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A ARQUITETURA NA FICÇÃO CIENTÍFICA

5. Apocalíptico

A ligação do sublime ao apocalíptico está presente, parece-nos, de for- ma mais ou menos explícita, em, entre outros pensadores, Burke e Kant. Referimo-nos aqui, particularmente, às situações em que são evocadas as fúrias da natureza, com a sua força indomável, ou a ira divina, com a sua potência escatológica. Este apocalíptico, na sua dimensão visual, aproxima- -se necessariamente daquilo que podemos designar como estética da ruína, quer remeta esta para o tecnológico, para o humano, para o religioso ou para o bíblico. A seu propósito podemos evocar tanto a hubris catastrófica como a falência semiótica: nestas circunstâncias tornamo-nos seres incapa-

zes de lidar paisagens que nos mostram a carência de sentido de qualquer projeto. A teleologia é devastada, a sinalética é arrasada.

Os cenários apocalípticos podemos vê-los como lugares distópicos, que tanto podem remeter para a sobrelotação como para a extinção, para a aniquila- ção como para a híper-potencialização. Mas, se a perceção imediata liga, naturalmente, o apocalíptico ao pesadelo ou à penúria, uma segunda obser- vação permite entrever uma promessa de recomeço, de reinício do ciclo da vida – seja esta uma forma de vida humana, natural ou cósmica. Há algo de profundamente transfigurador e de claramente destruidor, mas também de rejuvenescedor: plantas que ocupam edifícios, águas que recobrem ave- nidas, fauna feita squatter. É um vislumbre de renovação que surge como contraponto a todo um imaginário religioso que se desmultiplica em várias manifestações: o paraíso perdido, o flagelo punitivo de Sodoma e Gomorra, as mais aterradoras trevas ou o mais incandescente inferno. As imagens de

A.I. - Artificial Intelligence (2001; imagem 15), Resident Evil – Afterlife (2010;

imagem 16) e I Am Legend (2007; imagem 17) parecem-nos ilustrar com cla- reza estas realidades.

Imagem 16: Resident Evil – Afterlife.

Imagem 17: I Am Legend.

Conclusão

Se quiséssemos abraçar como missão uma análise mais detalhista do su- blime, poderíamos desdobrar estas categorias em níveis de reflexão mais pormenorizados, especificando o vertiginoso, que remete para as alturas de uma arquitetura feita de elevação babélica, como se vê na Los Angeles de

Blade Runner (imagem 18); o tenebroso, que nos remete a um romantismo

infernal, como acontece na Zion de Matrix Revolutions (imagem 19), imagem especular da pintura de 1852 de Sodoma e Gomorra destruídas, de John Martin (imagem 20); o melancólico, que nos remete a um romanesco con-

templativo, como ocorre com a rainha à janela na Coruscant de Star Wars (imagem 21); o denso, que reafirma a tensão entre uma apreensão crescente e infindável e uma compreensão inacabável, como se vê na Los Angeles de

Elysium (imagem 22); ou o uniforme, como a cidade de fetos de Matrix ilus-

tra (imagem 23).

Imagem 18: Blade Runner.

Imagem 20: The Destruction of Sodom and Gomorrah.

Imagem 22: Elysium.

Imagem 23: The Matrix.

Mas se o sublime remete constantemente para uma ideia de grandiosidade, de elevação, de ilimitação, de incomensurável e, simultânea e contradito- riamente, de edificação e de destruição – uma pluralidade recoberta pela elasticidade conceptual da sublimidade –, a verdade é que encontramos, uma ou outra vez, também a simplicidade dos começos e recomeços, a fru- galidade de um renascimento e a humildade de uma tentativa. Como se a arquitetura na ficção científica obedecesse a um princípio sisífico: tentar, falhar, recomeçar, tentar, falhar, recomeçar. Isso mesmo vemos no clássico

imagem 27) ou Elysium (imagem 28), como se, por mais que o humano se afaste da natureza, sempre a ela tenha que voltar: aos seus preceitos essen- ciais de alimentação e abrigo.

Imagem 24: Things to Come.

Imagem 26: Dawn of the Planet of the Apes.

Para concluir, e porque falámos do futuro da arquitetura na ficção científi- ca cinematográfica, reservamos um espaço para um pouco de especulação sobre as imagens de metrópoles que poderão aparecer no futuro em diver- sos meios, da realidade virtual ao documentário (por exemplo), ou mesmo numa combinação de ambos – estamos em crer que novas formas de re- presentar e fruir a imaginação arquitetónica advirão, tirando partido da interatividade e da imersão. Também efetuámos uma breve evocação das representações passadas e paralelas ao cinema que se conhecem de outras artes, sendo, umas como as outras, modalidades de visita e experienciação tanto de lugares reais como imaginados, que confirmam o fascínio constan- te da especulação arquitetónica nas mais variadas instâncias.

No cinema temos, numa génese realista, Nova Iorque, Tóquio, Dubai e outras capitais – umas vezes no seu esplendor, outras no seu cataclismo, como nos habituámos a ver desde os anos 50 em filmes como The Day the

Earth Stood Still (1951) e When Worlds Collide (1951) ou em obras recentes

como I Am Legend, Terminator, Independence Day (1996) ou Oblivion. Num tom mais delirante, refiram-se as cidades de Aelita (1924), Beyond the Time

Barrier (1960) ou Ikarie XB-1 (1963). E as metrópoles abstratizantes de do-

cumentários como Qatsi (1982), Baraka (1992), Home (2009) ou Samsara (2011). As cidades-parques temáticos como Tomorrowland (2015). As cidades sobre-estilizadas de Aeon Flux (2005) ou Ultraviolet (2006). As cidades vul- neráveis a aliens, robots, cataclismos ou zombies. A cidade confinada de

Judge Dredd (1995).

E fora do cinema, lá temos o sublime nas cidades da banda desenhada como Metropolis, Gotham, Asgaard ou Astro City, entre outras. Na ilustração, a arquitetura por vir está já nos futuristas do início do século passado ou em Paul Citroen, em Jakov Chernikov e Hugh Ferris, todos desde os anos 1920. Na fotografia, as montagens de Seb Janiak, Jean-françois Rauzier e Yang Yongliang dão-nos imagens de grandiosidade e espanto. Na pintura, podemos recuar aos expressionistas Georges Grosz ou Ludwig Meidner. No próprio campo da arquitetura, podemos encontrar, ora em obras con-

Ettiène Boullée, Frank Loyd Wright, Zaha Hadid ou Santiago Calatrava em projeções do futuro, verosímeis umas vezes, fantasiosas, outras, mas quase sempre apontando ao céu. Como se, por norma, na sublimidade arquite- tónica, a superfície, a planta e o horizontal cedessem lugar ao celeste, ao vertiginoso e ao vertical – ou seja, como se a elevação, retornando a Longino, fosse o seu princípio poiético fundamental.

Referências bibliográficas

Burke, E. (2013). Uma Investigação Filosófica Acerca da Origem das Nossas

Ideias do Sublime e do Belo. Lisboa: Edições 70.

Kant, I. (1997). Crítica da Faculdade de Julgar. Lisboa: Imprensa Nacional- Casa da Moeda.

Longino, D. (2015). Do Sublime. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra e Annablume.

Filmografia (seleção)

After Earth (2013). Manoj N. Shyamalan (Dir.). EUA: Sony Pictures. A.I. - Artificial Intelligence (2001). Steven Spielberg (Dir.). EUA: Warner. Blade Runner (1982). Ridley Scott (Dir.). EUA: Warner.

Dawn of the Planet of the Apes (2014). Matt Reeves (Dir.). EUA: Fox. Elysium (2013). Neill Blomkamp (Dir.). EUA: Sony Pictures. I Am Legend (2007). Francis Lawrence (Dir.). EUA: Warner. Minority Report (2002). Steven Spielberg (Dir.). EUA: Fox. Oblivion (2013). Joseph Kosinski (Dir.). EUA: Universal.

Resident Evil: After Life (2010). Paul W. S. Anderson (Dir.). EUA: Sony

Pictures.

Star Wars (1977-2019) (trilogias). George Lucas et al. (Dirs.). EUA: Fox et al. The Fifth Element (1997). Luc Besson (Dir.). França/EUA: Columbia/Gaumont. The Matrix (1999-2003) (trilogia). Lilly Wachowski & Lana Wachowski

DO CINEMA DE ANIMAÇÃO