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Aplicações, estudos e críticas

2.4 Representações sociais

2.4.2 Aplicações, estudos e críticas

A teoria das representações sociais tem sido utilizada, como dito anteriormente, na fundamentação de estudos em diversas áreas, notadamente na de Saúde, na de Sociologia, na de Educação, na de Psicologia Social e, de modo ainda tímido, na Ciência da Informação, e centra seu interesse de pesquisa no “[...] ser humano, enquanto ele faz perguntas e procura respostas ou pensa e não enquanto ele processa informação, ou se comporta.” (MOSCOVICI, 2003, p. 43) e sua “[...] análise detalhada [...] e de suas transformações ou substituições no tempo, na sociedade em estudo, pode servir para uma inferência confiável das motivações envolvidas naqueles processos decisórios que orientem as ações dos sujeitos individuais ou coletivos.” (CARDOSO, 2000, p. 34).

Em sua tese de doutoramento, Jovchelovitch (2000) apresenta um robusto estudo sobre a importância das representações sociais para a construção e compreensão do que se entende por espaço público no Brasil. Além da relevância do tema, o trabalho contém uma análise aprofundada da teoria das representações sociais, de suas limitações e de suas conexões com outras teorias igualmente importantes, como a questão das imagens, do desenvolvimento do Eu, da relação do Eu individual com o meio ambiente e dos símbolos.

Outro ponto abordado por Jovchelovitch (2000) é a importância da noção de representação de Denise Jodelet. Em seu estudo, Jodelet (1988, p. 358-359) mostra que a representação é uma forma de conhecimento social e pode ser percebida nos diferentes contextos e segmentos, como, por exemplo, o resultado da elaboração de uma coletividade sobre um determinado tema ou problema, ou a noção de representação sócio-espacial por grupos que vivem na periferia, ou, ainda, acerca das percepções sobre uma determinada ação governamental, aspectos que ela demonstra por meio de diferentes estudos. De todo modo, o que Jodelet (1988, p. 360) coloca é que as representações sociais são um modo de perceber o senso comum, um instrumento para compreender o outro.

Cardoso (2000, p. 34), de certo modo, compartilha dessa definição, quando considera que

[...] os seres humanos tendem, individualmente ou em grupo, a efetuar escolhas que orientem suas ações em dada situação ou conjuntura, mais freqüentemente em razão de representações socialmente difundidas do que de características objetivas dos referentes (objetos) a que essas representações remetem.

Essa afirmação é importante e relevante se pensarmos nas conseqüências dessas ações sob a perspectiva do exercício profissional, sobre o olhar dos indivíduos tanto para seu próprio grupo quanto para os demais grupos sociais e da resultante que essas

representações têm do ponto de vista mercadológico, social e, por que não, da imagem profissional.

Para Jodelet (1988, p. 360, tradução nossa), as representações sociais

[...] se apresentam sob formas variadas, mais ou menos complexas. Imagens que condensam um conjunto de significações; sistemas de referência que nos permitem interpretar as ocorrências, ou mesmo dar um sentido ao inesperado; categorias que servem para classificar as circunstâncias, os fenômenos, os indivíduos com os quais nos relacionamos [...].

e os meios pelos quais apreendemos esses códigos e esses conhecimentos do senso comum são por intermédio das tradições, da educação e da comunicação social. Esse conceito de Jodelet é, de certa forma, compartilhado por Giddens (2002, p. 28) quando este afirma que “A linguagem e a memória estão intrinsecamente ligadas, tanto ao nível da lembrança individual quanto ao da institucionalização da experiência coletiva.”, já que a linguagem é o meio pelo qual os homens se distinguem, ainda segundo Giddens, “[...] elevando a atividade humana além da imediatez da experiência dos animais.”

Em texto bastante denso, Wagner (1996) levanta questões acerca da relação do construcionismo e das representações sociais mostrando seus pontos de convergência e o distanciamento do primeiro com o desenvolvimento dos estudos da segunda. De todo modo, o que é mais se destaca em seu trabalho é análise que faz das nuances de cada uma das teorias, especialmente focalizando os estudos de Moscovici e de Jodelet, além de sua interpretação para a teoria das representações sociais.

Segundo Wagner (1996, p. 106, tradução nossa)

Dificilmente alguém negará que a grande maioria, se não todo, do nosso conhecimento é socialmente elaborado, assim construído por e dentro de processos sociais. Mesmo aparentemente idiossincrático o conhecimento e as crenças pessoais derivam basicamente de instituições sociais como escola, mídia e outras formas de processos de comunicação.

Wagner (1996, p. 109, tradução nossa) acrescenta, ainda, que

[...] representações são as formas e os nomes específicos que um grupo ou uma sociedade dá a certas áreas do mundo. Este mundo de coisas não deve necessariamente ser passível de descrição em termos físicos. Mesmo ‘nadas’ físicos, como Deus, justiça, democracia, amor etc., constituem relevantes áreas em mundos sociais.

O autor, explicando o que considera representações, coloca que “O que aparece como uma relativa constante através de diferentes contextos e pessoas em um grupo constitui a representação.” e complementa afirmando que esta (a representação) tem relação com um determinado período (WAGNER, 1996, p. 111, tradução nossa), o que é compatível com o que os autores identificam acerca da perspectiva temporal relacionada à visão de mundo de uma dada sociedade.

Um aspecto que merece destaque no trabalho de Jovchelovitch (2000, p. 79) é a idéia de que os estudos de representações sociais devem ser vistos além do “[...] psiquismo individual [...]”. Segundo ela, quando tratamos de representações sociais “[...] a análise já não está centrada no sujeito ontológico, mas nos fenômenos produzidos pelas construções particulares do campo social”. Continuando, a autora diz que

[...] a questão central é o reconhecimento de que o olhar da Psicologia Social – e a análise das representações sociais – se dirigem ao social enquanto totalidade. E da mesma forma que o social é mais do que um agregado de indivíduos, as representações sociais são mais do que um agregado de representações individuais.

Moscovici (2003, p. 41) confirma o caráter coletivo das representações quando afirma que elas “[...] não são criadas por um indivíduo isoladamente [...]”, mas reconhece a influência dos pensamentos individuais e do tempo quando adiante diz que uma vez que as representações são criadas, “[...] elas adquirem uma vida própria, circulam, se encontram, se atraem e se repelem e dão oportunidade ao nascimento de novas representações, enquanto velhas representações morrem.” Essa constatação do processo evolutivo das representações é importante pois se assim não fosse essa teoria não poderia explicar a óbvia evolução e modificação das sociedades em todos os âmbitos: comportamental, cultural e mesmo científica.

Outro autor que reconhece a influência do pensamento do indivíduo para o grupo é Wagner (2000, p. 15). Conforme seu argumento, explicando essa relação, “Qualquer tipo de conhecimento idiossincrático, atitudes pessoais, etc., pode ser incluído [...]” na categoria de conhecimento pessoal ou teorias subjetivas. Para Wagner (2000, p. 15), as representações individuais “São dispositivos para definir e categorizar individualmente situações relevantes, explicar e justificar experiências subjetivas, e por esse meio estabilizar sentimentos e auto- estima.” Finalmente, ele estabelece que se não houvesse espaço para esse pensamento idiossincrático permear o pensamento social não seria possível explicar a criatividade e a inovação, que estariam engessadas pela dependência do conhecimento coletivo.

O estudo e a compreensão do fenômeno das representações sociais são, no dizer de Spink (2004, p. 89), questões complexas, pois pressupõem a desconstrução da dicotomia entre o individual e o coletivo. Para a autora, não basta analisar o fenômeno sob a perspectiva do que ela denomina de nível intra-individual “[...] (como o sujeito processa a informação) ou social (as ideologias, mitos e crenças que circulam em uma determinada sociedade).” Spink reforça a necessidade de compreender de que forma o pensamento individual “[...] se enraíza no social [...]”, identificando, nesse ponto, as condições em que esse pensamento se produziu, e, continua a autora, de “[...] como um e outro se modificam mutuamente.”

[...] implica em um triplo esforço:

1. Compreender o impacto que as correntes de pensamento veiculadas em determinadas sociedades têm na elaboração das Representações Sociais de diferentes grupos sociais ou de indivíduos definidos em função de sua pertença a grupos;

2. Entender os processos constitutivos das Representações Sociais e a eficácia destas para o funcionamento social. Entender, portanto: a) o papel das representações na orientação dos comportamentos e na comunicação; b) sua força enquanto sistema cognitivo de acolhimento de novas informações;

3. Entender o papel das Representações Sociais nas mudanças e transformações sociais, no que diz respeito à constituição de um pensamento social compartilhado ou à transformação das representações sob o impacto das forças sociais.

A teoria das representações sociais é analisada em Marková (1996) como o estudo do conhecimento leigo. Seu texto merece destaque pelas comparações e exemplos que apresenta para esclarecer sua posição, além de ser rico nas definições dos conceitos embutidos na teoria de Moscovici. Conforme Marková (1996, p. 179) as representações sociais são definidas como ambientes sociais simbólicos que encontram sua expressão nas atividades dos indivíduos. Ainda segundo a autora (1996, p. 180), esta teoria diz respeito à interdependência entre os processos de pensamento consciente e reflexivo e os processos de pensamento habituais e automatizados. Para outro autor, Lahlou (1996, p. 172, tradução nossa),

A finalidade, se é que existe uma, do sistema de representação, e da nossa realidade socialmente construída, é proporcionar que esta determinada sociedade possa continuar existindo coletivamente e como um conjunto de indivíduos. Assim, representações são os modos de propagar os padrões de realidade (o contexto público) de modo que cada parte deste complexo sistema possa se adaptar ao contexto.

Numa tentativa de esclarecer como se formam as representações sociais, o que explica o “nascimento” de novas representações para os grupos, Wagner et al. (1999, p. 98, tradução nossa) elaboraram o que denominaram de “[...] descrição esquemática da sociogênese das representações sociais”:

Adiciona um novo objeto social ao mundo do grupo

Figura 7 – Descrição esquemática da sociogênese das representações sociais51

Para Wagner et al. (1999), conforme ilustra a Figura 7, os grupos vivem em mundos

de objetos sociais e interagem e reagem com o meio. Quando ocorre um evento que modifica a visão ou as relações do grupo, são acionados os mecanismos de interpretação e de absorção para compreender, apreender e representar aquele evento. Esses mecanismos, traduzidos na teoria das representações sociais pela ancoragem e pela objetivação, transformam o fenômeno em algo familiar, nascendo, assim, uma nova representação social, que é adicionada ao mundo do grupo. Essas representações favorecem a identidade, tornam familiares os fenômenos e facilitam os processos de comunicação e relação do grupo.

Mas essa teoria não encontra apenas adeptos. Existem críticas a ela, conforme Voelklein e Howarth (2005, p. 432, 435, tradução nossa) demonstram em seu artigo, relacionadas com o fato de que “Em muitas teorias de psicologia social, a relação entre o psicológico e o social é descrita como uma separação da percepção e da cognição do indivíduo de um lado e pelo contexto cultural e social por outro [...]”, enquanto que a teoria

51

Fonte: Adaptado de: WAGNER, Wolfgang et al. Theory and method of social representations. Asian Journal of Social Psychology, v. 2, p. 98, 1999.

Nova re- presenta- ção social GRUPO vive num mundo de objetos sociais Discurso Discurso Identida- de Social instiga competição material e competição coletiva simbólica primeiro ancorando e interpretando em termos familiares e representações posteriormente o discurso e a elaboração direcionam para uma representação objetivada na forma de uma imagem, metáfora ou símbolo

o que transforma o fenômeno em familiar e parte do senso comum favorece a

identidade social do grupo

ameaça ou fenômeno não familiar ou evento (ex. fato brutal)

das representações sociais, como dito anteriormente, situa-se simultaneamente no social e no individual, o que causa conflito e críticas.

Essa característica das representações sociais de permear o social e o individual é entendida por Abric (1992, apud Abric 2000, p. 33-34) como um duplo sistema, sendo um central e outro denominado de periférico. O sistema central “[...] cuja determinação é essencialmente social, ligada às condições históricas, sociológicas e ideológicas [...]”, constitui-se da base social e coletiva que “[...] define a homogeneidade de um grupo.” e que “[...] tem papel imprescindível na estabilidade e coerência da representação; assegura a perenidade [...]; [...] é duradouro e evolui – salvo em circunstâncias excepcionais de modo muito lento.” O sistema periférico, por outro lado, “[...] cuja determinação é mais individualizada e contextualizada.” é associado às características individuais e no contexto no qual os indivíduos estão inseridos, possibilitando “[...] uma adaptação, uma diferenciação

em função do vivido, uma integração das experiências cotidianas.” Por ser mais flexível que

o sistema central, permite a integração de informações e uma “[...] certa heterogeneidade de comportamento e de conteúdo.” Esses dois sistemas estão bastante bem esquematizados, no texto de Abric (2000, p. 34), em um quadro no qual são descritas suas características em relação a uma representação.

Outros pontos de controvérsia relacionados à teoria das representações sociais, segundo Voelklein e Howarth (2005) apontam de outros trabalhos, são de que ela é muito ampla e muito vaga e carece de fundamentação para ser efetivamente entendida como uma teoria e não apenas um conceito.

As autoras (2005, p. 436, tradução nossa) rebatem essas críticas, dizendo que as definições estão sim, disponíveis na literatura, o que é possível comprovar, pelos textos aqui identificados. Para elas, essas críticas devem-se ao fato de que como as pesquisas de Moscovici não estão disponíveis em língua inglesa tornam-se inacessíveis para os psicólogos sociais anglo-saxões. Além disso, são concretas e conhecidas as dificuldades de tradução de textos em que a palavra em um idioma não possui, necessariamente, o mesmo significado em outra língua, exemplificando isso com o termo representação, que em francês tem uma acepção mais ativa do que em inglês.

Farr (1993) igualmente aponta para as críticas à teoria das representações sociais, especialmente focalizando a questão dos diferentes métodos de pesquisa passíveis de utilizar no estudo das representações. O autor também fala acerca das diferenças culturais – e nesse sentido ele utiliza as diferenças culturais dos cientistas de origem francesa daqueles de origem inglesa e dos Estados Unidos – na apresentação das pesquisas realizadas por cientistas franceses e cientistas britânicos ou dos Estados Unidos.

Segundo Farr (1993, p. 21) os cientistas de língua inglesa consideram que os franceses não fazem descrições acuradas e precisas dos métodos de pesquisa que

utilizaram, o que dificultaria a replicação dos experimentos e a confirmação dos resultados. Farr rebate essas críticas com a seguinte colocação:

Como as representações sociais são específicas para uma cultura particular e para um ponto particular no tempo dentro daquela cultura, seria pouco apropriado pensar em termos de replicação de qualquer estudo particular.

Essas ponderações de Farr têm relação com seu estudo acerca das possibilidades de utilização de diferentes métodos de pesquisa para conduzir trabalhos de identificação de representações sociais, inclusive reforçando que fazer experimentos laboratoriais para estudar as representações sociais não deve ser o único modo adotado. Conforme Farr (1993, p. 22, tradução nossa) isto se deve ao fato de que as representações sociais acontecem na “[...] sociedade, ao invés de nos laboratórios.”

Farr (1993, p. 29, tradução nossa) observa, ainda, que dentre as muitas recomendações que o pesquisador deve atentar destaca-se o fato de que as técnicas menos estruturadas de investigação tendem a ser menos direcionadoras e tendenciosas que aquelas mais estruturadas, que poderiam conduzir as respostas dos investigados, direcionando-as:

No estudo das representações sociais é importante que o pesquisador não imponha sua própria representação para seus informantes, o que é a razão pela preferência geral, entre tais pesquisadores, para o uso de técnicas não estruturadas de investigação sobre o uso de técnicas mais estruturadas.

Farr (1993, p. 35, tradução nossa) encerra seu estudo, reiterando sua defesa da teoria das representações sociais, dizendo que “O que as pessoas precisam é de uma teoria apropriada e uma diversidade de métodos de pesquisa.” o que, conforme ele, esta teoria provê.

Em artigo sobre uma pesquisa conduzida junto a bibliotecários, Morigi e Silva (2005) explicam que o objetivo de seu estudo era o de identificar quais as representações relacionadas com seu perfil e suas práticas profissionais. Tendo por base essa colocação dos referidos autores, então, finaliza-se esse capítulo explicitando que esta pesquisa visa identificar as representações sociais relacionadas à profissão dos bibliotecários, sob a perspectiva de Serge Moscovici, com relação:

- aos bibliotecários respondentes dos questionários: • de que modo interpretam a profissão;

• como analisam as possibilidades de mercado;

• como percebem a influência da escola na formação da auto-imagem profissional;

• se as visões variam em função da região que atuam ou das atividades que desenvolvem.

- ao corpo docente entrevistado:

• inserção de questões sobre ética, sobre imagem profissional, sobre mercado de trabalho;

• existência de conexão e de encadeamento entre os conteúdos das diferentes disciplinas ministradas ao longo do curso;

• importância, ou não de passar ao discente a idéia de continuidade e de relação entre as disciplinas ou se elas são ministradas de forma estanque; • visão dos professores em relação à profissão no tocante ao mercado,

postura e influência deles na formação da imagem profissional dos bibliotecários.

3 Metodologia