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LEGITIMIDADE DAS AUTORIDADES ANTITRUSTE PARA SOLICITAR COOPERAÇÃO COM BASE EM MLATs E ACORDOS DISPONDO SOBRE MLA

nº 3.383. Voto do Rel Min Theori Albino Zavascki Publicado no DJe em 02 de setembro de 2010; e Idem Sentença Estrangeira Contestada nº 4.611 Voto do Rel Min João Otávio de Noronha Publicado no DJ em

26 de junho de 1991 Promulga a Convenção das Nações Unidas contra o Narcotráfico e uso de substâncias

2.5 LEGITIMIDADE DAS AUTORIDADES ANTITRUSTE PARA SOLICITAR COOPERAÇÃO COM BASE EM MLATs E ACORDOS DISPONDO SOBRE MLA

                                                                                                               

250 Arts. 20 e 21 da Lei no 8.884, de 1994; e art. 36 da nova Lei no 12.529, de 2011. Veja BRASIL. Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994. Transforma o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) em Autarquia,

dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8884.htm>. Acesso em: 17 de janeiro de 2012; e Idem. Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011. Estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência; dispõe sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica; altera a Lei no 8.137, de 27 de

dezembro de 1990, o Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal, e a Lei no

7.347, de 24 de julho de 1985; revoga dispositivos da Lei no 8.884, de 11 de junho de 1994, e a Lei no 9.781, de

19 de janeiro de 1999; e dá outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12529.htm>. Acesso em: 17 de janeiro de 2012.

251 “O processo penal-econômico, destinado a apurar e reprimir as infrações à ordem econômica, regido pelo

Título VI da LDC, distingue-se na essência e propósito do procedimento de análise de atos de concentração, objeto do Título VII da Lei de Regência. (...) O processo penal-econômico é, portanto, de natureza tipicamente contenciosa, sujeitando-se aos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa (...); já o procedimento de análise de atos de concentração é voluntário: não há pretensão resistida (ainda quando o ato de concentração seja alvo de objeções de concorrentes ou outros agentes econômicos), não há lide, nem partes, e, muito menos, contraditório, mas apenas um negócio procedimental entre o CADE e os partícipes do ato de concentração.” (FRANCESCHINI, José Inácio Gonzaga. Roteiro do processo penal-econômico na legislação concorrencial. In: Revista do IBRAC. São Paulo: Instituto Brasileiro de Estudos de Concorrência, Consumo e Comércio Internacional 1998, p. 13).

Passemos a analisar então o tema da competência para formular o pedido de auxílio direto. Os MLATs e tratados regionais e convenções multilaterais que contêm disposições sobre MLA firmados pelo Brasil disciplinam acerca das autoridades competentes para requerem a assistência. Desse modo, esses instrumentos contêm rol, que pode ser mais ou menos aberto. De modo geral, possibilita-se que autoridades solicitem medida à jurisdição estrangeira, desde que estejam a cargo de investigações cujos fatos podem redundar em processo criminal na jurisdição nacional. Conforme a redação da disposição correlata, entende-se estarem no rol de autoridades com legitimidade ativa: (i) somente as autoridades do Poder Judiciário e do Ministério Público253; ou (ii) todas as autoridades jurisdicionais responsáveis pela condução de tais procedimentos e processos, sejam as propriamente judiciais, ou as administrativas envolvidas na investigação ou na persecução254, tais como os membros não só do Ministério Público, como também das Polícias, da Receita Federal255 e outras.

No Brasil, a investigação dos crimes contra a ordem econômica é de competência do Ministério Público e das Polícias. Seu julgamento ficará a cargo do Poder Judiciário. Portanto, o parquet e magistrado, e, a depender da redação do tratado e da interpretação conferida pelo Estado requerente, também o delegado de Polícia, possuirão legitimidade ativa na submissão de pedidos de auxílio direto referentes a tais delitos.

Já com referência às autoridades do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, oportuno uma digressão sobre o tema. Tais autoridades são responsáveis pela investigação e pela persecução das infrações administrativas. Portanto, diferentemente de sistemas como o norte-americano, onde o Departamento de Justiça (Department of Justice, doravente “DOJ”)256 é responsável pela condução de casos envolvendo tanto responsabilidade                                                                                                                

253 A título ilustrativo, citamos o Protocolo de San Luís (do Mercosul), que contém rol fechado de autoridades

requerentes. Em seu art. 4o, refere-se somente ao Ministério Público e ao Poder Judiciário, e não ressalva as

diferenças entre sistemas. Veja BRASIL. Decreto nº 3.468, de 17 de maio de 2000. Promulga o Protocolo de

Assistência Jurídica Mútua em Assuntos Penais. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D3468.htm>. Acesso em: 17 de janeiro de 2012.

254 Por exemplo, o art. 4 da Convenção de Nassau estipula que o pedido será formulado por “autoridades

encarregadas da investigação e do julgamento de delitos no Estado requerente” e que se deverá levar em conta “a diversidade dos sistemas jurídicos dos Estados Partes”.

Nossa compreensão diante de tais dispositivo é que tal redação amplia o rol de autoridades competentes para solicitar o auxílio direto. Entendemos, então, que demais autoridades, além dos representantes do Poder Judiciário e dos Ministérios Públicos, poderão solicitar a assistência jurídica, como membros das Polícias e demais autoridades administrativas envolvidas na persecução criminal. Ainda, acreditamos que o diploma, ao ressalvar as diferenças entre sistemas jurídicos, carrega a ambição de afastar compreensões mais restritivas em face da cooperação jurídica, especialmente as sobreviventes nos países da Civil Law, onde certas autoridades ainda estão presas à ótica da cooperação jurídica como canal de comunicação restrito a magistrados.

255 Nesse sentido: SOUZA, Carolina Yumi de. Cooperação Jurídica Internacional em Matéria Penal:

considerações práticas. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais: IBCCRIM. São Paulo: Revista dos Tribunais, a. 71, n. 16, mar./abr. 2008, p. 297-326.

administrativa como penal, tais autoridades não são encarregadas da investigação e do julgamento de delitos criminais. Ao se seguir interpretação bastante estreita, não poderiam, em teoria, atuar os representantes do SBDC como autoridades requerentes em pedidos de cooperação com base em acordos e convenções de cooperação em matéria penal.

De qualquer forma, em se tratando da investigação ou persecução de ato ou fato anticompetitivo para o qual sejam aplicáveis tanto sanções não-criminais como sanções tipicamente criminais, as autoridades antitruste poderiam, sim, lançar mão do instrumento de auxílio direto provido com base em acordos e convenções internacionais em matéria penal. A tese aqui defendida aplica, por analogia, argumento empregado para cumprimento de pedidos com vistas a apurar atos de improbidade administrativa no Brasil.

As práticas consideradas improbidade administrativa, tais como aquelas consideradas infração à concorrência, são atos ilegais que podem gerar a aplicação de cominações nas esferas administrativa, civil e penal257. No entanto, a ação de improbidade administrativa estabelecida na Lei no 8.429, de 1992 (Lei de Improbidade Administrativa), claramente não tem natureza penal, sim civil, conforme pacificado na jurisprudência e na doutrina.

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                         

256 O sistema norte-americano é composto por dois órgãos executivos independentes: a Divisão Antitruste

(Antitrust Division) do DOJ e o a Comissão de Comércio Federal (Federal Trade Commission, doravante “FTC”). De modo distinto do Brasil, em que os órgãos executivos do SBDC são responsáveis tanto por apurar como por julgar a responsabilidade administrativa; nos Estados Unidos, o FTC e o DOJ apuram a responsabilidade civil, enquanto o DOJ isoladamente ocupa-se também de perseguir infrações penais. O DOJ e o FTC submetem o produto de suas investigações aos tribunais judiciais, os quais irão chancelar ou não o entendimento dos órgãos executivos em veredicto final. Veja, nesse sentido: GLOBAL COMPETITION REVIEW. The Handbook of Competition Enforcement Agencies 2011. Londres: GCR, 2011, p. 307-323.

257 Os servidores, no exercício de suas funções, podem cometer infrações nas esferas administrativa, penal e

civil. In: MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 441; e DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2000, p. 472-474. Assim, na esfera administrativa, o infrator poderia submeter-se a um procedimento ou processo administrativo para a imposição de sanções de advertência, suspensão, demissão, cassação, entre outras, conforme a legislação específica aplicável. Na esfera criminal, o servidor poderia ser submetido a processo judicial por crimes de peculato, concussão, corrupção passiva e corrupção ativa, além de outros crimes previstos em legislação penal. Por derradeiro, na esfera civil¸ o infrator poderia se submeter à ação civil de improbidade administrativa para a imposição de sanções como a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade de bens e o ressarcimento ao erário, conforme previsto no art. 37, § 4o, da CF e a Lei no 8.429, de 1992. Conforme já compreendeu o STF, as decisões exaradas nos processos de diferentes esferas podem ser diferentes e até conflitantes entre si, pois cada órgão decisório é independente do outro. A esse respeito, veja:

“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO: CASSAÇÃO DE

APOSENTADORIA: IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ILÍCITO ADMINISTRATIVO E ILÍCITO PENAL: INSTÂNCIA ADMINISTRATIVA: AUTONOMIA. I. - O mandado de segurança pressupõe fatos incontroversos, pelo que não admite dilação probatória. II. - Procedimento administrativo regular, assegurados o contraditório e a ampla defesa. III. - Ilícito administrativo que constitui, também, ilícito penal: o ato de demissão ou de cassação da aposentadoria, após procedimento administrativo regular, não depende da conclusão da ação penal, tendo em vista a autonomia das instâncias. Precedentes do STF: os MS 23.401/DF e 23.242/SP, Min. Carlos Velloso, Plenário, 18.03.02 e 10.04.02; MS 21.294/DF, Min. Sepúlveda Pertence, "DJ" de 21.9.01; MS 21.293/DF, Min. Octavio Gallotti, "DJ" de 28.11.97; os MS 21.545/SP, 21.113/SP e 21.321/DF, Min. Moreira Alves, "DJ" de 02.4.93, 13.3.92 e 18.9.92; MS 22.477/AL, Min. Carlos Velloso, "DJ" de 14.11.97. IV. - R.M.S. improvido.” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso em Mandado de Segurança nº 24.791. Voto do Rel. Min. Carlos Velloso. Publicado no DJ em 11 de junho de 2004).

As autoridades brasileiras responsáveis pela investigação ou julgamento de atos de improbidade, a fim de obterem assistência jurídica de Estados signatários de MLATs e acordos contendo dispositivos sobre MLA, em matéria penal, têm utilizado o argumento de que as condutas descritas na Lei nº 8.429, de 1992, que ensejam a aplicação de sanções administrativas e civis, são as mesmas previstas na legislação penal para tipificar os crimes contra a Administração Pública (Título XI do Código Penal brasileiro). Por essa via, tem-se obtido cooperação tanto por tratados bilaterais, mormente com os Estados Unidos da América258, como por convenções multilaterais, em particular a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção259. Em alguns casos, o fato de já estar instaurada inquérito ou ação penal poderá auxiliar na execução desse pedido260.

Raciocínio análogo se aplicaria aqui às autoridades responsáveis pela investigação e julgamento das infrações administrativas anticoncorrencias: as condutas descritas na Lei nº 8.884, de 1994, bem como na nova Lei no 12.529, de 2011, as quais dão azo a sanções administrativas, constituem as mesmas condutas aludidas pelo legislador na descrição de outros crimes. A investigação de condutas promovida pelo SBDC pode vir a resultar em processo criminal, o que por si justificaria o pedido de auxílio em determinadas situações261.

Facultar a autoridades administrativas a competência de formular pedidos com base em acordos de cooperação jurídica em matéria penal vai ao encontro das mais modernas tendências na matéria. O Acordo de Cooperação Jurídica Mútua entre Estados Unidos da América e União Europeia (Agreement on Mutual Legal Assistance between the United States of America and the European Union) de 2003, por exemplo, estende às autoridades                                                                                                                

258 “O MLAT permite não apenas a cooperação penal, mas também a cooperação civil. As autoridades norte-

americanas, inclusive, têm cumprido os pedidos de auxílio direto oriundos de inquéritos civis que tratam de atos de improbidade administrativa, desde que também configurem crimes abrangidos pela convenção, notadamente a corrupção, peculato e lavagem de dinheiro.” In: MARQUES, Silvio Antonio. Ação Civil de Improbidade

Administrativa e Cooperação Jurídica Internacional. São Paulo: Programa de Pós-graduação em Direito

(PUCRJ). Tese de Doutorado, 2008, p. 271.

259 Nesse sentido, expõe o art. 43(1) e o art. 53, alínea “a” da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção.

In: BRASIL. Decreto nº 5.687, de 31 de janeiro de 2006. Promulga a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Decreto/D5687.htm>. Acesso em: 17 de janeiro de 2012.

260 “Considerando que a cooperação decorrente do MLAT deve ser a mais ampla possível entre os dois Estados,

incluindo-se a proteção às vítimas, o DRCI e o DOJ decidiram, em 2006, aceitar os pedidos de auxílio direto oriundos de inquéritos civis referentes a atos de improbidade administrativa, para fins de obtenção de provas, desde que o mesmo ato também represente um crime (por exemplo, corrupção) que seja objeto de inquérito ou processo criminal no Brasil, cujo número deverá ser declinado nas solicitações. A cooperação internacional, nesse caso, é feita com base em texto de índole penal, mas no ambiente de um procedimento civil.” In: MARQUES, Silvio Antonio. Op. Cit., p. 310.

261 “O pedido de auxílio, em determinadas situações, pode ser justificado na investigação de fato que possa vir a

resultar em processo criminal”. In: LESSA, Luiz Fernando Voss Chagas. A Assistência Direta e a Persecução

Penal Transnacional pelo Ministério Público. Rio de Janeiro: Programa de Pós-graduação em Direito

administrativas nacionais a competência para formularem pedidos de auxílio direto. Para tanto, tais autoridades devem investigar condutas com um viés para a persecução criminal ou condutas que tenham pertinência com outra conduta que poderá ser objeto de investigação criminal ou ser da competência persecutória criminal de outras autoridades262.

De fato, há grande interdependência entre a investigação e a instrução promovidas no âmbito do SBDC, e as promovidas nas atividades encarregadas propriamente da investigação e persecução criminal. Ainda que o julgamento promovido em cada uma das esferas (criminal, penal e administrativa) seja independente das demais, o processo criminal desenvolve-se, nos elementos técnicos, com base nos subsídios do processo administrativo.

Vale lembrar que os pareceres da SDE e o julgamento do Cade constituem prova pericial no processo criminal. Como lembra Vinícius Marques de Carvalho, a circunstância distintiva do antitruste está no fato de que a sua relação com a economia exige que se trabalhe essencialmente com noções econômicas, muitas vezes, mais do que com conceitos jurídicos formais263. Questões de mercado e econométricas, muitas vezes, são de difícil compreensão, e devem estar envolvidas, para que se compreenda a questão. Como em um processo que investiga um homicídio, necessitar-se-á de uma perícia de um médico legista. No processo que investiga o crime contra a ordem econômica, não raro serão necessários elementos da análise dos órgãos do SBDC, cuja expertise supera a de um perito em isolado264.                                                                                                                

262 O artigo 8 do MLAT, entre Estados Unidos e União Europeia de 2003 assim dispõe: “Article 8. 1. Mutual

legal assistance to administrative authorities 1. Mutual legal assistance shall also be afforded to a national administrative authority, investigating conduct with a view to a criminal prosecution of the conduct, or referral of the conduct to criminal investigation or prosecution authorities, pursuant to its specific administrative or regulatory authority to undertake such investigation. Mutual legal assistance may also be afforded to other administrative authorities under such circumstances. Assistance shall not be available for matters in which the administrative authority anticipates that no prosecution or referral, as applicable, will take place.” Com base nesse dispositivo tem se aceitado, por exemplo, que autoridades administrativas antitruste solicitem a cooperação com base em MLAT, mesmo que autoridades responsáveis pela condução da ação penal sejam outras, como o Procureur de la Républic. Veja UNIÃO EUROPEIA. Agreement on mutual legal assistance between the

European Union and the United States of America, de 19 de julho de 2003. Disponível em: <http://eur-

lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:L:2003:181:0034:0042:EN:PDF>. Acesso em: 17 de janeiro de 2012.

263 “Assim, os conceitos tipológicos no direito da concorrência representam o espaço de inter-relação com a

ciência econômica, mediado pela interpretação. Ocorre que os conceitos econômicos dos quais o direito da concorrência se vale também são passíveis de uma avaliação de experiência e de valor. A solução mais correta é construída por meio de um processo interpretativo que, muitas vezes, se vale de conceitos e métodos da análise econômica, mas ainda assim interpretação e não discrição, pois motivado por juízo de legalidade.” In: CARVALHO, Vinícius Marques de. Poder Econômico e defesa da concorrência: reflexões sobre a realidade brasileira. Debates em Direito da Concorrência. Brasília: AGU, 2011, p. 314.

264 “ (...) dificilmente qualquer perito teria melhores condições técnicas para se pronunciar sobre questões

econômicas do que os sete membros do CADE, especialistas na matéria, cuja decisão foi amparada por diversos outros órgãos de Estado (SDE, Seae, AGU e MPF). Assim, é difícil sustentar que a avaliação de um único perito possa substituir qualitativamente a decisão proferida pelo CADE, tendo em vista o procedimento adotado nos processos administrativos de sua competência.” (BRASIL. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Ministério da Justiça. Secretaria de Direito Econômico. Defesa da Concorrência no Judiciário. Brasília: Publicação Oficial, 2010, p. 22).

Talvez um dos exemplos mais claros seja a prova do crime de comercialização de produtos a preços inferiores aos do seu custo (underselling), previsto no art. 4, inc. VI da Lei nº 8.137, de 1990. A figura típica não se caracteriza, em si, pela simples prática de baixo preço. Para que constitua fato indiciariamente delituoso, faz-se imprescindível que o fato integre também elementos subjetivos (dolo específico ou causa final de “impedir a concorrência”) e normativos (que a venda abaixo do custo tenha sentido anticoncorrencial) do tipo265. Para que o aspecto subjetivo do crime seja caracterizado, assim, deve se comprovar que houve de fato intenção de impedir a concorrência, isto é, de prejudicar em efetivo não um concorrente, mas a estrutura competitiva. A comprovação do chamado preço predatório, que não se assemelha ao dumping266, depende de elementos de análise de mercado. Sua analise é complexa, pois a prática de preços baixos é uma estratégia comum do mercado. Deve estar presente a intenção de tirar a concorrência do mercado, de maneira a se ter cautela em sua caracterização267.

Diante das análises até aqui empreendidas, iremos sintetizar nossos entendimentos. Assim, acreditamos que os membros dos órgãos de defesa da concorrência brasileira poderiam formular pedidos de auxílio direto (ou seja, mecanismo de cooperação jurídica) com base:

(i) em tratado bilateral e regional, quando o ato ou fato investigado constituir crime na legislação brasileira – e, excepcionalmente, a depender da existência de requisito de dupla incriminação no tratado respectivo, também na jurisdição requerida; e/ou

(ii) em convenção multilateral, quando o ato ou fato investigado represente crime na legislação brasileira que constitua o objeto do acordo, bem como seja ilícito também tipificado na jurisdição requerida, haja vista o requisito da dupla incriminação de praxe presente nesses instrumentos multilaterais.

                                                                                                               

265 FERRAZ, Tercio Sampaio. Underselling na lei 8137/90 considerações sobre o tipo penal. In: Revista do IBRAC. São Paulo: Instituto Brasileiro de Estudos de Concorrência, Consumo e Comércio Internacional, v. 8, n.

3, p. 140.

266 Conforme Welber Barral, o dumping se configura no momento da exportação de determinado produto e sua

característica é a venda do produto abaixo do preço de mercado. Ler BARRAL, Welber. Dumping, underselling e preço predatório. In: Revista de Direito Econômico. Brasília: CADE, n. 29, jan./jul. 1999, p. 129-135.

267 “ (...) o jogo de preços abaixo do custo é uma estratégia comum que é usada com cautela, pois pode provocar

maiores danos a quem dela faz uso, integrando a margem de risco de um mercado livre. Por essas razões, nos EUA, a Suprema Corte tem negado a presunção de preço predatório a um ‘underselling’ por longos períodos, sendo que a experiência mostra, ao contrario, que, muitas vezes, a denúncia de preço predatório é estratégia do concorrente menos eficiente que vê ameaçada sua participação de mercado”. (FERRAZ, Tercio Sampaio. Underselling na lei 8137/90 considerações sobre o tipo penal. In: Revista do IBRAC. São Paulo: Instituto Brasileiro de Estudos de Concorrência, Consumo e Comércio Internacional, v. 8, n. 3, p. 140-141).

Em qualquer uma das hipóteses, entendemos isso não obstaria eventualmente a possibilidade de o pedido ser formulado pelos órgãos de defesa da concorrência em conjunto com outras autoridades que estariam investigando ou perseguindo os mesmos fatos, como, por exemplo, o membro do Ministério Público. Isso incrementaria ainda mais, acreditamos, a aceitabilidade e executabilidade do pedido, o que ocorre, como já citamos, com as solicitações em matéria de improbidade administrativa.

Vale lembrar que, inobstante os processos e procedimentos referentes a cada uma das esferas de responsabilização serem independentes entre si, é frequente, no processo nacional, situações em que as provas obtidas no processo penal sejam usadas no processo civil ou no processo administrativo. Se essa é a regra para a “prova emprestada” no processo nacional268, cabe indagar, então, qual seria a regra nos documentos obtidos via cooperação internacional. Melhor dizendo: na hipótese em que o pedido fosse formulado por outra autoridade que não o