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Na tese de livre-docência, intitulada “Um Método para Análise e Cogestão de

Coletivos – A Constituição do Sujeito, a Produção de Valor de Uso e a Democracia nas Instituições: O Método da Roda”, Campos (2000) desenvolveu um referencial conceitual e

metodológico para reformular o trabalho em saúde. Realizou uma crítica à racionalidade gerencial hegemônica e indicou um método que busca favorecer a democratização da gestão nas organizações, através da formação de coletivos organizados voltados para a produção de bens ou serviços, e do incentivo à participação dos sujeitos na gestão da organização e de seus processos de trabalho. Para tanto, o método parte de uma articulação de saberes e práticas dos campos da saúde coletiva, da clínica, da política, da administração e planejamento, da psicanálise, da análise institucional e da pedagogia (CAMPOS, 2000).

O termo Paideia é de origem grega. Designa um dos três componentes essenciais da democracia ateniense: Cidadania, direitos das pessoas; Ágora, espaço para compartilhar poder; e ainda o conceito de Paideia, educação integral.

O Método Paideia (ou da Roda) realiza uma adaptação dessa tríade. Que procura analisar a dinâmica do desejo e do interesse próprio; estimulando, ao mesmo tempo, o que considera o desejo e interesse dos outros em uma dinâmica histórica e social. Sendo assim, é um esforço para sistematizar modos de intervir de forma deliberada nessa dinâmica, reconhecendo que o controle sobre este processo será sempre parcial, já que há inúmeros fatores produzindo efeitos sobre pessoas e instituições.

Busca-se, portanto, o Efeito Paideia, ou seja, o trabalho realizado para ampliar a capacidade das pessoas para lidar com informações, interpretá-las, compreender a si mesmo, aos outros e ao contexto. Parte do conhecimento de que o trabalho é sempre uma relação social, acontece em rede, havendo inter-relações entre gestores, trabalhadores e usuários. Em consequência, pretende contribuir para o desenvolvimento da capacidade de tomar decisões, lidar com conflitos, estabelecer compromissos e contratos; ampliando, enfim, a possibilidade de ação dessas pessoas sobre todas estas relações.

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“... tanto uma proposta de sociabilidade democrática quanto, ao mesmo tempo, uma metodologia para a formação de pessoas, objetivando a ampliação de sua capacidade de analisar e de intervir sobre as relações sociais” (CAMPOS, CUNHA e FIGUEIREDO, 2013, p15)

Tal concepção aplica-se à política, gestão, pedagogia, saúde coletiva e clínica. As estratégias metodológicas Paideia buscam compreender e interferir em afetos, no conhecimento e nas relações de poder. A política trata de modos para operar com o poder; a pedagogia, com o conhecimento; as terapias da subjetividade, com o afeto. Estes campos disciplinares, contudo, separam essas três dimensões, quando na realidade elas atuam de forma conjugada, simultâneas.

A constituição de sujeitos, das necessidades sociais e das instituições é um produto de relações de poder, do uso de conhecimentos e de modos de circulação de afetos. A metodologia Paideia objetiva ampliar a capacidade das pessoas lidarem com poder, com circulação de afetos e com o saber; ao mesmo tempo em que estão fazendo coisas, trabalhando, cumprindo tarefas, aprendendo ou sendo cuidadas por equipes de saúde.

Portanto, preconiza-se a reforma das organizações de saúde com base na cogestão, ou seja, o estabelecimento deliberado de relações dialógicas, com compartilhamento de conhecimentos e de poder.

Reconhece-se pela concepção Paidéia, a existência de dois grandes campos de conhecimento e de trabalho em saúde: o clínico e o de saúde coletiva. Ainda que tenham elementos de contiguidade e sobreposição – campo comum –, apresentam espaço específico que os distingue – núcleo próprio (CAMPOS, 2000). Faz-se então necessário um esforço teórico e prático para a articulação da função clínica e da função saúde coletiva, buscando meios para integrar a atuação desses dois campos, sempre que necessário. A depender do problema de saúde predominará a função clínica, em outros, a função de saúde coletiva.

O Apoio é uma aplicação metodológica da concepção Paideia. Pode ser utilizado na gestão de organizações sob a forma do Apoio Institucional e pode ser utilizado na gestão da clínica como forma de operar nas relações interprofissionais e em projetos coletivos ou grupais de educação em saúde, comunitários ou de saúde pública através do Apoio Matricial. O Apoio Paideia também tem sido utilizado como estratégia metodológica para Pesquisas do

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tipo Intervenção (FURLAN, 2008; MASSUDA, 2010; CASTRO, 2011); e como recurso pedagógico para a formação em saúde (FURLAN & AMARAL, 2008; CUNHA, 2009; FIGUEIREDO, 2012; FURLAN, 2012).

Nesses diferentes âmbitos, parte-se da constatação da diferença constitutiva e essencial entre os distintos atores sociais (gestor, trabalhador e usuários), tanto do ponto de vista de papel social quanto de poder, com vistas a desenvolver relações baseadas no diálogo e no estabelecimento de contratos entre os envolvidos, de modo a permitir que a abordagem das questões relativas à clínica e à gestão em saúde possa ser construída democraticamente considerando os diferentes saberes e interesses.

1.2 – O Apoio Matricial

O conceito de Apoio Matricial foi desenvolvido dentro da linha de pesquisa voltada para a reforma das organizações e do trabalho em saúde denominada de “Política, modelo de atenção e de gestão: investigação teórica e metodológica”, apoiada pelo CNPq (1996-2001). O Apoio Matricial em saúde objetiva assegurar retaguarda especializada a equipes e profissionais encarregados da atenção a problemas de saúde, de maneira personalizada e interativa. Opera com o conceito de núcleo e de campo. Assim, um especialista com determinado núcleo apoia especialistas com outro núcleo de formação, objetivando a ampliação da eficácia de sua atuação.

Trata-se de uma metodologia de trabalho complementar àquela prevista em sistemas hierarquizados, como os mecanismos de referência e contra referência, protocolos e centros de regulação. Dessa forma, pretende oferecer tanto retaguarda assistencial quanto suporte técnico-pedagógico às equipes de referência. Depende da personalização da relação entre equipes de saúde, da ampliação dos cenários onde se realiza a atenção especializada e da construção compartilhada de diretrizes clínicas e sanitárias entre os componentes de uma Equipe de Referência e os especialistas que oferecem Apoio Matricial. Essas diretrizes devem prever critérios para acionar o apoio e definir o espectro de responsabilidade tanto dos diferentes integrantes da equipe de referência quanto dos apoiadores matriciais.

O Apoio Matricial é, ao mesmo tempo, um arranjo organizacional e uma metodologia para a gestão do trabalho em saúde, objetivando ampliar as possibilidades de realizar-se

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clínica ampliada, integração dialógica entre distintas especialidades e profissões e articulação de redes de saúde.

Cabe ressaltar que esta metodologia de gestão do trabalho em saúde se propõe a estimular as trocas de conhecimentos, técnicas e manejos entre especialistas e trabalhadores com outro núcleo de formação, bem como intenciona (re) organizar os serviços a fim de que os usuários possam ser atendidos de forma integral e segundo suas necessidades. (CAMPOS e DOMITTI, 2007).

O processo de trabalho em saúde é sempre uma interação intersubjetiva medida pela estrutura das organizações de saúde e das instituições sociais. Em todo o trabalho em saúde há o encontro entre sujeitos com importantes diferenças em relação aos seus desejos, interesses, saberes e coeficiente de poder. Há uma diferença irredutível entre o profissional e o usuário, por mais horizontal e aberta que seja a relação estabelecida. O profissional deve ser portador de uma oferta técnica, no caso o saber clínico e sanitário. A teoria Paideia sugere a ampliação e a reformulação desse conhecimento clínico e sanitário, e não o seu abandono. O usuário tem um conhecimento privilegiado sobre seu sofrimento e sobre sua própria vida. O interesse do usuário é obter algum tipo de apoio para melhorar o estado de saúde do indivíduo ou da coletividade. O interesse do profissional relaciona-se, em geral, a sua sobrevivência e realização pessoal. A relação de poder em um espaço clínico ou sanitário será sempre desequilibrada a favor do profissional e da instituição de saúde. Pode-se atenuar esta desigualdade, nunca eliminá-la.

Para isto sugere-se operar com a noção de que todo encontro clínico ou sanitário é um “Espaço Coletivo”; em que se faz necessária uma reflexão sobre estes papéis e responsabilidades distintos. Esta reflexão deve subsidiar linhas de mudança necessárias para reorientar o trabalho clínico e em saúde coletiva.

Com base na teoria da “coprodução singular do sujeito” (CAMPOS, 2000), elaborou- se uma análise da clínica e da saúde coletiva, buscando linhas de ampliação do seu núcleo de conhecimento e de práticas em direção à integralidade do cuidado. A principal conclusão deste estudo é sobre a importância de alterar a maneira com que se pratica a clínica e a saúde coletiva, sugerindo-se arranjos de saber e organizacionais que permitam o seu compartilhamento entre trabalhador e usuário. Trata-se de inventar modos de cogestão do ato e do processo clínico e sanitário em geral em direção à integralidade do cuidado.

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De acordo com algumas pesquisas (ONOCKO CAMPOS et al, 2011; FIGUEIREDO e ONOCKO CAMPOS, 2009; MIELKE e OLCHOWSKY, 2010), o apoio matricial tem sido importante para definir fluxos, qualificar as equipes, promover assistência conjunta e compartilhada, ampliando o poder resolutivo local, co-responsabilizando com outros setores/ instituições as estratégias de cuidado, alterando a lógica de referência / contra referência.

1.3 – O referencial Paideia no SUS

A metodologia Paideia de cogestão das instituições e do cuidado em saúde teve suas primeiras aplicações na rede pública de Campinas/SP durante a década de noventa. Serviços de saúde mental, de atenção básica e da área hospitalar do Sistema Único de Saúde de Campinas sofreram mudanças organizacionais em que se construíram, orientados por esse referencial, novos arranjos e dispositivos de gestão e do processo trabalho. Buscava-se, com isto, a democratização institucional e a qualificação do atendimento à população. Nos anos seguintes, várias cidades incorporaram modos de realizar o Apoio Institucional e Matricial, bem como foram valorizados os conceitos de Clínica Ampliada e Compartilhada. Belo Horizonte/MG, Quixadá/CE, Sobral/CE, Recife/PE, Aracaju/SE, Rio de Janeiro/RJ, Rosário/Argentina experimentaram estas diretrizes e metodologias.

A partir de 2003, o Ministério da Saúde iniciou um processo de formulação e implantação do Apoio Institucional aos estados e municípios. Nesse primeiro momento, com dois enfoques: no apoio à gestão descentralizada do SUS – coordenado pelo Departamento de Apoio à Descentralização (DAD) da Secretaria Executiva2 – e no apoio à mudança dos

modelos de gestão e atenção dos sistemas e serviços de saúde – coordenado pela Política Nacional de Humanização - HumanizaSUS (BRASIL, 2004). Um segundo movimento do Ministério da Saúde na implementação do Apoio Institucional se deu a partir de 2011, nesse momento buscando a articulação das diversas secretarias e departamentos, chamado Apoio

Institucional Integrado, coordenado pelo Núcleo Gestor do Apoio Integrado, composto por

todas as Secretarias do Ministério e coordenado pela Secretaria Executiva (BRASIL, 2011). Na sequência, algumas Secretarias de Estado da Saúde também criaram núcleos de apoiadores institucionais para mediar a relação com as secretarias e serviços municipais,

2 Ver detalhes no documento “Apoio Integrado à Gestão Descentralizada do SUS – Estratégia para qualificação da gestão descentralizada”, do Departamento de Apoio à Descentralização, de 2004.

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destacando-se a Superintendência de Atenção Básica do Rio de Janeiro, a Diretoria de Atenção Básica da Bahia e Fundação Estatal de Saúde da Família da Bahia.

Em 2008, após um longo período de debate, o Ministério da Saúde publicou uma nova política denominada de Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF). O programa e manuais de orientação basearam-se na estratégia do Apoio Matricial para funcionamento dos NASF (Portaria GM nº 154, de 24 de janeiro de 2008, republicada em 4 de março de 2008, Portaria 2.488, publicada em 21 de Outubro de 2011 e Portaria 3.124, publicada em 28 de Dezembro de 2012. BRASIL, 2012).

As equipes de NASF são compostas por profissionais de áreas especializadas, que têm como função principal apoiar um conjunto de Equipes de Saúde da Família, para que estas ampliem a abrangência de suas ações e aumentem sua resolutividade, portanto, estão inseridas na Atenção Básica. Este suporte técnico especializado pode ocorrer a partir de discussões clínicas; intervenções conjuntas com a Equipe de Saúde da Família (consultas, visitas domiciliares, grupos, etc.); e assistência direta aos casos que demandam ações especializadas (BRASIL, 2009).

Com a implantação dos NASF e incorporação do apoio matricial enquanto metodologia de gestão do trabalho, ampliou-se os espaços de escuta e debate sobre o tema, em contexto nacional, e instituiu a função apoio.

Atualmente, existem 2.181 equipes de NASF em 1.205 municípios (DAB, 2013). A concepção da clínica ampliada e compartilhada também foi incorporada ao discurso oficial, particularmente nos documentos fundadores da Política Nacional de Humanização (Brasil, 2004) e na Política Nacional de Atenção Básica (BRASIL, 2011).

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