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DA APLICABILIDADE DO AUXÍLIO DIRETO EM MATÉRIA PENAL PARA INFRAÇÕES À ORDEM ECONÔMICA

nº 3.383. Voto do Rel Min Theori Albino Zavascki Publicado no DJe em 02 de setembro de 2010; e Idem Sentença Estrangeira Contestada nº 4.611 Voto do Rel Min João Otávio de Noronha Publicado no DJ em

2.4 DA APLICABILIDADE DO AUXÍLIO DIRETO EM MATÉRIA PENAL PARA INFRAÇÕES À ORDEM ECONÔMICA

Para fazer frente aos “tempos de urgência”182 da criminalidade em sua faceta pós- moderna, urgiam novos mecanismos de cooperação para combatê-la. A carta rogatória em matéria penal183, por exemplo, vinha se mostrando mecanismo, muitas vezes, ineficiente para fazer frente aos novos paradigmas da criminalidade. A ineficiência decorria, não raro, da necessidade de uma cooperação rápida e pautada pela flexibilidade diante das idiossincrasias dos sistemas jurídicos184. O desafio era assegurar execução célere, previsível e eficiente de medida no exterior que, simultaneamente, respeitasse a soberania e a jurisdição de outros países, além de preservar garantias e direitos individuais185. No plano do direito processual

                                                                                                               

182 A expressão é empregada com propriedade para descrever os dilemas da sociedade pós-industrial por Claudia

Lima Marques. Veja: MARQUES, Claudia Lima. A insuficiente proteção do consumidor nas normas de Direito Internacional Privado - da necessidade de uma convenção interamericana (CIDIP) sobre a lei aplicável a alguns contratos e relações de consumo. In: Revista dos Tribunais. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 788, n. 34, abr./jun. 2001, p. 11-56.

183 Se, em matéria civil, a cooperação por meio da carta rogatória é mais antiga e desenvolvida, em matéria

penal, é o oposto. Tiburcio refere que a carta rogatória em civil teve maior aceitação do que em penal, e uma das razões para tanto, seria que a doutrina clássica entende que Judiciário não poderia aplicar Direito Público estrangeiro, só privado. E Direito Penal é Direito Público. “Por isto, a cooperação desenvolveu-se bem na área cível; na criminal, porém, foi relegada ao segundo plano”. In: TIBURCIO, Carmen. A importância da

cooperação entre Estados. Mimeo. p. 1. Disponível em:

<http://www.lfg.com.br/concursos/banca_TRF_2_regiao_2.pdf>, Acesso em: 18 de março de 2011.

184 “For many years, states were required to rely entirely upon traditional letters rogatory, submitted through

diplomatic channels, to gain access to such evidence. However, in our modern age, this method was insufficient to meet the growing demand for speedy and effective assistance, in evidence gathering. Letters rogatory did not provide for the scope of assistance required, nor were they efficient enough to allow for the production of the evidence, within a reasonable period of time. As well, because of fundamental differences between investigative authorities and process in civil and common law states, letters rogatory were in many instances ineffective as between states of a different legal tradition. In the second half of the twentieth century, the need for alternative methods of evidentiary assistance was apparent. The identifiable gaps, combined with the rise of terrorism and transnational organized crime, combined to spur the development of mutual assistance in criminal matters, a new concept for cooperation in evidence gathering. Mutual assistance was ‘an idea whose time had come’”. In: PROST, Kimberly. Breaking Down the Barriers: Inter-national Cooperation in Combating Transnational Crime. Disponível em: <http://www.oas.org/juridico/MLA/en/can/en_can_prost.en.html> Acesso em: 14 jun. 2009.

185 “Surge então naturalmente uma pergunta obrigatória: como se podem amalgamar os aspectos garantistas da

tese restritiva com a necessária solidariedade internacional que inspira a tese ampla? A resposta, a nosso juízo, deve encontrar-se na própria estrutura da interação processual - funcional entre as jurisdições dos diferentes Estados, comprometidos em níveis de assistência penal. (...) Pela sensibilidade dos temas que aborda, a prestação da assistência deve ter como um dos critérios o respeito às máximas garantias individuais. (...) Neste âmbito, interagirá, necessariamente, uma rede de Princípios de eficácia e de garantias. Dentro destes últimos, aqueles de natureza formal e substancial, ou seja, aqueles próprios do processo e também, muito especialmente, os inerentes ao dogma penal, como são: a dignidade da pessoa humana, o da relevância do bem jurídico, o respeito às categorias lógico-objetivo e da culpabilidade”. In: CERVINI, Raúl; TAVARES, Juarez. Princípios de

Cooperação Judicial Penal Internacional no Protocolo do Mercosul. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000,

internacional, o auxílio direto186 foi visto como solução para grande parte dos problemas envolvendo os imperativos de prestação de assistência em moldes adequados187.

Detemo-nos então, neste subcapítulo, no exame específico dos requerimentos de auxílio direto com base legal nos instrumentos internacionais denominados Mutual Legal Assistance Treaty - MLAT188189. Por meio da celebração de tratados nesse formato, tornou-se possível a coordenação formal entre jurisdições para obtenção de elementos e realização de diligências e medidas em um Estado, necessárias ao êxito de procedimento ou processo em curso em outro. Atentos aos graus de fluidez e eficiência da cooperação internacional conquistados com a adoção do modelo concebido no seio de esquema de integração regional190, os países passaram a firmar acordos internacionais nos mesmos moldes também                                                                                                                

186 Denominado Mutual Legal Assistance - MLA request em Idioma inglês, o instituto recebeu a denominação de

“auxílio direto” no Estado brasileiro. É a denominação empregada, v.g., no art. 7º, parágrafo único, da Resolução nº. 9 do STJ; bem como no Anteprojeto de Lei de Cooperação Jurídica Internacional, cuja comissão de elaboração foi instituída pelo Ministério da Justiça em 2004, pela Portaria nº 2.199, de 10 de agosto de 2004, sendo presidida pela então Secretária Nacional de Justiça, Dra. Claudia Chagas, dela fazendo parte integrante Antenor Madruga; Athos Gusmão Carneiro; Carmem Tiburcio; Gilson Dipp; Maria Rosa Guimarães Loula; Marcio Pereira Pinto Garcia; Nadia de Araújo; Walter Nunes Junior, entre outros. Ademais, é a nomenclatura oficial adotada pela Autoridade Central brasileira, o DRCI/SNJ/MJ. Para uma explanação abrangente sobre a trajetória de adoção da nomenclatura no País, ver: LOULA, Maria Rosa Guimarães. Auxílio direto em matéria

civil: novo instrumento brasileiro de cooperação jurídica internacional. Rio de Janeiro: Programa de Pós-

graduação em Direito (UERJ). Tese de Doutorado, 2006, p. 95-99.

187 ARAUJO, Nadia de. Cooperação Jurídica Internacional no Superior Tribunal de Justiça. Comentários à

Resolução no 9/2005. Rio de Janeiro/São Paulo/Recife: Renovar, 2010, p. 12.

188 Identifica-se total pluralidade de termos empregadas pelo Legislador brasileiro – ou, melhor seria, o

“Tradutor” brasileiro? – na titulação de tratados de conteúdo e disciplina semelhantes. “Tratado sobre Cooperação Judiciária em Matéria Penal”, “Acordo de Assistência Jurídica Mútua em Matéria Penal”, “Acordo de Cooperação Judiciária e Assistência Mútua em Matéria Penal", “Acordo de Cooperação Judicial em Matéria Penal” são apenas alguns exemplos de títulos que denotam a inteira confusão entre conceitos distintos. Usa-se indistintamente e, portanto, de modo não acurado, expressões como “cooperação” (gênero) e “assistência” (gênero) e “auxílio mútuo” (espécie); bem como confunde-se o adjetivo “jurídica” (gênero) com “judiciária” (espécie). Chamamos, neste trabalho, os diplomas conforme sua denominação padrão em Língua Inglesa, consagrado nos círculos internacionais: para tratados bilaterais, “Mutual Legal Assistance Treaties – MLATs”, e, para tratados regionais e convenções multilaterais, “acordos contendo disposições sobre Mutual Legal Assistance – MLA”. A eleição dos termos em idioma estrangeiro, embora não seja tecnicamente a mais indicada, visa precipuamente afastar imprecisões e multiplicidade de significados.

189 Com vistas a preservar a delimitação temática, não conferiremos tratamento particular ao recebimento dos

pedidos de auxílio direto com fundamento em promessa de reciprocidade, hipótese que carreia certas peculiaridades, em especial a necessidade de estrita observância – na falta de tratado ou convenção internacional – da lei doméstica do país requerido. Nesse caso, válido referir que a lei doméstica do Estado requerido poderá prever sua aplicação a todos os Estados estrangeiros indistintamente ou tão-somente a alguns previamente designados. Nesse sentido: PROST, Kimberly. Breaking Down the Barriers: inter-national cooperation in

combating transnational crime. Disponível em:

<http://www.oas.org/juridico/MLA/en/can/en_can_prost.en.html> Acesso em: 14 de junho de 2009.

190 A Convenção Europeia de Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal do Conselho da Europa (Convenção de

Estrasburgo), de 1959, foi editada no seio do esquema de integração europeu. Na ocasião, as autoridades europeias já perceberam que a abertura de fronteiras para a formação do mercado comum teria de ser acompanhada, como contrapartida, de esforços para fortalecer mecanismos de segurança pública e justiça. Não obstante a Convenção não fosse específica a tipo de delito e previsse o cumprimento de uma abrangente gama de medidas, incluindo tanto investigações como persecuções, ainda se baseava em pedidos de magistrado para magistrado. Como tal, a legitimidade para formular o pedido seria aceitável em países do Civil Law, mas não do Common Law, em que as investigações são presididas pela Polícia, independentemente do Judiciário. Nesse

nos planos bilaterais191 e multilaterais192. A partir dos idos da década de 90, o modelo tomou forte impulso. Hoje, estão em vigor diversos instrumentos desse tipo, seja em seu formato bilateral, seja em seu formato regional ou multilateral.

Cabe, neste ponto, depurar as características basilares do auxílio direto. Os MLATs e acordos regionais193 e multilaterais contendo disposições sobre MLA idealmente provêm regras do jogo claras, com requisitos transparentes para o cumprimento do pedido de auxílio direto, bem como rol de medidas executáveis pelos signatários. Dentre as características dessa nova espécie de cooperação, salienta-se como principal vantagem a obrigatoriedade do cumprimento do requerimento de assistência, eis que está previsto em tratado ou convenção internacional. Respeitar os compromissos assumidos em sede de tratado ou convenção representa obrigação internacional. É, no jargão do Direito Internacional, vinculativa ou obrigatória (binding)194. Como suas regras estão inseridas dentro de um acordo internacional                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                          

sentido: PROST, Kimberly. Op. Cit.; e KRIZ, George J. International Co-operation to Combat Money Laundering: The Nature and Role of Mutual Legal Assistance Treaties. In: Commonwealth Law Bulletin. Londres: Routledge, v. 18, n. 2, abr. 1992, p. 727.

191 O grande promotor dos tratados bilaterais de assistência mútua em matéria penal foram os Estados Unidos da

América, que, em idos dos anos 70, trouxeram o tema para a mesa de negociações e fecharam seu primeiro tratado bilateral de assistência mútua em matéria penal com a Confederação Helvética. O objetivo principal do acordo era prover uma ferramenta capaz de facilitar a obtenção de documentos protegidos pelas regras de sigilo bancário na Suíça. Depois da celebração do primeiro tratado em 1973, os EUA concluíram diversos acordos desse estilo com vários países do mundo, os quais passaram a ficar conhecidos por sua denominação e sua sigla em Língua Inglesa, respectivamente, Mutual Legal Assistance e MLAT.

192 No plano multilateral, observamos que o modelo tomou impulso por meio dos esforços da Organização das

Nações Unidas no combate, primeiramente, ao tráfico de drogas e, posteriormente, ao crime organizado transnacional e à corrupção. Voltaremos a esse tema em momento oportuno. In: BRASIL. Decreto nº 154, de