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Aplicabilidade do princípio da insignificância aos casos concretos nos crimes de

Aqueles que defendem a aplicabilidade do princípio da insignificância, alegam que assim como o direito penal possui hipóteses de exclusão de ilicitude não previstas em lei, o princípio da insignificância pode e deve sim ser utilizado, já que a norma escrita não é capaz de

abranger todas as hipóteses, e esgotar assim todo o direito, estando assim, o princípio da insignificância implícito, afastando o princípio da legalidade que alguns sustentam.

Quanto ao princípio da obrigatoriedade, que rege que o órgão do Ministério Público é obrigado a oferecer denúncia para análise do judiciário, há controvérsias quando de objeto de bagatela. Por tratar-se de algo insignificante afasta a tipicidade, segundo José Henrique Guaracy Rêbelo ( 2000, s.p.):

Não é correta a afirmação, porque, ao se deparar com uma situação a merecer a incidência do princípio da insignificância, deve o Promotor de justiça requerer o arquivamento do inquérito policial, haja vista não constituir crime o fato narrado nos autos, na medida em que a falta de tipicidade material leva à ausência da própria tipicidade. Se não existe tipicidade, não se pode falar em fato típico. Se não há fato típico, não subsiste a própria infração penal. Insistindo o Ministério Público em oferecimento da denúncia em caos tais, caberia ao Juiz de direito a sua imediata rejeição, a teor da prescrição do art. 43, I, do CPP.

Muitos doutrinadores falam em proteção as lesões de direitos que, apesar de não serem tão relevantes, seriam atingidos, e assim desprotegidos pelo ordenamento. Nessa questão, em relação a este tema, rebate tal posicionamento o jurista Carlos Vico Mañas (apud MACHADO, 2000, s.p.), analisando o princípio da insignificância como excludente de tipicidade no direito penal:

Tal temor é fruto, antes de mais nada, do desconhecimento da natureza fragmentária e subsidiária do direito penal. Não se propõe que as condutas lesivas de pouca relevância passem a ser consideradas lícitas. A idéia, ao contrário, é retirá-las da área de influência do direito penal, transferindo a solução do problema para outros ramos do ordenamento ou mesmo outros instrumentos de controle social. Evita-se que em determinados casos, os custos sociais decorrentes da manutenção da incriminação e da consequente necessidade de sua persecução penal resultem superiores aos eventuais benefícios para a coletividade. Restringindo a competência da justiça criminal, com a eliminação da sobrecarga de trabalho representada pelo excessivo número de casos relativos a delitos de bagatela, é possível obter efetiva tutela jurisdicional em relação aos casos graves. (1994, s.p.)

Outros Juristas se posicionam de forma mais cautelosa sobre o assunto, como Passos de Freitas, quando se manifesta sobre a aplicação do princípio da insignificância:

Tratando especificamente da proteção ambiental, a primeira indagação que deve ser feita é se existe lesão que possa ser considerada insignificante. A resposta a tal pergunta deve ser positiva, mas com cautela. Não basta que a pouca valia esteja no juízo subjetivo do juiz. É preciso que fique demonstrada no caso concreto. É dizer, o magistrado, para rejeitar uma denúncia ou absolver o acusado, deverá explicar, no caso concreto, por que a infração não tem significado. (2006, p. 44)

Há também quem se manifesta em contrário, por entender que a aplicação do princípio da insignificância não cabe aos crimes ambientais, por não encontrarem amparo legal e o direito ambiental conter o princípio da precaução, como relatado em Mirra (2001, s.p.).

A jurisprudência em relação a aplicabilidade do princípio da insignificância é bem contraditória, não há consenso sequer dentro de um mesmo Tribunal. Algumas câmaras aceitam sua aplicação e outras são contra. Para ilustrar a aplicabilidade nos casos concretos do crime de pesca, vejamos alguns julgados em matéria ambiental pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. A seguir veremos uma decisão a favor da aplicabilidade.

EMBARGOS INFRINGENTES. CRIME AMBIENTAL. PESCA PROIBIDA.

PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE, NO CASO

CONCRETO. EMBARGOS ACOLHIDOS, EM FACE DO EMPATE NO JULGAMENTO. (RIO GRANDE DO SUL, 2014).

No próximo julgado vemos uma decisão contra a aplicabilidade do princípio da insignificância, pois entende o julgador que o princípio não é aplicável ao caso concreto em questão:

A APELAÇÕES CRIMINAIS. CRIMES CONTRA O MEIO AMBIENTE. PESCA

EM PERÍODO PROIBIDO E CAÇA DE ANIMAL SILVESTRE.

MATERIALIDADE. DESNECESSIDADE DE REALIZAÇÃO DE LAUDO PERICIAL COMPROVANDO O DANO AMBIENTAL OCASIONADO. AUTORIA COMPROVADA PELA CONFISSÃO OPERADA NA ESFERA JUDICIAL. TESES EXCLUDENTES DE ILICITUDE FUNDAMENTADAS NO ERRO DE PROIBIÇÃO, NO ESTADO DE NECESSIDADE E NA APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA QUE MERECEM SER AFASTADAS. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA CONDENATÓRIA E DA DOSIMETRIA DA PENA OPERADA PELO JUÍZO SINGULAR. APLICAÇÃO DO VERBETE Nº 231 DA SÚMULA DO STJ. PENA DE MULTA FIXADA NO MÍNIMO LEGAL E EM OBSERVÂNCIA AO PRECEITUADO NOS TIPOS PENAIS INFRINGIDOS PELOS APELANTES. ALEGAÇÃO DE BIS IN IDEM DECORRENTE DO ACORDO DE DOAÇÃO FIRMADO NA ESFERA ADMINISTRATIVA (TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA) E PELA DETERMINAÇÃO DE PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA À ENTIDADE BENEFICENTE, EXTRAÍDA DA SENTENÇA CRIMINAL, QUE NÃO MERECE ACOLHIMENTO. A materialidade dos crimes tipificados nos artigos 29, caput e 34, caput, ambos da Lei dos Crimes Ambientais restou amplamente comprovada nos autos, porquanto atestado pela incineração de duas capivaras, pesando 43,3Kg e 7,10Kg de peixes da espécie Jundiá, pelo que se afigura desnecessária a feitura de laudo técnico para avaliar o efetivo dano ambiental. No caso, evidenciado na probatória que os apelantes efetuaram pesca em período de piracema, bem como realizaram caça de animal cuja espécime é considerada silvestre, não havendo falar em ausência de materialidade no caso em tela. Já a autoria restou positivada pela confissão dos apelantes operada em juízo, bem como pela prova testemunhal coligida. Não acolhida da tese de erro de proibição inevitável, prevista no artigo 21 do Código Penal, porquanto o desconhecimento da

lei é inescusável, especialmente se for levado em consideração que trata de dano ao meio ambiente. No mesmo passo não deve ser reconhecida a excludente de ilicitude prevista no artigo 37 da Lei dos Crimes Ambientais, tendo em vista a ausência de comprovação, por parte dos apelantes, de que a caça e a pesca destinavam-se as suas subsistências ou de suas famílias. No que refere à aplicação do princípio da insignificância melhor sorte não socorre aos apelantes, pois a agressão ambiental ocasionada com a caça predatória e a pesca em período da piracema atinge toda a coletividade, bem como as gerações futuras, não havendo como calcular o dano ocasionado. Apenamentos fixados pelo juízo singular que não merecem qualquer reparo, tendo em vista que não se apresenta possível a redução aquém do mínimo legal previsto nos artigos 29, caput e 34, caput, ambos da Lei nº 9.605/98 ante o reconhecimento das atenuantes previstas no Código Penal e na Lei Especial (artigo 65, inciso III, alínea "d" e artigo 14). Aplicação do Verbete nº 231 da Súmula do STJ. As sanções pecuniárias previstas para os crimes em comento são cumulativas com as penas privativas de liberdade por tal razão, devem ser mantidas, notadamente quanto evidenciado que foram fixadas no mínimo legal, em observância ao preceituado pelo artigo 49 do Código Penal. Imperativo o afastamento da alegação de bis in idem no que refere ao pagamento da doação acordada no termo de ajustamento de conduta na esfera administrativa, com o pagamento de determinado valor pecuniário à entidade beneficente, oriundo do apenamento fixado pelo juízo criminal, especialmente se for levado em consideração o fato de que dita condenação veio a substituir a pena privativa de liberdade fixada aos réus, em razão do cometimento de crimes contra a fauna. APELAÇÕES DESPROVIDAS POR MAIORIA. (RIO GRANDE DO SUL, 2011). [grifo do autor]

Neste caso houve termo de ajustamento de conduta, o que caracteriza uma culpabilidade e ainda houve confissão do réu. Procedimentos que dispensam realização de perícia para a comprovação dos danos, vez que os animais foram apreendidos e incinerados, comprovando que não é possível aplicar o princípio da insignificância nem abrandar penas.

A seguir veremos dois julgados no Tribunal Regional Federal da 4° Região, onde também não há consenso. No primeiro, um acórdão da oitava turma a favor da aplicabilidade do princípio:

PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. CRIME AMBIENTAL. ARTIGO 34 DA LEI Nº 9.605/98. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE.

1. É possível a aplicação do princípio da insignificância aos crimes ambientais. 2. Verificadas as circunstâncias específicas do caso concreto, justificada a incidência do princípio da insignificância. (BRASIL, 2015)

Denota-se na decisão acima, que o julgador frisou a incidência do dispositivo em razão de dadas circunstâncias específicas, o que demonstra que não é a regra, mas é um caso de exceção. No segundo caso abaixo, um julgado em desfavor da inaplicabilidade da bagatela:

AGRAVO REGIMENTAL. DECISÃO QUE INDEFERIU LIMINARMENTE PEDIDO DE HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. PESCA EM LOCAL PROIBIDO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA JURÍDICA.

INAPLICABILIDADE. PRETENSÃO QUE CONFRONTA JURISPRUDÊNCIA PACIFICADA NAS TURMAS CRIMINAIS DO TRIBUNAL. MANIFESTA INADMISSIBILIDADE. IMPROVIMENTO.

1. Agravo regimental interposto em face de decisão que indeferiu liminarmente o pedido de habeas corpus por manifesta inadmissibilidade ao confrontar jurisprudência unificada neste Regional.

2. O trancamento da ação penal, mediante a impetração do mandamus, sem necessidade de exame do conjunto probatório, faz-se possível, em caráter excepcional, se vier a ser demonstrada, de plano, a ausência de justa causa, consubstanciada na inexistência de elementos indiciários demonstrativos da autoria e da materialidade do delito, na atipicidade da conduta e na presença de alguma causa excludente da punibilidade, ou, ainda, se inepta a denúncia.

3. Esta Corte tem decidido que, em princípio, as infrações penais ambientais não admitem a aplicação da teoria destipificante, pois o bem jurídico agredido é o ecossistema, constitucionalmente tutelado pelo artigo 225 da CF/88, cuja relevância não pode ser mensurada. Assim, são muitas as razões apontadas pelos especialistas e pela doutrina a não permitirem a aplicação da bagatela jurídica, seja porque o meio ambiente é bem jurídico de titularidade difusa, seja porque as condutas que revelam referidos crimes assumem uma potencialidade lesiva que se protrai no tempo e pode afetar as gerações futuras. Não olvidando também que as violações ao meio ambiente, por menores que sejam, revelam-se demais preocupantes, na medida em que o aumento da destruição é proporcionalmente maior de acordo com o crescimento da população, tornando-se cada vez mais difícil o controle, motivo pelo qual é inadmissível a transigência, devendo-se cobrar de todos a máxima preservação.

4. A conduta delituosa de pescar em período de defeso ou em local interditado por órgão competente, como uma intervenção humana indevida e inapropriada, caracteriza pesca predatória, acarretando sérios danos à reprodução das espécies e culminando por lesionar, em cadeia, todo o ecossistema. Se há regras emitidas proibindo a pesca em determinado período e local, ou mediante a utilização de petrechos específicos, ou em determinado número, é porque tais condutas são capazes de gerar sérios danos à fauna e flora aquáticas, de modo que relevantes ao direito penal, inaplicando-se-lhes o princípio da insignificância jurídica.

5. Precedentes pacíficos de ambas as Turmas Criminais deste Tribunal Regional Federal.

6. Agravo regimental ao qual se nega provimento, mantendo-se hígida a decisão monocrática impugnada por seus próprios fundamentos. (BRASIL, 2016). [grifo do autor]

Do julgado acima proferido, percebe-se que há referência a jurisprudência pacificada naquele órgão. No entanto, o caso exposto não é uma exceção, como o anterior, o que faz concluir que de maneira geral, não tem se admitido a aplicação do princípio.

Apesar de não haver um consenso na aplicação sobre a matéria, é preciso alertar que cada caso é um caso, sendo que outros tribunais também não julgam de forma unânime. Ao analisar as decisões do Supremo Tribunal de Justiça percebe-se que já vem julgando de forma mais uniforme, mas ainda não pacificada, sobre a aplicação do mencionado princípio, aos crimes da pesca. O que se extrai da decisão colacionada:

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PENAL. CRIME DE PESCA COM PETRECHO NÃO PERMITIDO. ART. 34, PARÁGRAFO ÚNICO, INCISO

II, DA LEI N.º 9.605/98. PEDIDO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. ANÁLISE DO CASO CONCRETO. IRRELEVÂNCIA PENAL DA CONDUTA. RECURSO PROVIDO. 1. A aplicação do princípio da insignificância nos crimes contra o meio ambiente, reconhecendo-se a atipicidade material do fato, é restrita aos casos onde e a conduta do agente expressa pequena reprovabilidade e irrelevante periculosidade social. Afinal, o bem jurídico tutelado é a proteção ao meio ambiente, direito de natureza difusa assegurado pela Constituição Federal, que conferiu especial relevo à questão ambiental. 2. Verifica-se que se insere na concepção doutrinária e jurisprudencial de crime de bagatela a conduta do Recorrente - sem antecedentes criminais, a quem não se atribuiu a pesca profissional ou reiteração de conduta -, que não ocasionou expressiva lesão ao bem jurídico tutelado, já que foi apreendido apenas petrecho (rede), sem, contudo, nenhum espécime ter sido retirado do local, o que afasta a incidência da norma penal. 3. Recurso ordinário provido para, aplicando-se o princípio da insignificância, determinar o trancamento da Ação Penal n.º 5003126- 41.2012.404.7101. (BRASIL, 2013)

Neste mesmo sentido:

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PENAL. CRIME DE PESCA EM LOCAL PROIBIDO. ART. 34, CAPUT, LEI 9.605/ 1998. PESCA EM LOCAL PROIBIDO. PEDIDO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. IRRELEVÂNCIA PENAL DA CONDUTA. RECURSO PROVIDO. 1. Recorrente foi denunciado como incursos nas sanções do art. 34, caput, da Lei n. 9.605/1998, porque teria sido, em 20 de abril de 2012, surpreendido por Policiais Militares do meio ambiente pescando em local proibido pela Portaria IEF n.º 129, de 10 de setembro de 2004, publicado no Diário do Executivo - Minas Gerais, em 11 de setembro de 2004; 2. Nessa ocasião, o Recorrente já havia pescado 10 (dez) peixes, conhecidos popularmente como lambari, totalizando 240 (duzentos e quarenta) gramas de pescado, apreendidos e, posteriormente, descartados. 3. A aplicação do princípio da insignificância nos crimes contra o meio ambiente, reconhecendo-se a atipicidade material do fato, é restrita aos casos onde e a conduta do agente expressa pequena reprovabilidade e irrelevante periculosidade social. Afinal, o bem jurídico tutelado é a proteção ao meio ambiente, direito de natureza difusa assegurado pela Constituição Federal, que conferiu especial relevo à questão ambiental. 4. Verifica-se que se insere na concepção doutrinária e jurisprudencial de crime de bagatela a conduta do Recorrente, surpreendido em atividade de pesca com apenas uma vara de pescar retrátil e 240 (duzentos e quarenta) gramas de peixe. 5. Recurso ordinário provido para, aplicando-se o princípio da insignificância, determinar o trancamento da Ação Penal n.º 0056.12.012562-2. (BRASIL, 2013)

Do acima exposto, denota-se que, de uma forma geral, doutrinadores e jurisprudencialistas, tendem a criminalizar as condutas contra o meio ambiente. Apesar da maioria defender que não pode ser aplicado o princípio da insignificância quando se trata de bem jurídico tão relevante a sobrevivência do planeta, uma minoria está conseguindo adeptos nos posicionamentos e nas decisões judiciais quando comprovada a exceção do fato. Sendo ínfima a lesão e de possível reparação, tem-se conseguido aplicação do princípio da bagatela na esfera criminal e consequentemente a incidência da bagatela em casos específicos, situações que são coerentes aos casos práticos onde não houve consumação ou lesão relevante. Entendo lógica essa

assertiva, vez que diversos pescadores artesanais sobrevivem da pesca e podem vir a cometer pequenos delitos ambientais por pura desinformação ou desconhecimento de normas legais.

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