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internacionais no caso apresentado, é necessário, primeiramente, entender alguns institutos. São eles: assistência humanitária, intervenção humanitária e responsabilidade de proteger.

Inicialmente, é necessário lembrar que a assistência humanitária e a intervenção humanitária são institutos distintos. A assistência humanitária traduz-se principalmente pelo trabalho do CICV, que oferece suporte às vítimas dos conflitos armados de forma imparcial e neutra, sem qualquer discriminação. “É justamente por pautar sua conduta nos princípios da imparcialidade e neutralidade que o CICV consegue desempenhar as tarefas que lhe cabem”.

137 A assistência humanitária se funda no princípio da solidariedade.138

Cherem, grande defensora do CICV e crítica da intervenção humanitária, diz que a assistência humanitária não se relaciona com ações políticas armadas e que o diferencial é que ela também se dá em ocasião de catástrofe natural ou subdesenvolvimento “que leva populações inteiras à miséria absoluta e ao abandono”.139

A atuação do CICV abrange, dentre outras atividades, as seguintes: ajuda às pessoas detidas; assistência à saúde em perigo; ciências forenses e ação humanitária; diplomacia humanitária e comunicação; proteção dos civis; restabelecimento de laços familiares; e prevenção à violência sexual. 140

Cherem sustenta que a relação que se faz entre intervenções e ações humanitárias é equivocada, porque o compromisso com a assistência humanitária não estaria vinculado com as ações puramente intervencionistas. 141

Para entender essas ações intervencionistas, colaciona-se o conceito de intervenção elaborado por Mello:

A intervenção pode ser definida em um sentido amplo como aquela ação em que “um Estado ou grupo de Estados interfere, para impor a sua vontade, nos assuntos internos e externos de outro Estado soberano ou independente, com o qual existam

137 CHEREM, Mônica Teresa Costa Sousa. Direito Internacional Humanitário. 1. ed. v. 6. Curitiba: Juruá,

2003, p. 22.

138 Ibidem, p. 70-71.

139 ZANGHI, apud CHEREM, Mônica Teresa Costa Sousa. Direito Internacional Humanitário. 1. ed. v. 6.

Curitiba: Juruá, 2003, p. 70-71.

140 COMITÊ INTERNACIONAL DA CRUZ VERMELHA. O que fazemos. Disponível em:

<https://www.icrc.org/pt/acoes>. Acesso em: 26 out. 2017.

relações pacíficas e sem o seu consentimento com a finalidade de manter ou alterar um estado de coisas”.142

A intervenção humanitária, nesse sentido, é a interferência armada em um Estado quando verificada a ocorrência de um conflito armado para garantir a aplicação do DIH e assegurar a proteção à pessoa humana inserida nessa situação. Há muito que se ponderar acerca dessa intervenção.

A questão da intervenção humanitária é algo passível de muita discussão, tendo em vista que os Direitos Humanos não pertencem mais a jurisdição doméstica ou domínio reservado dos estados. Entretanto, a sua internacionalização não dá direito a um estado em se erigir em juiz da existência ou não da violação dos direitos humanos, ou em “gendarme” do seu respeito. A própria ONU só pode agir nos casos de ameaça a paz.”143

Inicialmente, a respeito do uso da força, impende destacar que a Carta da ONU prevê, em seu artigo 2.4, que todos os Estados-membros deverão evitar o uso da força em suas relações internacionais. A própria Carta, contudo, traz uma previsão excepcional para o emprego de armas. O artigo 42 do documento, já mencionado, admite o uso da força para a manutenção ou o restabelecimento da paz e da segurança internacionais.144 Essa ação

excepcional, entretanto, só cabe ao CSNU.

Mello lembra que a utilização de força armada deve ser monopólio das organizações internacionais, mas que, ainda assim, não há segurança de imparcialidade, tendo em vista que o CSNU é dominado por poucas grandes potências.145

O emprego da força com propósitos humanitários ganhou destaque a partir da década de 1990, mas foi freado pelo poder do veto no CSNU:

Durante a Guerra Fria, a confrontação ideológica e a geopolítica da bipolaridade revelaram pressões de ambos os lados em favor da intervenção, tanto em situações de conflitos internacionais quanto em conflitos internos. Com o CSNU bloqueado pelo poder de veto, as intervenções ou não ocorriam ou se davam sem o amparo de um mandato conferido pelo Conselho. 146

142 MELLO, Celso Duvivier de Albuquerque. Direitos Humanos e Conflitos Armados. Rio de Janeiro:

Renovar, 1997, p. 45.

143 Ibidem, p. 46.

144 ONU. Nações Unidas no Brasil.Carta da ONU. Disponível em:

<http://unicrio.org.br/img/CartadaONU_VersoInternet.pdf>. Acesso em: 12 out. 2017.

145 MELLO, op. cit., p. 47.

146 BIERRENBACH, Ana Maria. O conceito de responsabilidade de proteger e o direito internacional

Para Cherem, o uso da força para garantia da paz é um paradoxo que perpetua o interesse dessas potências.147 Ela entende que o direito de intervenção é “continuamente

invocado pelos Estados para justificar atitudes nada solidárias” e que a intervenção é erroneamente identificada como ação humanitária.148

Não obstante o posicionamento da autora, é certo que, em casos de violação ao DIH e consequente ameaça à paz e à segurança internacionais, o CSNU poderá intervir para fazer respeitar as normas humanitárias. Isso se verifica também em âmbito de jurisdição doméstica de um Estado. Mello ressalta que só uma decisão do CSNU poderá atingir a jurisdição doméstica dos Estados. 149 Essa medida coercitiva, contudo, gera debates acerca da

violação da soberania estatal.

Nas palavras de Cherem, “o DIH se posiciona na mais delicada das searas estatais: a limitação da soberania, da livre vontade dos Estados”. Segundo ela, os Estados invocam a soberania do ordenamento interno para justificar o descumprimento aos compromissos internacionais assumidos.150

Segundo Bierrenbach, a palavra soberania, na esfera internacional, significa independência. Ela assevera:

Pode-se dizer, então, que a palavra soberania é utilizada não apenas para descrever o relacionamento entre um superior e seus subordinados em um Estado (soberania interna), mas também a relação entre o próprio Estado e os outros Estados (soberania externa). 151

Para Mello, a noção de soberania é histórica e, portanto, relativa, principalmente no que diz respeito à matéria de intervenção.152 O autor que entende que o DIH, ante o ideal

de proteção à pessoa humana que ostenta, proporcionou certa abertura na soberania estatal.153

De acordo com Bierrenbach, no campo dos Direitos Humanos, “a submissão dos Estados a mecanismos de supervisão e monitoramento referentes ao cumprimento de tratados é parte do processo de abdicação de parcela da soberania.” Ela indica que a soberania acaba

147 CHEREM, Mônica Teresa Costa Sousa. Direito Internacional Humanitário. 1. ed. v. 6. Curitiba: Juruá,

2003, p. 84.

148 Ibidem, p. 71-72.

149 MELLO, Celso Duvivier de Albuquerque. Direitos Humanos e Conflitos Armados. Rio de Janeiro:

Renovar, 1997, p. 369.

150 CHEREM, op. cit., p. 19-20.

151 BIERRENBACH, Ana Maria. O conceito de responsabilidade de proteger e o direito internacional

humanitário. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2011, p. 27.

152 MELLO, op. cit., p. 46. 153 Ibidem, p. 369.

por ser limitada pelos próprios Estados quando estes assumem obrigações em tratados internacionais.154

Nesse sentido, ao se considerar a imperatividade do DIH, sua universalidade e a própria natureza das normas humanitárias – que, em parte, regulam meios e métodos da atuação estatal em um conflito armado, com as quais os Estados concordaram quando da ratificação aos tratados –, entende-se que a mitigação da soberania estatal por meio da intervenção para proteção da pessoa humana é possível. Nessa perspectiva:

Para o Embaixador José Augusto Lindgren Alves, a interpretação corrente é de que ao subscrever uma convenção internacional sobre direitos humanos, ao participar de organizações regionais dedicadas ao tema ou mesmo pelo simples fato de integrar-se à ONU - para a qual Declaração Universal dos Direitos Humanos tem a força de jus cogens, como direito costumeiro - os Estados "abdicam de uma parcela da soberania, em seu sentido tradicional, obrigando-se a reconhecer o direito da comunidade internacional de observar e, consequentemente, opinar sobre sua atuação interna, sem contrapartida de vantagens concretas" 155

Exige-se, então, conciliação entre a soberania estatal e a proteção da pessoa humana. Para Weiss, a intervenção humanitária consiste em “medidas coercitivas exercidas por forças militares externas para assegurar o acesso a civis ou a proteção de direitos sem o consentimento das autoridades políticas locais”.156 As medidas coercitivas, portanto,

desvinculam as operações da necessidade do consentimento do Estado.157

Enquanto que, para Cherem, as ações armadas representam a banalização das normas humanitárias e o DIH não deve ser, em qualquer hipótese, argüido como justificativa para uma intervenção,158 Bierrenbach defende que as intervenções armadas com propósitos

humanitários já estariam justificadas pelo próprio Direito Internacional.159

Bierrenbach assevera que as intervenções coletivas, quando autorizadas por um organismo internacional, revestem-se de legitimidade, e elucida:

Em um cenário internacional formado por Estados soberanos, as intervenções são sempre medidas na tensão entre a legitimidade e a legalidade. O que dá ao poder

154 BIERRENBACH, Ana Maria. O conceito de responsabilidade de proteger e o direito internacional

humanitário. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2011, p. 28-30.

155 BIERRENBACH, op. cit., p. 31.

156 WEISS apud BIERRENBACH, op. cit., p. 53.Original em inglês.

157 RODRIGUES apud CHEREM, Mônica Teresa Costa Sousa. Direito Internacional Humanitário. 1. ed. v. 6.

Curitiba: Juruá, 2003, p. 89-90.

158 CHEREM, Mônica Teresa Costa Sousa. Direito Internacional Humanitário. 1. ed. v. 6. Curitiba: Juruá,

2003, p. 85-86

legitimidade é o fato de agir em nome de normas reconhecidas como universais e, dessa forma, preservar valores e instituições que sirvam a todos. 160

Diante da violação das normas humanitárias, portanto, a intervenção é legítima. Bierrenbach acrescenta:

O reconhecimento da legitimidade da preocupação internacional com violações maciças de direitos humanos retoma a tradição jusnaturalista, segundo a qual o homem tem direitos inatos, anteriores a qualquer positivação pelo Estado. A intervenção com propósitos humanitários estaria, assim, justificada. 161

Na sociedade internacional, a ONU, por meio do CSNU, é quem detém legitimidade e monopólio para usar a força.162 E, num cenário em que os conflitos armados

não-internacionais se proliferam e ganham proporções que, sem dúvidas, ameaçam a paz e a segurança internacionais, a intervenção no âmbito doméstico de um Estado é, por vezes, a única solução para assegurar o DIH.

Como bem pontua Mello, “A guerra interna é a guerra moderna. A própria ONU cada vez mais recebe apelos para agir nesse caso”.163 Esse apelo direcionado à ONU se dá

porque, quando o Estado não é capaz de proteger seus cidadãos – ou, em pior caso, quando é ele quem os fere –, a responsabilidade de protegê-los recai sobre a comunidade internacional.164

Este é outro instituto a ser entendido: a responsabilidade de proteger. A conciliação entre a proteção da pessoa humana e a soberania, referida anteriormente, deu causa à afirmação desse conceito pela Comissão Internacional sobre Intervenção e Soberania Estatal (ICISS, na sigla em inglês), que, em 2001, emitiu relatório sobre o tema.

O conceito de responsabilidade de proteger foi formalmente reconhecido pela comunidade internacional durante a Cúpula Mundial de 2005. O Documento Final da cúpula faz referências expressas ao conceito da responsabilidade de proteger em seus parágrafos 138 e 139. O parágrafo 138 indica a responsabilidade primária dos Estados:

138. Cada Estado tem a responsabilidade de proteger suas populações de genocídio, crimes de guerra, limpeza étnica e crimes contra a humanidade. Este A responsabilidade implica a prevenção de tais crimes, incluindo a sua incitação,

160 BIERRENBACH, Ana Maria. O conceito de responsabilidade de proteger e o direito internacional

humanitário. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2011, p. 45.

161 Ibidem, p. 24. 162 Ibidem, p. 45.

163 MELLO, Celso Duvivier de Albuquerque. Direitos Humanos e Conflitos Armados. Rio de Janeiro:

Renovar, 1997, p. 369.

através de meios apropriados e necessários. Aceitamos essa responsabilidade e agiremos de acordo com isso. A comunidade internacional deve, conforme o caso, incentivar e ajudar os Estados a exercer essa responsabilidade e apoiar as Nações Unidas no estabelecimento de uma capacidade de alerta precoce.165

Já o artigo 139 indica a responsabilidade secundária da comunidade internacional:

139. A comunidade internacional, através das Nações Unidas, também tem a responsabilidade de usar meios diplomáticos, humanitários e outros meios pacíficos adequados, de acordo com os Capítulos VI e VIII da Carta, para ajudar a proteger populações de genocídio, crimes de guerra, limpeza étnica e crimes contra humanidade. Neste contexto, estamos preparados para tomar medidas coletivas, em tempo hábil e maneira decisiva, através do Conselho de Segurança, de acordo com a Carta, incluindo o Capítulo VII, conforme cada caso e em cooperação com organizações regionais, conforme apropriado, se os meios pacíficos forem inadequados e as autoridades nacionais estão manifestamente impedindo de proteger suas populações genocídio, crimes de guerra, limpeza étnica e crimes contra a humanidade. Nós enfatizamos a necessidade de a Assembléia Geral continuar a considerar a responsabilidade de proteger as populações do genocídio, crimes de guerra, limpeza étnica e crimes contra humanidade e suas implicações considerando os princípios da Carta e da lei internacional. Também pretendemos comprometer- nos, conforme necessário e apropriado, para ajudar os Estados a criar capacidade para proteger suas populações contra o genocídio, a guerra crimes, limpeza étnica e crimes contra a humanidade e para ajudar aqueles que estão sob estresse antes que crises e conflitos iniciem.166

Durante a Assembléia-Geral do Milênio, em 2000, o primeiro-ministro canadense Jean Chrétien anunciou o estabelecimento da ICISS para a elaboração de um “novo consenso internacional sobre como responder a violações maciças dos direitos humanos e do DIH.”167

Sobreveio o relatório de 2001, que abordou a intervenção humanitária como uma das questões mais controvertidas das relações internacionais. Bierrenbach lembra que, apesar da contradição aparente entre os termos “intervenção” e “humanitária”, a expressão foi mantida porque já bastante empregada nos meios políticos e acadêmicos.168

Inicialmente, destacam-se os dois princípios atribuídos à responsabilidade de proteger pelo relatório do ICISS: a soberania estatal implica responsabilidade, e a responsabilidade primária pela proteção do povo recai sobre seu próprio Estado; e, onde uma população estiver sofrendo danos graves, como resultado de guerra interna, insurgência, repressão ou falha do Estado, e o Estado em questão não estiver disposto ou não puder parar

165 UNITED NATIONS.Resolution adopted by the General Assembly on 16 September 2005. Disponível em:

<https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/N05/487/60/PDF/N0548760.pdf?OpenElement>. Acesso em: 08 nov. 2017. Original em inglês.

166 Ibidem.

167 BIERRENBACH, Ana Maria. O conceito de responsabilidade de proteger e o direito internacional

humanitário. Brasília: FundaçãoAlexandre de Gusmão, 2011, p. 129.

ou evitar a situação, o princípio da não intervenção dá lugar à responsabilidade internacional de proteger.169

Isso significa que, sempre que um Estado, por incapacidade ou indiferença, deixar de proteger seu povo, essa responsabilidade é transferida à comunidade internacional. Na percepção de Tesón, o não-intervencionismo é coisa do passado e a intervenção é um dever moral de resgatar o outro.170 Bierrenbach explica a nova caracterização dada à soberania a

partir do relatório do ICISS:

Tal como formulado no relatório, o conceito implica a nova caracterização da soberania, cujo foco passa do controle para a responsabilidade. O Estado passa a ser considerado responsável pela vida, pela segurança e pelo bem-estar dos cidadãos. As autoridades nacionais teriam a responsabilidade primária de proteger os direitos fundamentais da população que se encontra em seu território. Aos três elementos básicos de um Estado soberano, desde Vestfália – autoridade, território e população –, seria acrescido um quarto: o respeito aos direitos fundamentais. O exercício dessa responsabilidade passa a ser, justamente, o fundamento maior da soberania.171

A responsabilidade de proteger, segundo o relatório, abrange três categorias específicas: a responsabilidade de prevenir, a responsabilidade de reagir e a responsabilidade de reconstruir. A responsabilidade de prevenir consiste em resolver as causas originárias de um conflito interno que coloca a população em risco. A responsabilidade de reconstruir significa fornecer assistência total com recuperação, reconstrução e reconciliação, particularmente após uma intervenção militar.172

Mas é a responsabilidade de reagir que merece destaque neste trabalho, porque diz respeito à responsabilidade de responder nas situações em que se exige proteção humana e que as medidas preventivas não são suficientes. As medidas coercitivas de reação incluem medidas políticas, econômicas, judiciais e, em casos excepcionais e extremos, medidas militares.173

Bierrenbach salienta que o recurso à ação militar constitui o aspecto mais polêmico do relatório e que a comissão buscou limitar a intervenção militar e cercá-la de

169 ICISS. International Commission On Intervention And State Sovereignty.The Responsibility to Protect:

Report of the International Commission on Intervention and State Sovereignty.Ottawa: International Development Research Centrem 2001, p. XI. Original em inglês.

170 BIERRENBACH, Ana Maria. O conceito de responsabilidade de proteger e o direito internacional

humanitário. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2011, p. 57.

171 Ibidem, p. 129-130. 172 ICISS, op. cit. 173 Ibidem, p. XI.

garantias, definindo critérios como autoridade competente, justa causa, intenção correta, último recurso, meios proporcionais e prospectos razoáveis. 174

As circunstâncias excepcionais que justificariam a intervenção humanitária seriam casos que “chocariam a consciência da humanidade ou que representariam claro perigo à segurança internacional.”175 São elas: perda de vida em grande escala, real ou previsível, com

intenção genocida ou não, que seja produto de uma ação estatal deliberada, negligência ou incapacidade de atuação ou seu colapso; ou limpeza étnica em grande escala, real ou previsível, levada a feito por homicídio, expulsão forçada, atos de terror ou estupro.176

Diante desses casos, ausente a iniciativa do Estado, recai sobre a comunidade internacional, de forma subsidiária, a responsabilidade de proteger a população que sofre em decorrência das hostilidades e desrespeito à pessoa humana, podendo fazê-lo por intervenção armada, o que, como já dito, é atribuição do CSNU.

De forma sintética, Bierrenbach define o objetivo da responsabilidade de proteger como permitir “a intervenção da comunidade internacional na jurisdição de um Estado, em bases legais e legítimas, em situações nas quais o Estado não tenha querido ou não tenha sido capaz de coibir e punir a prática dos crimes de genocídio, de limpeza étnica, de guerra e contra a humanidade”.177

As referidas hipóteses – crimes de genocídio, de limpeza étnica, de guerra ou contra a humanidade – são aquelas aceitas pelos Estados-membros das ONU para a aplicação do princípio da responsabilidade de proteger.178

Diante de todo o exposto, percebe-se que, apesar das controvérsias acerca do termo, a intervenção humanitária é cabível nos casos elencados de violação do DIH e é responsabilidade do CSNU proteger a população de um Estado soberano quando este não cumpre seu papel primário de protegê-los.

Em 2012, já durante o curso do conflito interno na Síria, o Secretário-Geral da ONU, Ban Ki-moon reafirmou a urgência da responsabilidade de proteger, e mencionou tragédias como o Holocausto, os campos de morte do Camboja, os genocídios em Ruanda e

174 BIERRENBACH, Ana Maria. O conceito de responsabilidade de proteger e o direito internacional

humanitário. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2011, p. 131-133.

175 Ibidem, p. 131.

176 ICISS. International Commission On Intervention And State Sovereignty. The Responsibility to Protect:

Report of the International Commission on Intervention and State Sovereignty.Ottawa: International Development Research Centre, 2001, p. 32. Original em inglês.

177 BIERRENBACH, op. cit., p. 200. 178 Ibidem, p. 164.

Srebrenica para relembrar o fracasso de Estados individuais em viver de acordo com as suas responsabilidades de proteção.179

Resta saber se, com os desníveis de poder no CSNU, que determina quando e onde serão realizadas as intervenções humanitárias e pauta-se por interesses que divergem de considerações de natureza moral 180, a situação na Síria foi apreciada e como se deu a atuação

do órgão no exercício de sua responsabilidade subsidiária de proteger.

179 ONU. Nações Unidas no Brasil. Funcionários da ONU reafirmam urgência da ‘Responsabilidade de

Proteger’ quando governos falham. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/funcionarios-da-onu- reafirmam-urgencia-da-responsabilidade-de-proteger-quando-governos-falham/>. Acesso em: 21 out. 2017

180 BIERRENBACH, Ana Maria. O conceito de responsabilidade de proteger e o direito internacional

4 O CONFLITO NA SÍRIA E O CONSELHO DE SEGURANÇA

Considerada a maior e mais complexa crise humanitária do mundo, a guerra na Síria entrou em seu sétimo ano e não demonstra sinais de que está próxima do fim. Cidades se transformaram em campos de batalha e o país tornou-se palco de inúmeras violações do DIH.

Foi durante o governo de Bashar al-Assad que os sírios testemunharam a devastação de seu país, que conquistou independência somente em 1946. Destaca-se que a Síria alinhou-se ao lado soviético no período da Guerra Fria, o que refletiu em suas relações interestatais desde o início da história política do país. Mas, dado o enfoque do presente trabalho, far-se-á um corte temporal na história síria para o momento em que Bashar al-Assad assumiu a presidência do país em 2000. Para uma breve contextualização histórica e política

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