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As organizações representativas da classe bibliotecária

2.3 Biblioteconomia no Brasil

2.3.2 As organizações representativas da classe bibliotecária

A formação profissional poderia – e deveria – ser influenciada pelas organizações representativas de classe no que tange à construção da identidade, da visão e da compreensão dos papéis social e político da profissão e do desenvolvimento e reforço de seus valores.

No caso dos bibliotecários brasileiros, essas organizações compreendem organismos oficiais, como os Conselhos, e, também, as associações profissionais e/ou sindicatos, como indicam Moreno et al. (2007) em seu estudo sobre o papel das entidades de classe na educação continuada desses profissionais.

Qual o grau e quanto os bibliotecários percebem dessa influência deve ser compreendido, pois é por intermédio dessas organizações que são elaborados códigos de ética e conduta, além de serem esses órgãos os responsáveis pela atuação junto ao Poder Legislativo para que se votem leis de interesse da categoria, relacionadas ao exercício, à normatização e à regulamentação dos espaços profissionais, além de serem espaços onde é possível atuar no sentido de adotar um piso mínimo para o salário dos profissionais.

Com relação aos Conselhos é igualmente relevante a atribuição de fiscalização do trabalho e emprego, embora se deva reconhecer que esses órgãos não atuam igualmente na observância do exercício profissional de qualidade, o que poderia ser um espaço ocupado pelas associações e pelos sindicatos. Finalmente, são essas organizações representativas da classe bibliotecária que realizam ações mais articuladas e mais evidentes de divulgação de informações sobre a profissão e sobre os profissionais e que, em suma, atuam nas questões relacionadas ao marketing da profissão.

Considerando a legislação existente no país para o exercício profissional e as críticas a ela, já comentadas no capítulo 2.3.1 (Normas regulamentares de Biblioteconomia no Brasil), existem autores que têm uma visão menos contrária, como é o caso de Côrte (1991, p. 69). Seu livro traduz a preocupação com o melhor exercício profissional com capítulos que tratam do movimento associativo no país, considerada outra vertente do norteamento da profissão, como dito anteriormente. Nesse sentido a autora critica os profissionais pela sua ausência das Associações de Bibliotecários, pela baixa representatividade desses movimentos e pela importância das associações para o desenvolvimento profissional da categoria.

Seu texto é uma confirmação do que havia dito Almeida Junior (1985), que de forma bastante contundente critica a não participação dos bibliotecários junto às Associações de Classe e levanta algumas hipóteses, entre as quais: “[...] complexo de inferioridade. [...] descrença na importância da profissão. [...] desconhecimento da real função social.” Adiante o autor continua tentando entender essa ausência, considerando que os bibliotecários agem

dessa forma porque acreditam “[...] numa Biblioteconomia unicamente técnica.”, não pensam em si mesmos como “[...] agentes de transformação.”, deveriam pensar em si mesmos não como “[...] trabalhadores assalariados.”, pois assim poderiam desenvolver um sentido de classe. Finalmente, conforme Almeida Junior (1985), esse distanciamento deve-se, também, à visão dos bibliotecários de que as associações de bibliotecários nada fazem.

Relacionando as ações das associações de classe, responsáveis pelos Congressos Brasileiros de Biblioteconomia e Documentação, entre outras iniciativas de cunho técnico- científico, Côrte (1991, p. 70) também critica a postura dos bibliotecários, de total distanciamento dessas associações quando constata que:

[...] o que é mais grave, os profissionais estão totalmente ausentes de suas Associações. Todas as ações acima mencionadas são uma iniciativa de uma pequena minoria, de uma pequena liderança existente na classe, que de fato representa a vanguarda da nossa profissão, mas que não possui legitimidade para representação da classe como um todo. Assim, nossas associações são ilegítimas, se considerarmos que estas representam os bibliotecários de cada Estado e estes não participam e nem delas se aproximam. Este fato provoca a elitização e um excesso de corporativismo, que é prejudicial à classe na sua relação com a sociedade, não apresentando resultados práticos que, efetivamente, venham contribuir para a melhoria da qualidade de vida e pleno exercício da cidadania.

Nessa análise deve ser considerado, igualmente, o aspecto relacionado com a tradição nacional em relação aos movimentos sociais e à aptidão brasileira de trabalhar de forma cooperativa, que não parece ser, ainda, um traço dominante, especialmente em uma profissão que, apesar de ser considerada liberal, é fortemente ancorada no exercício vinculado a alguma organização. Essa mesma preocupação é evidenciada por Rasche (2005, p. 175) em seu trabalho sobre ética, quando questiona acerca da possibilidade de “[...] existir ética profissional sem existir participação dos profissionais nos órgãos representativos da categoria?”

Retomando os itens identificados por Shachaf (2005) acerca do desconhecimento dos códigos de ética pelos bibliotecários, esses tornam-se ainda mais relevantes considerando-se o ingresso de diferentes perfis profissionais na área de informação, o que tem ressonância com os estudos de Freidson (1998)44. Esse autor discorre de forma bastante profunda acerca das dificuldades de definir o que seja profissão, em contraposição a ocupação profissional e adiciona a preocupação com o aspecto de profissionalismo, como ingrediente a ser considerado para compreender esse conceito.

Para Freidson (1998, p. 57) considerar uma determinada ocupação como profissão é tanto uma questão relacionada pela forma como seus membros realizam suas atividades quanto pela influência dos órgãos oficiais que as reconhecem como tal.

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De acordo com Freidson (1998, p. 247-249, 252), o exercício profissional implica no contato com outros indivíduos daquela profissão/ocupação, que são realizadas por intermédio das organizações representativas de classe, que ele denominou de “instituições de profissionalismo”, que se encarregam, também, de manter e desenvolver “[...] as normas que regem as relações entre seus membros e entre seus membros e a população.”, respeitando o aspecto da autonomia, que seria a capacidade dessa categoria de controlar a realização do trabalho. Para Rasche (2005, p. 176), é no segmento autonomia, “[...] que estão as corporações profissionais, associações e sindicatos.” Ainda segundo Rasche (2005, p. 176), “As associações profissionais são entidades representativas dos membros de uma dada profissão que promovem uma maior interlocução entre seus membros e destes com a sociedade.”

Em seu texto, Rasche (2005), discute a ética profissional, o papel das associações e a participação dos profissionais nessas entidades representativas de classe, como componentes que contribuem para a formação da identidade profissional e do reconhecimento social para a profissão. A autora apresenta, em seu trabalho, uma colocação que reflete a complexidade dessas relações, além de fazer perceber sua crítica com a não participação dos profissionais nesses espaços associativos ou representativos, que lembra Côrte (1991):

Se de um lado, é no espaço associativo que as pessoas vão se encontrar, trocar idéias, resolver conflitos e encontrar soluções para problemas comuns, também é nesse ambiente que haverá espaço para a publicação de boletins informativos, revistas, realização de cursos e eventos permitindo assim a educação continuada. De outro lado, o comprometimento com a realização de um bom trabalho, a excelência de conhecimentos, competências e técnicas interferem na autonomia, reflexo de um grupo em que a ação individual integra a ação do grupo. Desse modo, as associações não devem ser compreendidas como a ação de um grupo de representantes, se assim for, as ações serão fragmentadas, a categoria não será reconhecida por uma identidade forte. É a partir de ações coletivas pautadas na compreensão do conjunto de elementos que compõe o cenário de uma sociedade profissionalista. (RASCHE, 2005)

Outra vertente de organização representativa de classe é a Associação Brasileira das Escolas de Biblioteconomia – ABEBD, analisada por Souza (2006). Nesse trabalho, o autor reencontra os caminhos percorridos até a criação da entidade, em 1967, que teria por “[...] objetivo difundir uma reflexão [...] em torno de uma etapa importante da estruturação da carreira bibliotecária no Brasil, que foi a organização política dos profissionais mais diretamente ligados à Educação Bibliotecária.” Souza (2006) mostra que no processo de efetivação dessa associação outras instâncias que igualmente representam os bibliotecários floresceram, como a Federação das Associações de Bibliotecários - FEBAB, em 1959, consolidam-se os eventos para a categoria, como o Congresso Brasileiro de Biblioteconomia e Documentação – CBBD, cuja primeira edição remonta a 1954, todos com a mesma perspectiva de discussão, proteção e

profissionalização da carreira bibliotecária. Com relação à ABEBD, Souza (2006) relaciona suas finalidades das quais destacam-se algumas que têm impacto no perfil e formação profissional:

[...]

- Planejar o desenvolvimento da Formação Biblioteconômica;

- Preconizar medidas que objetivem a formação e aperfeiçoamento do pessoal docente; - Sugerir o estabelecimento de requisitos mínimos do regime de estágio e de bibliotecas- laboratório cuja adoção deve ser generalizada;

- Sugerir medidas que visem o aperfeiçoamento dos meios de seleção de candidatos ao estudo de Biblioteconomia [...].

Voltando a Corte (1991, p. 67-123) e às entidades representativas, a autora parte dos artigos 5º, 8º e 37º da Constituição brasileira de 1988, para resgatar os fundamentos normativos que poderiam justificar e defender a causa das associações de classe. Depois dessa introdução ela lista as associações vigentes à época de seu estudo, apresenta o texto do estatuto da Federação das Associações de Bibliotecários – FEBAB, igualmente mostra o estatuto da Associação Brasileira do Ensino de Biblioteconomia e Documentação – ABEBD, da Associação Nacional de Pesquisa em Pós-Graduação em Ciência da Informação e Biblioteconomia – ANCIB, tudo isso precedido do texto do então código de ética do bibliotecário.

Após todos esses anos, as associações de bibliotecários não parecem ter conseguido se tornar organismos nos quais os bibliotecários têm participação ativa e que sejam efetivamente representativos da categoria, poucos são os sindicatos profissionais (apenas quatro foram identificados – Bahia, Minas Gerais, Paraná e São Paulo) além de criadas outras organizações representativas como a Associação Brasileira de Educação em Ciência da Informação – ABECIN (criada em 2001). Moreno et al. (2007) ponderam, em sua pesquisa, que muitas associações profissionais não possuem páginas na Internet, o que dificulta o contato e o acesso à informação, além de essa ausência na web não contribuir para encurtar a distância entre esses organismos e os profissionais. Esse comentário merece ser considerado e observado pelas entidades representativas dessa categoria profissional que tem, nas tecnologias de informação e de comunicação, em muitos casos, sua fonte primária de obtenção de conteúdos, tanto para seu próprio aprimoramento profissional, quanto para o de seus usuários.

Mesmo os códigos e estatutos tendo sido atualizados, algumas associações de classe e sindicatos criados após o levantamento de Côrte (1991) (embora duas associações tenham sido extintas – Bahia e Rondônia), permanece a questão levantada anteriormente acerca da

influência dessas organizações representativas dos bibliotecários em suas construções e elaborações de auto-imagem profissional.

As associações de bibliotecários e/ou de profissionais da informação, embora possam ter funções um pouco diferenciadas nos diversos países, guardam semelhanças tanto de propósitos, quanto de funções e objetivos, igualmente de problemas. Essas associações são também reflexo da realidade socioeconômica e cultural dos países.

Analisando a história das associações profissionais na África do Sul, num período que varre a maior parte do século XX, Walker (2006) mostra as dificuldades de seu estabelecimento num país cujos problemas relacionados ao apartheid não ficaram à margem da associação dos bibliotecários – South African Library Association/SALA45 – que chegou, em determinado momento a se constituir de uma associação apenas para brancos. A história narrada por Walker (2006, tradução nossa) apresenta a instabilidade das associações, suas junções e separações, não apenas por questões relacionadas ao preconceito relacionado à cor da pele, mas também pela sua atuação que em alguns momentos permitia o ingresso de membros que não tivessem o curso universitário, em outros momentos não abrindo essa possibilidade para os técnicos ou outros perfis que atuavam no segmento de informação, conforme trecho extraído de seu artigo:

Ao final da década de 1970 o impacto dos computadores e dos sistemas computadorizados de armazenamento e recuperação da informação nas bibliotecas foi substancial e “ciência da informação” estava mudando o perfil dos bibliotecários qualificados. Vendo isso como uma oportunidade de fortalecer ainda mais a imagem dos bibliotecários como “cientistas da informação” ou pelo menos como ”profissionais da informação” e implicitamente tratar da questão da exclusão racial, os membros mais antigos da Associação dos Bibliotecários da África do Sul visitaram as filiais, promovendo a idéia de um novo instituto para os novos graduados onde o único requisito para se tornar membro da associação dos bibliotecários seria o de ter obtido uma qualificação de quatro anos na universidade.

Outro exemplo de visão acerca das associações de bibliotecários é a de Ghosh (2006, tradução nossa), que, estudando as associações de bibliotecários na Índia, entende que:

A missão básica de qualquer associação de bibliotecários é desenvolver produtos e serviços que oferecem soluções práticas aos problemas deste mundo de mudanças rápidas, prover liderança para o desenvolvimento, promover e melhorar serviços de bibliotecas, promover a excelência por meio de programas de educação continuada, publicações, comunicações e prêmios, e levar a cabo outros programas inovadores.

Ghosh (2006) acrescenta que as associações têm a responsabilidade de prover os profissionais da informação de países em desenvolvimento de informações relevantes para que possam seguir competitivos no mercado. Mas é do trabalho de Abram (2006), acerca de

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associações profissionais no Canadá, que se extraem as mais significativas observações acerca do papel e da relevância das associações de bibliotecários para os profissionais em exercício e para os novos.

Na visão de Abram (2006, tradução nossa) “As associações de bibliotecários existem por três razões principais: manter uma rede entre seus membros, prover oportunidades para o desenvolvimento profissional e advogar para a profissão e/ou usuários.” De acordo com o autor, o papel de uma associação deve ser o de contribuir para o engrandecimento da profissão e formar novos líderes de modo a mantê-la viva e em constante desenvolvimento, sem demérito para os bibliotecários com mais tempo de profissão. E, por outro lado, se elas não fornecerem produtos e serviços aos seus membros, está fadada a não sobreviver. Em slides disponíveis na

Internet46, D’Amicantonio considera que as funções das associações nacionais de bibliotecários são as de construir uma rede de contatos, educar e treinar seus associados e servir como órgão de representação. E, prossegue D’Amicantonio, entre os benefícios provenientes das associações estão, além dos relacionados às funções especificadas por ele, divulgar os avanços tecnológicos, compartilhar conhecimentos, oportunidades de emprego e de ter acesso a pesquisas e publicações.

Modelo de associação, mesmo que de forma não evidenciada pelos textos, a American

Library Association47 é uma entidade poderosa nos Estados Unidos, congrega 64 mil profissionais e tem, entre suas funções, conforme D’Amicantonio, definir os padrões pelos quais os cursos de Biblioteconomia e de Ciência da Informação são avaliados. No caso dos bibliotecários dos Estados Unidos, a associação profissional não parece padecer das dificuldades de outros países.

Abram (2006, tradução nossa) é bastante crítico com relação aos bibliotecários quando constata que:

Padrões têm uma grande influência na nossa profissão e, ainda, o processo para desenvolver padrões é pouco compreendido em suas raízes. As associações necessitam fazer um trabalho melhor de auxiliar seus membros a compreender o antigo mundo de desenvolvimento de padrões. [...] Se queremos manter a relevância devemos assegurar que todos entendem as conseqüências de novos padrões que podem não ter tido um envolvimento forte das novas comunidades de usuários.

Sobre os treinamentos, as observações de Abram (2006) são aplicáveis ao Brasil, que possui uma dimensão continental. Ele ressalta que os treinamentos presenciais podem ser

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D’AMICANTONIO, John. Associações de bibliotecários nos EUA. Disponível em: <http://www.irc.embaixadaamericana.org.br/download/Library%20Associations.ppt>. Acesso em: 30 jan. 2007.

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Associação de Bibliotecas Americana (tradução nossa). Disponível em: <http://www.ala.org/>. Acesso em: 6 abr. 2007.

inviabilizados e que as associações devem reconhecer as tecnologias e adotar novos formatos que incluem educação à distância, teleconferências ou aprendizagem por meio eletrônico, o que se coaduna com o comentário de Moreno et al. (2007) sobre a inexistência de páginas das associações na Internet.

Abram (2006, tradução nossa) lembra ainda que as novas tecnologias de informação e de comunicação

[...] estão criando um novo perfil de usuário que deve ser considerado quando desenvolvemos serviços bibliotecários. E não devemos nos esquecer que o mundo dos trabalhadores das bibliotecas não está imune a essas correntes de mudança demográfica. Nós estamos em processo de identificar gaps relacionados às novas gerações, novas divisões digitais e um novo mosaico de valores. Isto pode não ser definido apenas pela educação, idade ou renda e pode ser sobre outras marcas de valores e estilos de vida.

Apesar dessas constatações, Abram (2006, tradução nossa) diz que não houve nenhuma mudança nas ações das associações profissionais nos últimos 15 anos, o que não é diferente do que se observa, com exceções, para as associações de bibliotecários no Brasil. O autor ilustra sua observação dizendo que “A falha de adaptação às novas modalidades pode tornar as nossas associações uns dinossauros. Dinossauros não foram extintos por causa das mudanças climáticas, mas devido à sua incapacidade de se adaptar.”

Do que se depreende dos textos e das colocações dos autores, é que o papel das associações deveria ser mais presente e atuante, especialmente no tocante ao desenvolvimento e crescimento da Biblioteconomia, o que, em última análise, acabará por influenciar a imagem da profissão.

Desse modo, finaliza-se essa primeira parte da revisão de literatura que é um panorama dos diversos temas que permeiam a questão da imagem profissional do bibliotecário. Portanto, do tema inicial da pesquisa, que trata da imagem e auto-imagem profissional, emergiram questões como a construção da identidade, os estereótipos, os valores profissionais, que embasam da questão. Sob a perspectiva de construção dessa imagem profissional, foram estudados os temas relacionados com formação profissional, subdividido em estudos sobre profissão, trabalho, emprego e competência e focalizando de forma mais específica os bibliotecários. Considerando-se, ainda, que essa pesquisa é centrada no Brasil e nos profissionais que atuam no país e levando-se em conta que outros ambientes e agentes também contribuem para essa construção e expressão da imagem profissional, a Biblioteconomia no país foi estudada, assim como as normas regulamentares que delimitam, definem e instruem quanto à forma de atuar, os ambientes de trabalho e a postura profissional, por meio de seu código de ética. Esse é o braço oficial da formação profissional, assim como os

Conselhos Regionais de Biblioteconomia, que integram esse outro segmento de formação que inclui as organizações representativas da categoria, como associações e sindicatos, último item dessa primeira parte da revisão de literatura.