva (2010, p. 24) discorre sobre uma outra situação hipotética relacionada ao tema abordado:

A título de exemplo, suponhamos que por meio de uma interceptação telefônica ilegal seja apreendido carregamento de drogas. Como a apreensão decorreu de uma prova ilícita, ela é contaminada pela ilicitude probatória, bem como todas as demais provas dela decorrentes. No entanto, paralelamente à interceptação telefônica ilegal, corriam outras diligências investigatórias independentes e lícitas (oitiva de testemunhas, apreensão legal de documentos etc.), de modo que, por meio delas, fatalmente chegar- se-ia ao carregamento de drogas. Com efeito, como essas diligências são consideradas fontes independentes, a apreensão do carregamento de drogas não será contaminada pela ilicitude e poderá ser admitida no processo.

Há que se considerar, ao final desse item, a crítica realizada a essa teoria. Verifica-se a hipótese de que, caso demonstrados novos meios de informação a partir de um elemento independente de prova

que não guarde qualquer relação de dependência nem decorra da prova originariamente ilícita, com esta não mantendo vinculação causal [...] tais dados probatórios revelar-se-ão plenamente admissíveis, porque não

40

contaminadas pela mácula da ilicitude originária. (LOPES JR., 2012, p. 603).

Além disso, menciona-se a adversidade em determinar o que são “trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal” (BONFIM, 2012, p. 369) e se esses verdadeiramente ocasionariam a obtenção da mesma prova derivada da ilícita – algo que, nos termos do que ensina o autor, dependerá de cada caso em específico.

Documentos relacionados