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3 Explorando o Potencial da Teoria Crítica de Axel Honneth para Ampliar

3.1 Os Fundamentos da Teoria Crítica de Axel Honneth

3.1.3 Apontamentos sobre o Acoplamento Estrutural entre Trabalho e Educação

O desenvolvimento do nosso projeto de pesquisa visou realizar uma investigação crítica dos pressupostos filosóficos e políticos que orientam a concepção de formação integrada, retomada em 2004, pelo Governo do Presidente Lula no bojo de diversas medidas que intencionavam desconstruir o retrocesso político e normativo das políticas neoliberais do governo FHC. Com tal intenção, buscamos a construção de uma reflexão mais ampla sobre as relações entre trabalho e educação, que pudesse

ampliar o espectro investigativo crítico da formação integrada, assentado numa teoria social de maior alcance, com vistas a explorar interpretações entre os nexos de tais pressupostos e a concepção de formação dos trabalhadores nos dias atuais.

Neste trajeto investigativo, nos pareceu promissor a possibilidade de explorar as relações entre trabalho e educação à luz da Teoria do Reconhecimento de Axel Honneth, o que, de certa maneira, nos levou a considerar tais relações mediadas pela ação social do reconhecimento, na perspectiva de refletir sobre a formação integrada e seus pressupostos filosóficos e políticos no contexto específico das relações entre trabalho, reconhecimento e educação.

Segundo Silva (2008), a relação entre trabalho e reconhecimento não é um tema novo, pois já estava presente em diversos momentos na obra de Hegel, com exemplar referência a passagem da Fenomenologia do Espírito, de 1807, na qual Hegel trata da dialética do senhor e do escravo.

A dialética do senhor e do escravo, proposta por Hegel em sua obra madura, não intenciona analisar a origem natural do senhorio ou da escravidão, mas propor uma metáfora que permita analisar como a consciência de si encontra a sua universalidade efetiva. Marx, apropriando-se desta metáfora, observa que o escravo, apesar de viver no limite da animalidade, é o que trabalha e transforma o mundo, transformando-se dialeticamente na consciência revolucionária para a emancipação, mas agora. não mais na relação dialética do senhor e do escravo, mas sob a relação moderna entre o burguês e proletário, ou capitalista e trabalhador. (KOJEÈVE, 2002; DE PAULA, 2010)

A entrada de Honneth no debate da relação entre trabalho e reconhecimento se dá, conforme apresentamos na breve descrição de sua Teoria do Reconhecimento, por meio da presentificação do modelo conceitual hegeliano de luta por reconhecimento, na forma de um resgate dos escritos do jovem Hegel, como fundamento para a concepção de uma teoria social de teor normativo, na qual a luta por reconhecimento assume o papel de uma luta moralmente motivada.

Silva (2010) aponta que nas obras do jovem Honneth, a exemplo dos seus livros “Domination and Moral Struggle: The Philoshofical Heritage of Marxism Revised”, de 1991, e “The Dynanmics of Disrespect: on the lcation of critical theory today”, de 1994, existe certa tensão entre as categorias trabalho e reconhecimento, pois estas se apresentam como uma crítica ao funcionalismo produtivista do

marxismo, postulando em contrapartida uma interpretação social que leva em consideração outras esferas da sociedade, a partir de suas próprias lógicas internas.

Para Honneth (1991), a concepção estético-produtiva de trabalho formulada por Marx tem em sua essência uma orientação intrinsecamente vinculada à lógica do reconhecimento, mas que se tornou oculta para Marx em função de sua redução conceitual da identidade humana vinculada a uma descrição produtivista. Com o objetivo de resgatar a perspectiva lógico-filosófica do reconhecimento, Honneth (1991) afirma que é preciso reverter a virada concretizante pela qual Marx amarrou as condições da identidade pessoal ao seu conceito de trabalho, na medida em que as condições concretas de respeito e reconhecimento, e assim posto o próprio trabalho, estão sujeitas às mudanças históricas e culturais, em que os indivíduos têm que lutar pelas condições sociais sob as quais eles podem alcançar reconhecimento e respeito.

Assim, Honneth se propõe a resgatar a categoria do reconhecimento, num plano mais abstrato, como forma de substituir o paradigma do trabalho de Marx, mediante o primado do reconhecimento como categoria fundante da sociabilidade humana, que no capitalismo avançado, sob a hegemonia da razão instrumental, perdeu também sua condição emancipatória.

Contudo, o resgate da perspectiva histórico-filosófica de uma teoria social de teor normativo, que almeja integrar uma análise da sociedade com uma teoria da emancipação, somente pode ser retomado na perspectiva crítica que concebe o desenvolvimento social do ponto de vista das lutas sociais por reconhecimento, motivadas por sentimentos de desrespeito que se tornam a matéria-prima motivacional para o progresso moral.

Em um breve ensaio intitulado “Trabalho e Reconhecimento: tentativa de uma redefinição”, publicado no Brasil em 2008, Honneth propõe a possibilidade de se explorar um acoplamento entre a categoria reconhecimento e o trabalho, como estratégia complementar à sua teoria do reconhecimento, demarcando um posicionamento diferente de sua obra de juventude, onde se constata certa tensão entre estas categorias. Neste ensaio, Honneth (2008) aponta que há certo afastamento da teoria crítica da sociedade das questões relativas ao mundo trabalho, deslocando-se o interesse investigativo crítico para temas relacionados à integração política e aos direitos de cidadania e suas relações com os processos de transformação da cultura.

Para este autor, as tendências de uma retirada do mundo do trabalho do centro de reflexão crítica não refletem de modo algum a opinião vigente na população, que

compreende que o trabalho e sua organização ainda continuam como elementos centrais do mundo socialmente vivido e da estrutura normativa da sociedade.

Este ensaio representa, de certa maneira, um contraponto da posição teórica de Honneth, pelo resgate da categoria do trabalho ao centro do debate crítico, embora já estivesse presente em sua crítica a Habermas pela redução do trabalho à mera ação instrumental, dissolvendo a conexão categorial na qual Marx tentou estabelecer entre trabalho social e emancipação.

Segundo Honneth (2008), o afastamento da teoria social crítica do trabalho não se dá por razões meramente oportunistas, mas a desproblematização da esfera do trabalho se expressa, sobretudo, pela percepção de que a luta pela melhoria qualitativa do trabalho, nas condições impostas pelas forças globalizantes do mercado capitalista, converte-se em exigências de caráter meramente normativas. Mas, tal afastamento do pensamento crítico da esfera do trabalho se dá de forma dolorosa, pois a ideia de libertação do trabalho da heteronomia e da alienação, proposta na utopia marxista, sofreu vexame em face da realidade global de tendência da “auto-regulação” e da “livre normatização” do sistema capitalista avançado, onde uma grande parcela da população mundial sofre as condições do trabalho precário sem proteção social ou são relegadas ao sofrimento do desemprego.

Na sua tentativa de conceber um acoplamento entre trabalho e reconhecimento, Honneth (2008) propõe um percurso metodológico estratificado em três etapas, assim sintetizado: a) realização da distinção entre crítica externa e imanente para o propósito de uma crítica das relações de trabalho existentes; b) demonstração de que o trabalho social só poderá assumir o papel de uma norma imanente se ele for conectado às condições de reconhecimento na moderna troca de realizações; e, c) desenvolvimento da questão sobre quais as exigências imanentes que estão conectadas com esse acoplamento estrutural entre trabalho e reconhecimento, com vistas à estruturação do moderno mundo do trabalho.

Na abordagem de Honneth (2008), a crítica externa às relações de trabalho, vinculadas à fundamentação das necessidades de organização do trabalho e sua relação com os padrões de uma vida boa, de um trabalho digno, foram feitas a partir de um referencial utópico do trabalho artesanal, que se contrapõe ao modelo heterônomo e fragmentado do trabalho assalariado, e da crítica de uma visão romântica fundada em modelos estéticos de produção, onde o trabalho alienado é superado por uma concepção de um trabalho estético, como a produção de uma obra de arte. Para este

autor, em oposição à essa crítica externa, uma forma de crítica imanente das relações de trabalho pressupõe que se possa encontrar um padrão de medida, que seja interno às próprias relações criticadas como uma reivindicação justificada racionalmente.

A partir da análise de algumas alternativas, e sob um contexto crítico em relação à construção teórico-sistêmica de Habermas, Honneth (2008), concluí o primeiro passo de sua investigação, afirmando que uma alternativa válida, para comprovar empiricamente a existência de uma crítica imanente às relações de trabalho, somente poderá ser feita se considerarmos uma abordagem mais ampla das relações sociais capitalistas. Uma abordagem que vá além da perspectiva funcionalista econômica, mas que considere a perspectiva de que o mercado capitalista de trabalho também tem de cumprir a “função de integração social”, na qual emerge uma série de normas morais com potencial para justificar o acoplamento estrutural entre trabalho e reconhecimento.

O desvelamento da base normativa da moderna organização do trabalho, correspondente à segunda etapa do percurso proposto por Honneth, que parte da concepção hegeliana de que as realizações do sistema de suprimento de necessidades mediadas pelo mercado, não poderiam ser dimensionadas somente por categorias de eficiência econômica, no qual o sistema de troca do trabalho pelos meios de satisfação das necessidades, só poderia contar com o consentimento se satisfizer determinadas condições normativas, que orientam as condições de realização integradora da nova forma da economia.

A genial análise de Hegel sobre a correlação entre sua concepção de reconhecimento e o sistema de trocas de realizações mediadas pelo mercado, o leva a apontar que a primeira realização integradora é o “egoísmo subjetivo”, que restringe as inclinações pessoais para a ociosidade e que conduzem os indivíduos a trabalhar para satisfazer suas necessidades. A esta condição normativa, de disposição para contribuir com o bem comum pela obrigação generalizada de produzir resultados, está vinculada ao pressuposto de que haja uma contrapartida, o “direito de ganhar o pão”, criando desta maneira a segunda condição normativa, a qual está relacionada um “sistema econômico de dependência recíproca”.

A análise hegeliana, apud Honneth (2008), é lúcida o suficiente para antever as ameaças que poderão surgir com o desenvolvimento do capitalismo e que poderão entrar em contradição com as suas condições normativas de reconhecimento, com graves consequências para os vínculos sociais. Embora genial, a construção de Hegel

está vinculada às condições históricas de sua época, mas demonstram, segundo Honneth, a viabilidade da busca de uma crítica imanente às relações de trabalho, com base na explicitação de princípios normativos inerentes ao próprio sistema econômico.

A tese de desarraigamento da economia proposta por Polanyi é rejeitada por Honneth (2008), com base na crítica oriunda da sociologia econômica, segundo a qual a coordenação do agir econômico, mediado pelo mercado, se defronta com uma série de problemas que só podem ser solucionados por meio da anteposição de regulamentações institucionais normativas. Esta ordem social dos mercados, de caráter normativa, possibilita a recolocação da definição hegeliana sobre a organização capitalista do trabalho, de uma forma mais depurada na perspectiva da sociologia econômica, assim expressa por Honneth:

“As estruturas do mercado capitalista de trabalho inicialmente puderam

formar-se tão somente sob a condição altamente pretensiosa e ética de que as camadas sociais por ela abrangidas poderiam nutrir a legítima expectativa de uma remuneração capaz de assegurar a subsistência e de um trabalho digno de reconhecimento. O novo sistema do mercado, assim Hegel pretende dizer, só pode reivindicar a concordância normativa dos afetados sob duas condições: primeiro, que ele dote o trabalho feito profissionalmente com um salário mínimo e, segundo, que dê às atividades desempenhadas uma forma que permita reconhecê-las como contribuição para a ordem geral.” (HONNETH, 2008, p.59)

O passo final do percurso analítico de Honneth (2008) é dirigido no sentido de buscar identificar as exigências imanentes que estão conectadas no “acoplamento estrutural entre trabalho e reconhecimento” que tenham força normativa para um reposicionamento emancipatório e para efetiva melhoria qualitativa do trabalho. Para Honneth (2008), as relações de trabalho hoje existentes, crescentemente desregulamentadas e degradadas, não podem justificar um abandono da busca de uma infraestrutura moral, conforme proposta por Hegel e Durkheim.

A teoria do reconhecimento formulada por Honneth, em função do que foi sucintamente apresentado, desvela uma alternativa mais ampla de acoplamento

estrutural da luta por reconhecimento com o trabalho social, de forma a estabelecer as bases para uma crítica das relações de trabalho, e por consequência das relações deste com outras esferas humanas, a partir da perspectiva de que o trabalho ainda exerce papel central na integração social.

A proposição de Honneth de um acoplamento estrutural entre trabalho e reconhecimento resgata implicitamente um conceito pertinente à “Teoria dos Sistemas Sociais de Niklas Luhmann”, na qual os sistemas sociais têm como elementos de funcionamento “os processos comunicativos” e que desenvolvem com os sistemas psíquicos uma forma especial de relacionamento denominada por esse autor de “acoplamento estrutural”. Não é nossa intenção aprofundar esta temática, de maneira que tomamos como referencial o estudo sistematizado por Neves (2005), para delimitar conceitualmente a proposição de Honneth.

Segundo Neves (2005), por meio do acoplamento estrutural os sistemas sociais, sistemas operacionalmente fechados e autopoéticos, ou seja, que são capazes de produzir internamente sentido e que mantem uma abertura comunicativa com o meio externo, conectam-se com os sistemas psíquicos, que são sistemas pensantes, para realizar uma troca comunicativa complexa que possibilita o sistema social utilizar os elementos do outro para operar os seus próprios processos comunicativos de relação intersistêmica, ao mesmo tempo superficial e complexa.

Sem maiores aprofundamentos, pode-se inferir, apesar de Honneth não abordar a sua relação de proposição com a Teoria de Luhmann, que o acoplamento estrutural entre o “sistema trabalho” e o “sistema psíquico do reconhecimento” pode representar uma das condições necessárias para a evolução qualitativa do trabalho pela ampliação das possibilidades de autopoiése, pela incorporação das lutas por reconhecimento no processo interno de um sentido emancipatório para o trabalho. O acoplamento estrutural entre trabalho e reconhecimento pode ser uma chave fundamental para a ampliação do sentido do trabalho possibilitando integrar suas dimensões objetivas e subjetivas.

Uma concepção ampliada de trabalho, conforme aponta Toledo (2009), implica tomar como ponto de partida a ideia de que o trabalho é uma forma de interação entre homens e entre estes com objetos materiais e simbólicos, cuja execução envolve a construção e o intercâmbio de significados. Assim, a luta para resgatar o potencial emancipatório do trabalho nos dias atuais deve incorporar a luta pelo seu acoplamento

estrutural com o reconhecimento, condição necessária para a luta por um trabalho decente.

Para Toledo (2009) as concepções estreitas de trabalho e de sujeitos laborais supõem que estes sujeitos são aqueles cuja ação individual e coletiva depende fundamente da experiência da organização, das demandas laborais, especificamente em torno da “relação diática” entre capital e trabalho. Em contrapartida, uma concepção ampliada de trabalho, por sua vez, implica, para o citado autor, que pode haver eficiência e efetividade identitária, individual e coletiva, nos trabalhos não capitalistas e implicar outros sujeitos dentro da própria relação laboral, como o cliente e outros grupos sociais, com suas demandas e formas de lutas e organização, numa “relação triática” entre capital, trabalho e outros atores sociais. Tal relação triática implica no acoplamento estrutural entre trabalho e reconhecimento para o resgate da efetividade identitária do trabalho e da motivação das lutas para sua melhoria qualitativa, para além dos aspectos normativos, mas para o estabelecimento de uma luta moral por trabalho decente.

Toledo (2009) considera que uma concepção ampliada de trabalho, para além do conceito de trabalho assalariado, implica na compreensão de que viver do trabalho supõe participar de um mundo de vida, no qual é fundamental que esta não seja objeto de reconhecimento apenas pelo recebimento de ganhos pela atividade realizada, mas que seja objeto de um reconhecimento coletivo, solidário na esfera da estima social.

O resgate do potencial emancipatório do trabalho nos remete a uma concepção ampliada de trabalho para poder compreender a forma de ser do trabalho no capitalismo em seu estágio de desenvolvimento atual, e não a sua mera negação, mas o seu resgate mediante o seu acoplamento estrutural com o reconhecimento. Compreendemos que tal abordagem ampliada da categoria social do trabalho estruturalmente acoplada às condições de reconhecimento pode ter implicações relevantes para a relação entre trabalho e educação, cuja exploração pode abrir algumas indicações para a melhoria qualitativa da formação integrada.

3.1.4 Reconhecimento, Reificação e Autonomia: Conceitos Críticos para uma