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Apontamentos sobre a recontextualização dos participantes

CAPÍTULO 6 ATORES SOCIAIS: O MUNDO SOCIAL E SUAS REALIZAÇÕES

6.6 Apontamentos sobre a recontextualização dos participantes

Como afirma van Leeuwen (1997), a recontextualização dos participantes se revela um mecanismo fundamental para a compreensão dos textos, dada a diversidade com que estes são representados no discurso. Nos folhetos examinados, embora não nos tenhamos detido em todos os pormenores sobre os participantes, verificamos a funcionalidade dessas recontextualizações.

Em O Boi Misterioso, o mundo do sertão pastoril é recomposto por seres dotados do traço [+animais], os bois; do traço [+humanos], os vaqueiros, o coronel e sua família; e de seres dotados do traço [+sobrenatural], sendo que, para alguns, é possível compartilhar dos dois mundos. Nesse romance, a nomeação dos cavalos revela um destaque para esses seres no mundo do sertão, em que o valor do vaqueiro estava diretamente vinculado ao de suas montarias.

Em O monstruoso crime, as escolhas pela nomeação, Avaliatividade e identificação relacional revelam-se fundamentais para a própria configuração do enredo da história como tragédia.

Do ponto de vista da LSF, os participantes fazem parte da configuração da metafunção ideacional, para a criação do campo, o qual diz respeito ao que acontece no mundo, ou seja, juntamente com os processos e as circunstâncias, os participantes configuram o que acontece no mundo.

No que diz respeito ao gênero, a maneira como os participantes são identificados é um aspecto muito importante para o desdobramento dos textos. De todos os gêneros, as histórias são as que, de longe, utilizam o maior conjunto de recursos para apresentar e manobrar com os participantes ao longo do discurso.

Do ponto de vista da análise de discurso, as identificações revelam-se cruciais para a negociação das identidades/identificações no mundo, uma vez que o discurso não apenas “representa” os atores sociais, mas também atua para configurar identidades. Desse ponto de vista, ainda lembrando van Leeuwen (1997), o significado dos atores sociais reside na cultura. Assim sendo, ao pensar nos atores sociais dos cordéis, a pergunta a fazer é: “que identificações são construídas ou reforçadas ou rejeitadas”, cada vez que um leitor/ouvinte acessa tais histórias?

No caso de O Boi Misterioso, observam-se atores sociais [+humanos] a serem coletiva ou individualmente posicionados em relação a um mundo de animais [-humano] e de seres fantásticos [+sobrenaturais].

No caso de O monstruoso crime, assiste-se à construção da proximidade e da solidariedade (Serginho, pais de Serginho), pelos processos identificacionais relacionais e a demonização do outro (Zé do Rádio), por seu caráter ameaçador.

Por fim, vemos a necessidade de reforçar, nas análises, o destaque para a recontextualização dos atores sociais. Professores (e outros mediadores de leitura) e leitores, para o exercício da reflexão crítica a respeito dos textos, necessitam, a meu ver, de um instrumental analítico (categorias) dessa natureza. Não se trata, obviamente, de recriar as famigeradas “fichas literárias”, agora, com dezenas de categorias analíticas, para serem identificadas. Questões simples como “quem são os participantes da história?” ou: “como são representados os participantes dessa história?” As descrições decorrentes já permitirão algumas categorizações, como a presença ou não de nomeações (traço +humanizante), ou de funcionalizações (traço -humanizante), e assim por diante. Mas o fundamental é saber que os seres representados no discurso guardam pertinência com os seres deste mundo. São animais humanizados, como nas fábulas infantis? Então, tais representações não se referem a um mundo fora da Terra, mas sim, pela recontextualização, de um modo como se vê os seres deste mundo. É importante notar que as categorias aqui expostas valem

para quaisquer textos de histórias, inclusive novelas, filmes, desenhos animados.

No que se refere ao cordel, especificamente, as perguntas a respeito dos seres que habitam as histórias serão os reveladores da cultura em que essa manifestação artística é veiculada. Em A chegada de Lampião no inferno, por exemplo, como são nomeados os seres (demônios, todos eles por “apelidos” tipo Cotó, Boca Insossa)? Por que o destaque à cor da pele? E o que esse universo tem a ver com o do Nordeste ou do Brasil como um todo? A resposta a questões como essa levará a uma reflexão sobre a cultura expressa nos cordéis, expressões da cultura brasileira.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

motivação inicial desta pesquisa foi a constatação de que a arte verbal do cordel tem sido relativamente obscurecida no contexto das artes brasileiras, particularmente no campo da literatura (crítica literária, historiografia e ensino). Tal opção conduziu-me a lançar mão de um arcabouço teórico-metodológico baseado na Análise de Discurso Crítica (Chouliaraki & Fairclough, 1999; Fairclough, 2003), na Análise de Discurso/Semântica do Discurso (Martin & Rose, 2007, 2008), e na Análise de Discurso Positiva (Martin, 2000, 2004), sempre com o suporte da Linguística Sistêmico-Funcional (Halliday, 1985, 1994, 2004). O objetivo inicial era o de explorar os aspectos da relativa marginalidade do cordel no contexto das artes verbais no Brasil, por uma abordagem que fugisse dos padrões convencionais nos quais este tem sido tratado. Com Halliday e suas formulações sobre a linguagem como um sistema semiótico da sociedade, tenho aprendido que é possível analisar qualquer texto, de qualquer área do conhecimento com o uso dos recursos da LSF e de suas vinculações com a Análise de Discurso (Halliday, 2002).

A

Ao longo da pesquisa, concluí que a melhor maneira de conduzi-la seria com uma abordagem do cordel sob o ponto de vista de gênero (Martin & Rose, 2007, 2008), uma vez que não me bastava “descrever” o cordel, mas também compreender o seu funcionamento (seus propósitos) no âmbito da sociedade. E, adicionalmente, buscar um mecanismo que facilitasse a difusão do cordel, pelos mediadores de leitura. Entre as múltiplas opções de análise nessa perspectiva, elegi as ferramentas da Ideação, da Avaliatividade (Martin & Rose, 2007, 2008) e da Recontextualização dos Atores Sociais (van Leeuwen, 1993, 1997) como as mais produtivas, o que fiz nos capítulos analíticos.

No Capítulo 4, ao recompor a trilha das histórias de cordel, recuperei os movimentos destas, com o objetivo de averiguar como os diversas estágios e fases contribuem para a construção desse gênero de narrativa. Pela descrição e análise, pudemos verificar que os passos seguidos pelos diversos autores, nas distintas narrativas, não são os mesmos, nem lineares. Entretanto, têm em comum a busca por criar uma complicação e fazer aumentar a tensão, seja pelo suspense criado, antes da Resolução final, seja pelo aumento na gradação dos afetos que ali são configuradas. Acima de tudo, as ferramentas analíticas se mostraram adequadas para dar conta das variações encontradas nos textos.

Obviamente, uma divisão do cordel em estágios e fases não é de natureza mecânica. E não deve ser utilizada para avaliações do desempenho dos leitores (isto é, para prova para nota). Os

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