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2 O Domínio Associado à Problemática da Formação Integrada que

2.1 A Concepção de Educação que Emerge do Campo Marxista

2.1.2 A Integração entre Trabalho e Educação que Emerge dos Pensadores

A emergência do pensamento de Marx e Engels estabeleceu um novo paradigma teórico de investigação no campo das ciências sociais, com forte impacto na esfera da educação. A apropriação da dimensão educacional, presente no conjunto mais amplo da obra desses pensadores, influenciou, e continua influenciando, uma grande quantidade de pedagogos e pesquisadores do campo da educação e da relação trabalho e educação, conformando das bases do campo teórico e prático da pedagogia marxista. No tópico anterior delineamos, a partir de algumas passagens de Marx e Engels que tratam diretamente da educação, o que se considera a dimensão educacional do pensamento marxiano-engelsiano. Objetivando explorar a influência desta dimensão na conformação da concepção da formação profissional integrada elaborada pelos pedagogos marxistas, abordamos, no presente tópico, algumas vertentes derivativas das apropriações dos principais pensadores do campo educacional marxista, que conformaram as bases da concepção filosófica e política da formação integrada, em especial do campo da relação entre o trabalho e a educação.

A apropriação da dimensão educacional do pensamento de Marx e Engels tem se constituindo um campo de dispersões discursivas7 que tem gerado diversas acepções sobre um conceito marxista de educação. Não constitui o foco desta pesquisa a realização de um aprofundamento sobre as diversas concepções educativas que

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A conceituação de politecnia e formação omnilateral é abordada no Capítulo 5.

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Campo de Dispersões discursivas: campo de formações discursivas em que o objeto do discurso aí

encontram seu lugar e a sua lei de aparecimento, que revelam as condições as condições de existência a que estão submetidos os elementos agenciados pelo discurso. (FOUCAULT,M. A Arqueologia do Saber,2010, p.43)

emergiram sob a influência do referencial teórico e político marxista, mas intenciona- se explorar aquelas que conformaram a concepção de educação integrada e que se constituem no referencial do ensino técnico integrado.

A concepção educativa da formação integrada tem sido um campo discursivo de disputa entre os diferentes projetos societários, que se conformaram a partir dos referenciais liberais-conservadores e socialistas-progressistas, onde cada um tenta equacionar um determinado caminho para a transformação da sociedade, e, nesse percurso a educação é concebida como fator estratégico que exerce papel fundamental na integração social e na emancipação humana, porém segundo antagônicas concepções do que venha a ser essa formação e essa emancipação.

A relevância da constatação da existência de uma dimensão educacional no pensamento marxiano, contrária àquelas interpretações de que essa tradição do pensamento crítico não tratou especificamente da educação, tem importância, tanto epistemológica quanto política, para que se possa compreender como tal dimensão educativa foi apropriada pelos principais pedagogos da tradição marxista na concepção de modelos educacionais socialistas, que se constituíram nos fundamentos que orientaram a conformação do atual modelo de ensino técnico integrado.

Segundo Chartier (1990), a noção de apropriação8, presente no pensamento de Bourdie, refere-se a uma multiplicidade de formas de recepção e os modos peculiares de invenção na leitura que se faz de um autor. Desse modo, na condição de categoria analítica, este autor sustenta que “o conceito de apropriação reflete uma história social dos usos e interpretações referidos às suas dimensões fundamentais e inscritos nas práticas que os produzem”.

Conceituar o que vem a ser uma concepção de “educação socialista” não é tarefa simples em função da complexidade da predicação socialista para um modelo educacional, que, segundo Saviani (2011), pode ser evidenciado pela várias acepções de socialismo que emergiram ao longo da história de lutas das classes trabalhadoras no decorrer da Revolução Industrial, visando o controle do processo produtivo e a

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Apropriação: Categoria social para análise das formas narrativas do discurso histórico que se relaciona

com a crítica à tendência hegemônica da historiografia que propõe uma nova forma de interrogar a realidade tomando como base o domínio cultural e salientando o papel das representações, consideradas nos esquemas intelectuais que criam as figuras graças, as quais os presente pode adquirir sentidos , o outro tornar-se inteligível e pode o espaço ser decifrado. (CHARTIER, R. A História Cultural: Entre Práticas e Representações, 1990, p. 17.)

superação das contradições do modo de produção capitalista. Tal dispersão conceitual de socialismo, evidenciada na diferenciação proposta por Engels (1977) entre o “socialismo utópico” e o “socialismo científico”, denotam a complexidade conceitual do que venha a ser um modelo socialista de educação.

Os pensadores da corrente socialista utópica como Charles Fourier, Luis Blanc, Robert Owen e Pierre-Joseph Proudthon formularam as bases desta corrente de pensamento, que influenciaram o movimento operário europeu e a social-democracia do século XIX, mediante a proposição de transformações sociais da ordem capitalista burguesa por meios pacíficos e pelas reformas democratizantes.

Segundo Saviani (2011), a concepção socialista de educação, orientada pelo socialismo utópico, apropriou a formulação teórica dos citados pensadores por meio da compreensão de que era necessário erradicar a ignorância, mediante a oferta da educação elementar para todos, como condição necessária para a construção da nova sociedade mais justa e igualitária. Nessa concepção utópica, a educação desempenha o papel crucial de formar o “novo homem” como um a priori essencial para o processo de transformação social.

A crítica de Marx e Engels ao modo de produção capitalista, fundamentada no método dialético-materialista, desvela as suas contradições históricas mediante a formulação da “teoria da mais-valia”, instaurando as bases do que se denominou de “socialismo científico”. Essa nova corrente de pensamento inaugurou uma severa crítica à sociedade burguesa e às bases do materialismo utópico, demonstrando as restrições e limites do projeto societário capitalista e a necessidade de sua superação, como condição necessária para a emancipação humana.

Segundo Saviani (2011), nesta acepção científica, o socialismo deixa sua posição utópica de considerar-se como um ideal a ser conquistado pelo entusiasmo da vontade coletiva, passando a uma acepção revolucionária de transformação da sociedade como produto das leis do desenvolvimento do capitalismo, emergindo como sua negação no processo radical de transição para o comunismo, a ser conduzido pelo proletariado.

Marx e Engels compreendem que o papel da educação continua sendo de grande relevância, porém esta não tinha a função social de formar “o novo homem”, pois ele

já havia sido formado pela sociedade burguesa, que mediante a divisão social do trabalho e pela apropriação dos meios de produção, cindiu a sociedade em classes, fazendo emergir a única classe detentora de um imanente potencial revolucionário, a classe operária.

No entendimento de Mazzotti (2001), Marx e Engels consideram que o “novo homem”, gerado nas entranhas do capitalismo e que formaram a classe social dos trabalhadores assalariados, já se constitui como uma “subjetividade coletiva portadora de interesses próprios, que se expressão na racionalização do modo de vida, tendo como ponto de partida a redução do tempo de trabalho individual e o domínio efetivo dos processos produtivos”. Desta maneira, a educação preconizada por Marx e Engels, deve ser desenvolvida ainda na coexistência com o capitalismo e deverá ser capaz de produzir as condições necessárias para o aperfeiçoamento deste “novo homem”, mediante uma “educação integral e omnilateral”.

No entanto, conforme destaca Mazzotti (2011), esta educação, que ainda se dá no interior da sociedade capitalista, que articula o ensino intelectual com a ginástica para o corpo, com a formação politécnica e com o trabalho remunerado, se constitui numa diretiva que não poderia ser estendida às demais classes sociais, uma vez que elas têm interesses diversos daqueles que vivem do trabalho.

Segundo Saviani (2011) é nesse novo contexto teórico, inaugurado por Marx e Engels, do qual se origina a “pedagogia socialista”, a qual passa a ser entendida como a visão de educação decorrente da concepção marxista histórica. A conceituação de “pedagogia socialista” como uma corrente específica do campo pedagógico, resultante da apropriação da dimensão educacional do pensamento marxista, não é, assim, um campo uniforme, pois existem diversas derivações do sentido para educação, construídas a partir do conjunto da obra marxiana-engelsiana.

Tais dispersões são resultantes dos esforços dos intelectuais marxistas em conceber uma educação socialista que supere as limitações da escola dualista burguesa, enquanto espaço ambíguo de transformação e reprodução da dominação capitalista, buscando a construção de uma “educação unitária” e que fosse um instrumento de formação da consciência socialista.

Estes esforços para construção de uma educação socialista, fundada nos preceitos marxistas, têm como marco inicial as contribuições dos intelectuais e educadores da revolução socialista de 1917, cujas ideias pedagógicas conformaram as primeiras apropriações da dimensão educacional do pensamento de Marx e Engels. Sob as condições históricas de desenvolvimento do socialismo europeu, também floresceram outros esforços para concepção de modelos socialista de educação, que tiveram grande influência nas correntes pedagógicas socialistas ocidentais, com destaque para a concepção de educação socialista desenvolvida pelos intelectuais da social democracia e pelos intelectuais marxistas, como Antônio Gramsci, Bogdan Suchodolski, Mario Alighiero Mancorda e Louis Althusser, dentre outros, que produziram relevantes contribuições filosóficas e sociológicas para a conformação do campo pedagógico socialista no ocidente, sobre os quais tratamos de forma pontual as suas principais contribuições para a conformação dos pressupostos filosófico e político