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3.1 - Percurso da Saúde Mental no Brasil

No final da década de 1970, iniciou-se no Brasil o movimento da Reforma Psiquiátrica, o qual se fortaleceu na década de 1980 em consonância com diversos movimentos reformistas que problematizaram a assistência psiquiátrica tradicional em países europeus e nos Estados Unidos. Segundo Amarante et al. (1998) pode ser compreendido como:

“... processo histórico de formulação crítica e prática que tem como objetivos e estratégias o questionamento e a elaboração de propostas de transformação crítica do modelo clássico e do paradigma da psiquiatria” (p.87)

O movimento da reforma psiquiátrica brasileira estava inserido no contexto amplo de diversos movimentos pela redemocratização do país, que redimensionou a ação política pela busca de direitos e estabelecimento de novas relações com os espaços públicos. (NICÁCIO, 2003)

Nesse processo também foram explicitadas “as condições desumanas de vida nos interiores dos manicômios, a cronificação, reclusão e discriminação dos doentes mentais, as péssimas condições de trabalho dos profissionais e a privatização da assistência psiquiátrica por parte da Previdência Social” (NICÁCIO, p.37, 2003).

Sendo assim era fundamental superar o manicômio, questionar o papel dos profissionais técnicos, relacionados até então quanto delegados da ordem social e agentes da exclusão e produzir outras possibilidades em lidar com as pessoas com a experiência da loucura, nessa perspectiva, trava-se a luta pelo direito à cidadania das pessoas em sofrimento psíquico. (NICÁCIO, 2003).

Em 1989, foi apresentado o projeto de Lei no. 3657/89 de autoria do deputado Paulo Delgado que dispunha sobre a extinção progressiva dos manicômios e sua substituição por outros recursos assistenciais e regulamentava a internação psiquiátrica compulsória, marco importante na constituição prática da reforma.

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Na década 1990, o movimento se fortaleceu com inserção dos usuários e familiares no cenário da reforma, a partir da organização de associações, promovendo diálogos para além do campo técnico.

Em 1992, a ‘declaração de Caracas’ (OPAS, 1992) legitimou os processos de reforma em curso, impulsionando sua estruturação. A partir da década de 1990, iniciou-se o processo de fechamento dessas instituições totalizadoras e a operacionalização de nova forma de cuidado em Saúde Mental. Esse movimento se deu de forma concomitante à criação e consolidação do SUS, o qual favoreceu que as gestões municipais tivessem condições de criar serviços como os CAPS, ambulatórios, CECCOS, residências terapêuticas entre outros, para a atenção à Saúde Mental (portaria GM 224/92).

Em 2001, a lei 10.216/2001 ressaltou a importância da construção de uma rede de atenção que pensasse e realizasse o cuidado em saúde mental de modo ampliado e compartilhado, para além dos muros institucionais dos hospitais psiquiátricos, modelo de atendimento até então utilizado. Com a publicação da Portaria GM 336/02, orienta-se a implantação dos CAPS, estabelecendo as modalidades - I, II ou III, de acordo com a população do município; e as especificidades - Transtornos mentais da população adulta (CAPS Adulto); Transtornos mentais da população infanto-juvenil (CAPS i) e Transtornos mentais decorrentes do uso e dependência de álcool e outras drogas (CAPS AD).

Propõe-se que os serviços sejam singularres de acordo com as demandas de cada território, ou seja, estes deverão operar na lógica territorial. Assim, o cuidado em Saúde Mental acontecerá nos territórios em que a pessoa em sofrimento psíquico habite, circule, relacione-se; contrapondo-se ao modelo dos hospitais psiquiátricos, e reforçando a perspectiva de se oferecer um processo de reabilitação pautado no exercício pleno da cidadania e articulado ao potencial de contratualidade de cada indivíduo. (PITTA, 2010).

“... Eles devem ser territorializados, ou seja, devem estar circunscritos no espaço de convívio social (família, escola, trabalho, igreja etc.) daqueles usuários que os frequentam. Deve ser um serviço que resgate as potencialidades dos recursos comunitários à sua volta, pois todos esses recursos devem ser incluídos nos cuidados em saúde mental. A reinserção social pode se dar a partir do CAPS, mas sempre em direção à comunidade” (BRASIL,

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Nessa lógica, os CAPS deverão realizar apoio em Saúde Mental, integrando-se às equipes de Saúde da Família, Atenção Básica e demais serviços que componham a rede de atenção, a fim de realizar o acompanhamento de casos e ampliar as estratégias de atenção. A metodologia sugerida pelo documento oficial para realizar esta integração entre Saúde Mental e Atenção Básica era a mesma teorizada e sugerida por Campos no Método Paidéia:

“O apoio matricial constitui um arranjo organizacional que visa outorgar suporte técnico em áreas específicas às equipes responsáveis pelo desenvolvimento de ações básicas de saúde para a população. Nesse arranjo, a equipe por ele responsável compartilha alguns casos com a equipe de saúde local (no caso, as equipes da Atenção Básica responsáveis pelas famílias de um dado território). Esse compartilhamento se produz em forma de co- responsabilização pelos casos, que pode se efetivar através de discussões conjuntas de caso, intervenções conjuntas junto às famílias e comunidades ou em atendimentos conjuntos.”

(BRASIL, 2004)

Em 2011, uma nova portaria, 3.088 (BRASIL, 2013), institui a Rede de Atenção Psicossocial, cujo objetivo é ampliar o acesso da população com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas aos denominados pontos de atenção das redes de saúde. Além de garantir a articulação e integração destes pontos, qualificando o cuidado por meio do acolhimento, do acompanhamento contínuo e da atenção às urgências. Reforça-se, portanto, a necessidade de articulação entre os diversos pontos de atenção, entre eles CAPS e Atenção Básica/ UBS.

3. 2 - Saúde Mental no município de São Paulo

O processo de construção de uma rede de atenção à Saúde Mental esteve consoante ao descrito anteriormente sobre a constituição do SUS no município de São Paulo, ou seja, foi se constituindo de forma bastante fragmentada ao longo dos anos e das gestões políticas, o que contribuiu para o processo lento de transição do modelo hospitalocêntrico para a lógica proposta pela Reforma Psiquiátrica.

Até a década de 1970, a atenção à saúde mental seguia o modelo asilar, com investimento de grande parte dos recursos financeiros destinados a este fim. Havia muito interesse e convênios com a iniciativa privada no ‘negócio’ da loucura. Existia uma incipiente

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rede de ambulatórios, gerida pelo governo estadual, cujo trabalho era limitado a psicofarmacologia e encaminhamentos a internações. (YASUI, 1989)

Em 1983, o governo do Estado assumiu o compromisso de produzir mudanças na política de saúde, inclusive na Saúde Mental, propondo investimentos a fim de ampliar “a rede extra-hospitalar, implantar equipes multiprofissionais, recuperar os leitos próprios e promover uma melhoria na qualidade de assistência dos hospitais-asilos psiquiátricos” (YASUI, 1989, p.49). O que foi se concretizando a partir de 1986, com a inauguração de diversos ambulatórios de saúde mental com equipe multiprofissional, bem como ampliação de equipes de saúde mental nos centros de saúde (unidades básicas de saúde sob gestão do governo do Estado), implantação de algumas emergências psiquiátricas em hospitais gerais e com a contratação, via concurso público, de profissionais de diferentes áreas e formações. No entanto, em decorrência de mudanças políticas no âmbito nacional e estadual, houve neste ano uma importante desarticulação e desativação desses movimentos em prol de mudanças.

Em 1987, ocorreu a inauguração do CAPS Luiz da Rocha Cerqueira – Itapeva, pela Secretaria de Estado da Saúde, que segundo Yasui (1989) seria uma proposta de atendimento diferenciado e início de uma rede de espaços intermediários entre a hospitalização e o pleno exercício da cidadania.

Pós a nova Constituição Brasileira, a qual dispõe sobre o SUS, inicia-se uma nova gestão na prefeitura do município de São Paulo (1989 – 1992), uma gestão democrática e popular (LOPES, 2003; OLIVER, 1998; LOPES, 1999; NICANOR e col., 2009; SCARCELLI, 1998). Constituiu-se a proposta de se construir uma organização de serviços que atuasse sobre um território concreto, com problemas, cultura e gente concreta, o que consoava com o processo de distritalização da saúde na cidade.

Dialogando com os movimentos reformistas, sob forte influência do Movimento de Saúde Mental, a gestão desenvolveu um trabalho com intenções de alterar radicalmente o modelo hegemônico de atenção à saúde mental no município. Para tanto procurou desenvolver uma política intersetorial, que articulasse outros campos institucionais. (LOPES, 2003)

Em cada região de saúde foi proposta uma “Rede de Atenção Integral à saúde Mental” a qual seria composta por UBS; Hospital Dia (HD); Centros de Convivência e Cooperativas

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(CECCO); Hospital Geral com Emergência de Saúde Mental, Enfermaria de Saúde Mental, interconsulta e psicologia hospitalar.

No final da gestão municipal (1992) havia: 129 equipes multiprofissionais (psicólogos, terapeutas ocupacionais e psiquiatras) em UBS; 14 hospitais-dia; 18 CECCOs; 14 Emergências de Saúde Mental em Prontos Socorros Gerais, 3 enfermarias de saúde mental; 70 Equipes de saúde mental nos Hospitais Gerais Públicos; e 06 Centros de Referência de Saúde do Trabalhador com ações de saúde mental. Promovendo importante ampliação dos recursos humanos e equipamentos para a atenção em Saúde Mental.

“A rede substitutiva paulistana, mesmo tendo se dado de forma incompleta, devido principalmente à reviravolta política (mudança de governo)3 em pleno processo de

implantação, trouxe avanços no campo de atenção em saúde mental. Foi resultado de um longo processo de luta política pela democratização da sociedade brasileira, que vinha sendo travada por diferentes segmentos sociais, entre estes o Movimento Antimanicomial. A crítica construída ao aparato manicomial pôde finalmente penetrar no espaço institucional e, apesar de ainda não se configurar como uma concepção suficientemente elaborada, pode orientar grande parte das ações de trabalhadores e gerentes. Das críticas, elaboraram-se propostas e muitas delas traduziram-se em ações. Dentre as ações, muitas representaram a superação de antigas práticas do modelo psiquiátrico hegemônico. Parte delas foram apenas desconstruídas e outras não trouxeram inovação, simplesmente permaneceram. Deste contexto, novas problemáticas emergiram, seja no cotidiano do trabalho, seja na organização do movimento antimanicomial.” (SCARCELLI, 1998, p.55 e 56)

Com o PAS (1992 – 2000), houve um congelamento no processo de Reforma Psiquiátrica no município, com expressiva queda no número de serviços de saúde mental substitutivos, diminuição do número de profissionais atuando (transferências, exonerações, afastamentos) e consequente diminuição da população atendida. (Lopes, 2003)

A partir dessa conjuntura municipal de desinvestimento no SUS, ou seja, da opção da gestão municipal em não se orientar pelas normas operacionais e legislações vigentes acerca da Saúde Pública no Brasil, em 1996, por meio de uma parceria/ convenio entre o governo

3 A mudança de governo descrita pela autora refere-se à mudança na gestão municipal do governo da prefeita Luiza Erundina (1988 – 1992) para o governo de Paulo Maluf em 1992.

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do Estado de São Paulo, governo Federal e instituições privadas sem fins lucrativos foi implantado o PSF em duas regiões da capital.

Conforme descrito no capítulo 2 esse projeto se deu em duas etapas no município. A segunda etapa - PSF Qualis II – se deu a partir do convenio entre a SES e a Fundação Zerbini e foi feito um projeto para as regiões sudeste e norte do município. Nesse projeto, também foi proposto o Programa Saúde Mental com foco no aprendizado e capacitação em serviço, já que o SUS e a Reforma Psiquiátrica não aconteciam no município de São Paulo. Em maio de 1998, iniciou-se o Programa com o principal objetivo de capacitar as Equipes de Saúde da Família a lidar com as questões de saúde mental (LANCETTI, 2001; Souza, 2014).

Em 2001, com a municipalização da saúde, tem-se a ampliação das UBS/ PSF e também foram iniciadas outras experiências na Saúde Mental e na Atenção Básica, além da progressiva ampliação dos serviços substitutivos aos manicômios no município.

Em fins de 2008 e início de 2009, o município de São Paulo implantou diversas equipes de NASF, em consonância com a política nacional. A composição dessas equipes foi diversificada de acordo com as necessidades de cada território. No entanto, conforme disposto na portaria, cada equipe NASF desenvolveria, entre outras, ações no campo da Saúde Mental, devendo-se integrar à rede de atenção já existente no intuito de viabilizar/ reforçar os processos de reinserção social (BRASIL, 2008).

Em 2009/ 2010, a partir de ação do Ministério Público houve uma ampliação significativa da rede municipal de atenção em saúde mental, com o fechamento de Hospitais Psiquiátricos, aberturas de novos CAPS, residências terapêuticas, unidades de acolhimento (de caráter transitório para usuários de álcool e outras drogas) e ampla discussão do fortalecimento dos CECCOs - Centro de Convivência e Cooperativa (IV Conferência de Saúde Mental).

O Município de São Paulo tem atualmente 80 CAPS, distribuídos nas Coordenadorias Regionais de Saúde, sendo 11 na CRS Centro-Oeste, 19 na CRS Leste, 15 na CRS Norte, 20 na CRS Sudeste e 15 na CRS Sul, dos quais 28 sob administração direta. Dos 80, 23 são CAPS infantil, sendo 01 na modalidade III; 30 CAPS adulto, sendo 4 na modalidade III; 26 CAPS álcool e outras drogas, sendo 6 na modalidade III e 01 CAPS Álcool e outras Drogas infanto juvenil. (CEInfo; maio 2014).

21 3.3 – O Apoio Matricial na Saúde Mental

Quando se discute apoio matricial em Saúde Mental, estudos (PINTO et al, 2012; FIGUEIREDO e CAMPOS, 2009; ONOCKO CAMPOS et al, 2011) apontam que há dificuldades para se realizar o compartilhamento de problemas vividos e a pactuação integrada das resoluções e a responsabilização entre todos os envolvidos no cuidado. Entretanto, apesar dos empecilhos há aumento da resolutividade.

Há também apontamentos quanto às dificuldades na execução do apoio e do trabalho compartilhado e integrado, perpetuando ainda uma tendência em passar a demanda para o outro (DELFINI e REIS, 2012).

Bezerra e Dimenstein (2008), ao relatarem a experiência em Natal, RN, colocam a importância da aproximação dos CAPS com o território e entendimento das demandas reais da atenção básica. Apontam a expectativa de que os CAPS de fato estejam apoiando as equipes de saúde da família no manejo dos casos de saúde mental. Pontuam também a timidez com que os CAPS se inserem nos territórios e comunidades, centralizando as demandas e pouco conseguindo articular e ordenar a rede de atenção em saúde mental.

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Capítulo 4 – A pesquisa

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