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A aplicabilidade do DIH é fator determinante na sua diferenciação para com outros ramos do Direito. São quatro as esferas em que se pode verificar como são aplicadas as normas humanitárias: material, temporal, espacial e pessoal.

A respeito do âmbito material, também denominado como âmbito de situação por Swinarski, a aplicação do DIH pode se dar de maneira direta ou indireta. Diretamente, os

81 BORGES, Leonardo Estrela. O Direito Internacional Humanitário: A proteção do indivíduo em tempo de

guerra. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 37-38.

82 SWINARSKI, Christophe. A Norma e a Guerra: palestras sobre direito internacional humanitário. Porto

Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1991, p. 88.

princípios e regras de DIH se aplicam às situações de conflito armado internacional e conflito armado não-internacional. Indiretamente, às situações de distúrbios e tensões internas.84

Um conflito armado internacional é aquele que envolve duas ou mais Altas Partes Contratantes, mesmo que o estado de guerra não seja reconhecido por uma delas. A noção de conflito armado foi ampliada com os Protocolos Adicionais às quatro Convenções de Genebra para abranger os conflitos amparados pelo direito dos povos à autodeterminação, ou seja, quando os povos lutam contra dominação colonial, contra a ocupação estrangeira e contra os regimes racistas. Nesse caso, a aplicação do DIH dá-se de forma direta. O DIH também será aplicado quando houver ocupação total ou parcial de um território, ainda que ela não encontre qualquer resistência militar.85

O DIH também se aplica diretamente aos conflitos armados não-internacionais. Ao analisar esses conflitos, impõe-se abordar a questão da soberania estatal. Num primeiro momento da formação do DIH, este não era aplicado a conflitos internos, porque prevalecia a ideia de que isto significava uma afronta a soberania estatal.

O contexto bélico, no entanto, exige certa imposição da comunidade internacional, pois, como bem pontuado por Cherem, “os Estados, em razão da soberania, ignoram, muitas vezes, os compromissos internacionais assumidos, usando a supremacia do ordenamento interno como justificativa”86.

Na busca pela proteção da pessoa humana de forma integral, a limitação da soberania se faz necessária. Para Swinarski, o DIH:

se trata, da maneira mais óbvia, da autolimitação da soberania estatal, em um quadro tão sensível como é a guerra. E evidente que não existe uma situação que ameace tão diretamente e tão profundamente a própria existência do Estado, sua ordem jurídica e os seus interesses fundamentais, como a do conflito bélico.87

Nesse sentido foi que, em 1949, o artigo 3°, comum às quatro Convenções de Genebra, definiu condições mínimas de humanidade a se garantir em casos de conflitos internos. Apesar desse reconhecimento, não foram estabelecidos requisitos mínimos para caracterizar um conflito armado não-internacional, motivo pelo qual a aplicação do DIH

84 SWINARSKI, Christophe. A Norma e a Guerra: palestras sobre direito internacional humanitário. Porto

Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1991, p. 28-30.

85 BORGES, Leonardo Estrela. O Direito Internacional Humanitário: A proteção do indivíduo em tempo de

guerra. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 42-43.

86 CHEREM, Mônica Teresa Costa Sousa. Direito Internacional Humanitário. 1. ed. v. 6. Curitiba: Juruá,

2003, p. 20.

nessas situações depende do conceito restritivo trazido pelo Protocolo II de 1977 em seu artigo 1°, que define:

Este Protocolo, que desenvolve e complementa o Artigo 3, comum às Convenções de Genebra de 12 de agosto de 1949, sem modificar suas condições de aplicação existentes, deve ser aplicado a todos os conflitos armados não abrangidos pelo artigo 1° do Protocolo Adicional às Convenções de Genebra de 12 de agosto de 1949, relativo à Proteção às Vítimas de Conflitos Armados Internacionais (Protocolo I) e que ocorrem no território de uma Alta Parte Contratante entre suas forças armadas e forças armadas dissidentes ou outros grupos armados organizados que, sob comando responsável, exercem tal controle sobre uma parte do seu território que lhes permite realizar operações militares contínuas e concertadas e implementar este Protocolo. 88

À luz desse artigo e na interpretação de Swinarski, é suficiente que um conflito internacional ocorra dentro do território de um Estado, entre dois grupos identificáveis, sem que um deles exerça domínio sobre parte do território estatal ou tenha capacidade de realizar operações militares contínuas e acordadas.89

A aplicação do DIH aos conflitos armados não-internacionais, portanto, dá-se com observância ao artigo 3° comum às quatro Convenções de Genebra e ao Protocolo Adicional II, assim como às normas imperativas do Direito de Haia.

Já a aplicação material do DIH de forma indireta observa-se em situações de distúrbio interior e tensão interna, que Borges define como “situações em que há atos hostis praticados por certos grupos contra o Estado, ameaçando a população civil, mas cuja violência não é suficiente para caracterizar um conflito armado”. 90

Segundo o artigo 1°, 2, do Protocolo II, a aplicação do DIH nesses casos não seria possível: “O presente Protocolo não se aplica a situações de perturbações internas e tensões, como tumultos, atos de violência esporádicos e outros atos de natureza semelhante, como não sendo conflitos armados.”91

Ocorre que, mesmo não sendo possível a aplicação direta das normas positivadas de DIH, os princípios fundamentais desse direito podem e devem ser observados nesses casos. Nesse sentido é que, ainda que os Estados não se obriguem a aplicar o DIH, o CICV estende a

88 ICRC. International Committee of The Red Cross. Protocols Aditional:to The Geneva Conventions of 12

August 1949, Disponívelem: <https://www.icrc.org/eng/assets/files/other/icrc_002_0321.pdf>. Acesso em: 02 out. 2017. Original em inglês.

89 SWINARSKI, Christophe. A norma e a guerra: palestras sobre direito internacional humanitário. Porto

Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1991, p. 29.

90 BORGES, Leonardo Estrela. O Direito Internacional Humanitário: A proteção do indivíduo em tempo de

guerra. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 44.

aplicação das normas humanitárias aos distúrbios interiores e às tensões internas, baseando suas atividades em seu Estatuto.92

Além do âmbito material, é necessário verificar o âmbito temporal de aplicação do DIH, definindo qual o termo inicial e o termo final de aplicação das normas humanitárias. Swinarski utiliza-se de três categorias de regras: aquelas que se aplicam até o cessar das hostilidades, até que seus objetivos sejam cumpridos ou de maneira permanente.

Quando das situações de beligerância, a aplicação pode se iniciar imediatamente quando há declaração de guerra ou desde o primeiro ataque na ausência dessa declaração. A respeito desse termo inicial, Borges explica:

Nos casos de ocupação como consequência de um conflito armado, aplica-se o DIH desde o primeiro ataque; já nos casos de ocupação sem resistência militar, desde o começo da ocupação. No que se refere às guerras de libertação nacional, as normas são aplicáveis a partir do momento em que as ações atingirem uma intensidade superior àquela exigida para os conflitos não-internacionais, sendo que a autoridade representante do povo que luta pela sua libertação pode comprometer-se com uma declaração unilateral encaminhada ao depositário, a aplicar as Convenções e o Protocolo I, que produzirão imediatamente seus efeitos a partir do recebimento da declaração. Nos casos de guerra civil, exige-se um nível de intensidade mínimo das hostilidades para que haja a necessidade de aplicação das normas de DIH, assim como algumas características materiais que determinam que aquela situação seja, efetivamente, um conflito interno, como certa organização do grupo dissidente, presença de um comandante responsável, controle sobre uma parte do território, etc.93

Indicados os momentos iniciais de aplicação do DIH, é preciso estabelecer quando finda a aplicação desse direito. Os conflitos raramente terminam por uma paz real ou desintegração total como nação soberana, o que dificulta essa análise.

Se houver tratado de paz, a aplicação do DIH termina com esse acordo, contanto que não tenha havido coerção sobre um Estado para firmar ajuste. Se for caso de acordo de cessar-fogo, porém, o fim das operações militares não significará o fim do conflito e, em razão disso, o DIH deve continuar sendo aplicado. Inexistindo tratado, a aplicação do DIH cessará com o término das operações militares em relação às partes em conflito e até o término efetivo da ocupação quanto ao território ocupado. Já no que tange aos conflitos não-

92 COMITÉ INTERNACIONAL DE LA CRUZ ROJA. Derecho internacional humanitario: respuestas a sus

preguntas. Disponível em: <https://www.icrc.org/spa/assets/files/other/icrc_003_0703.pdf>. Acesso em: 16 set. 2017. Original em espanhol.

93 BORGES, Leonardo Estrela. O Direito Internacional Humanitário: A proteção do indivíduo em tempo de

internacionais, segundo disposição do art. 2°, 2, do Protocolo II, a aplicação do DIH cessa ao final do conflito.94

Já quanto às regras que se aplicam até que seus objetivos sejam cumpridos, que Borges define como normas aplicáveis após o término do conflito, Swinarski lembra que os efeitos surtirão de acordo com a finalidade jurídica da norma. O autor traz como exemplo a tarefa de preservar ou de restabelecer vínculos sociais e familiares das vítimas dos conflitos armados, atividade incumbida à Agência Central de Pesquisas, que poderá perdurar por anos após o fim do conflito e exige continuidade na aplicação das normas de DIH.95A aplicação se

estende, igualmente, quando alguns indivíduos permanecem em poder da parte contrária ao final do conflito ou enquanto não obtiverem repatriamento, permanecendo, então, sob a proteção do DIH.96

Finalmente, no âmbito temporal, há normas de aplicação permanente, fundamentadas no compromisso que os Estados têm de difundir as normas humanitárias em tempos de paz.

O terceiro âmbito de aplicação do DIH é o âmbito espacial. O DIH será aplicado em todos os locais alcançados pelas atividades beligerantes, ainda que preparatórias para os atos hostis. Esses locais incluem os espaços aéreo e marítimo, bem como o alto mar e terra de ninguém se estiverem ocupados militarmente. Ainda, no que tange a prisioneiros e à população civil, algumas normas podem ser aplicadas inclusive a territórios de Estados não envolvidos no conflito diretamente.

Sobre a esfera espacial de aplicação do DIH, Borges conclui:

Sua aplicabilidade espacial não se relaciona com a exata localização da pessoa afetada no território do Estado beligerante, sendo o DIH, portanto, aplicado em todo o território do Estado em conflito, e não somente “no contexto geográfico estreito do atual teatro de operações de combate.97

Delineados os âmbitos material, temporal e espacial de aplicação do DIH, passa- se à apreciação do âmbito pessoal de aplicação, que exige uma análise de dois aspectos importantes: a quem cabe aplicar as normas humanitárias e a quem elas se destinam.

94 BORGES, Leonardo Estrela. O Direito Internacional Humanitário: A proteção do indivíduo em tempo de

guerra. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 50-51.

95 SWINARSKI, Christophe. A norma e a guerra: palestras sobre direito internacional humanitário. Porto

Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1991, p. 32.

96 BORGES, op. cit., p. 52. 97 Ibidem, p. 57.

Inicialmente, verifica-se que os Estados são os principais agentes garantidores da aplicação do DIH, uma vez que, como apontado por Borges, foram suas ações que levaram à identificação de certas práticas e à edição de normas que as regulassem, assim como são os próprios Estados que detêm competência para codificar o DIH e, ao manifestar seu consentimento com esses textos normativos, obrigam-se a respeitar e fazer respeitar esse direito, em qualquer circunstância.98

É este o teor do artigo 1°, comum às quatro Convenções de Genebra de 1949: “As Altas Partes Contratantes comprometem-se a respeitar e assegurar o respeito pela presente Convenção em todas as circunstâncias.”99

É certo que os conflitos armados internacionais podem envolver também povos que lutam contra a dominação colonial e a ocupação estrangeira e contra os regimes racistas, no exercício seu direito à autodeterminação, assim como, em conflitos armados não- internacionais, existem grupos não estatais que participam das hostilidades. Ocorre que, muito embora apenas os Estados possam aderir aos tratados, todas as partes em um conflito armado, mesmo não sendo agentes estatais, estão obrigadas ao DIH.100

No caso de movimentos de libertação nacional, observa-se uma faculdade em se obrigar formalmente com o DIH, uma vez que as autoridades representantes dos grupos envolvidos, não signatários de tratados internacionais, podem se comprometer com essas normas por meio de uma declaração unilateral endereçada ao depositário e, a partir de então, assumir os mesmos direitos e obrigações assumidos pelas Altas Partes Contratantes das Convenções e dos Protocolos Adicionais.101

Já quanto aos grupos armados em conflito interno, definidos pelo Protocolo II somente como aqueles que, “sob comando responsável, exercem tal controle sobre uma parte do seu território que lhes permite realizar operações militares contínuas e concertadas e implementar este Protocolo”,102 para que sejam reconhecidos como combatentes e recebam as

prerrogativas do DIH, é necessário que respeitem essas normas: “mesmo sem ter a capacidade

98 BORGES, Leonardo Estrela. O Direito Internacional Humanitário: A proteção do indivíduo em tempo de

guerra. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 60-61.

99 ICRC. International Committee of The Red Cross. Treaties, States Parties and Commentaries. Convention

(I) for the Amelioration of the Condition of the Wounded and Sick in Armed Forces in the Field. Geneva, 12 August 1949. Disponível em: <https://goo.gl/xWS5Xe>. Acesso em: 03 out. 2017. Original em inglês.

100 COMITÉ INTERNACIONAL DE LA CRUZ ROJA. Derecho internacional humanitario: respuestas a sus

preguntas. Disponível em: <https://www.icrc.org/spa/assets/files/other/icrc_003_0703.pdf>. Acesso em: 16 set. 2017. Original em espanhol.

101 ICRC. International Committee of The Red Cross. Protocols Aditional: to The Geneva Conventions of 12

August 1949. Disponível em: <https://www.icrc.org/eng/assets/files/other/icrc_002_0321.pdf>. Acesso em: 02 out. 2017.

internacional plena, por não poderem celebrar tratados, possuem obrigações específicas, sendo que sua própria definição está condicionada à aplicação das disposições do DIH”.103

Igualmente garantidoras do DIH são as organizações de atuação internacional como o CICV e a ONU. O CICV, entidade não-governamental e intermediária neutra entre os beligerantes, obriga-se às normas de DIH porquanto foi fundado para trabalhar pela efetivação desses direitos e, “como promotor e guardião do direito internacional humanitário, procura garantir proteção e assistência às vítimas de conflitos armados, distúrbios internos e demais situações de violência interna.” 104

Já a ONU se obriga a respeitar e a fazer respeitar as normas humanitárias ante o seu propósito de manter a paz e a segurança internacionais, estampado no artigo 1.1 da Carta das Nações Unidas, o que será abordado no próximo capítulo.

No que diz respeito aos beneficiários das normas de DIH, apesar da categorização elaborada pelas quatro Convenções de Genebra de 1949, todos estão inseridos em uma categoria principal: são vítimas dos conflitos armados. Swinarski conceitua:

[...] pode ser “vítima” cada pessoa já afetada ou que possa ser afetada por um conflito armado, seja ela uma pessoa civil (qualquer pessoa que não pertença às forças armadas), ou um combatente, fora de combate por estar ferido, doente ou prisioneiro de guerra. Assim, o termo não traz consigo, nos tratados de Genebra, nenhum tipo de juízo moral ou ético, senão que simplesmente se refere a uma característica de facto da pessoa como protegida pelos regimes jurídicos que regem as diferentes situações de aplicabilidade pessoal em um conflito bélico.105

Nesse sentido, a aplicação pessoal do DIH é reflexo dos princípios abordados anteriormente e se dá em favor da pessoa humana em suas mais variadas condições de vítima, mesmo em face daqueles que já tomaram parte nas hostilidades, porque titular de direitos fundamentais irrenunciáveis, desde que observados os âmbitos temporal, material e espacial de aplicabilidade do DIH. É a expressão de sua finalidade: assegurar a proteção daqueles que estão inseridos num contexto de um conflito armado.

Denota-se que cada uma das quatro Convenções de Genebra rege a proteção de uma categoria específica de vítimas. A primeira Convenção é voltada para os feridos e os doentes, mas refere-se somente a combatentes que deixaram de participar das hostilidades.

103 BORGES, Leonardo Estrela. O Direito Internacional Humanitário: A proteção do indivíduo em tempo de

guerra. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 60-66.

104 COMITÉ INTERNACIONAL DE LA CRUZ ROJA. Derecho internacional humanitario: respuestas a sus

preguntas. Disponível em: <https://www.icrc.org/spa/assets/files/other/icrc_003_0703.pdf>. Acesso em: 16 set. 2017. Original em espanhol.

105 SWINARSKI, Christophe. A norma e a guerra: palestras sobre direito internacional humanitário. Porto

Com a edição do Protocolo I de 1977, no entanto, as diferenças existentes entre a aplicação dessa Convenção para militares e civis foi suprimida.106

A segunda Convenção, por sua vez, é voltada para feridos, doentes e náufragos, mas inseridos no contexto de conflito no mar. Tanto a primeira quanto a segunda Convenção se estendem ao pessoal médico e religioso, bem como às unidades e aos transportes médicos. O Protocolo II confere proteção aos feridos, doentes e náufragos também no âmbito do conflito não internacional.

Já a terceira Convenção visa à proteção dos prisioneiros de guerra e prevê, ainda, a proteção dos jornalistas que, em atividade profissional, encontrem-se inseridos em zona de conflito armado, mesmo que sejam considerados civis. De forma semelhante, ante a ausência de previsão de prisioneiros de guerra no âmbito do conflito não-internacional, o Protocolo II de 1977 dispôs acerca das pessoas privadas de liberdade por motivos relacionados a um conflito bélico, sendo-lhes, então, asseguradas garantias fundamentais análogas às conferidas aos prisioneiros de guerra em conflitos armados internacionais. 107

Ainda no intuito de proteger os beneficiários do DIH, o sistema de Genebra prevê proteção aos bens afetados ou alvos potenciais no conflito. A intenção não é proteger a propriedade privada, mas categorias como unidades sanitárias, hospitais móveis ou centros de transfusão de sangue, bem como bens que compõem o meio ambiente: “Esta proteção procede da convicção de que é necessário pôr fora dos efeitos das hostilidades a certos bens indispensáveis para a sobrevivência das pessoas protegidas e ao desempenho das regras da proteção”.108

A categoria de beneficiários que mais interessa ao presente trabalho, porém, foi contemplada pela quarta Convenção de Genebra de 1949: a população civil. Os não- combatentes, aqueles que não tomam parte nas hostilidades, representam hoje uma parcela imensurável das pessoas atingidas pelos conflitos armados, internacionais ou não.

Cabe citar Borges, quando este descreve a necessidade da inclusão da população civil no rol de protegidos em situações de beligerância:

Na origem do direito internacional humanitário, não há qualquer menção à população civil, pois estava implícita a idéia de que a guerra era algo que só alcançava as forças armadas dos países em conflito. Foi necessário testemunhar o avanço da tecnologia bélica, assim como os sofrimentos pelos quais os civis

106 SWINARSKI, Christophe. A norma e a guerra: palestras sobre direito internacional humanitário. Porto

Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1991, p. 35.

107 Ibidem, p. 36. 108 Ibidem, p. 37.

começaram a passar, para que surgisse a preocupação em se limitar os efeitos danosos dos conflitos armados sobre a população civil.109

Enquanto Borges narra que foi necessário o avanço da tecnologia bélica para que surgisse a preocupação para com a população civil, Mello entende que a proteção dos civis em conflito armado não é novidade, porque observado desde a Idade Média o conceito da “Paz de Deus”.110

Apesar disso, ambos concordam que foi somente em 1949, com a quarta Convenção de Genebra, que houve a formalização de normas destinadas a proteção da população civil.

É evidente que, na forma em que se apresentam os conflitos armados nos últimos séculos, exige-se uma proteção direcionada aos civis: a proporção que os ataques alcançam e o impacto que têm sobre a vida de todas as pessoas inseridas no contexto do conflito são arrasadores. As Guerras Mundiais servem como melhor exemplo:

O comentário que se pode fazer é que as guerras mundiais foram guerras totais, como as guerras locais após a 2ª Guerra Mundial; isto é, a construção jurídica, feita através de séculos, da distinção entre combatente e não-combatente e de que a guerra era exclusiva matéria dos primeiros vai desaparecer. Em cada conflito armado que ocorre o número de civis mortos é cada vez maior em relação aos

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