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3 Explorando o Potencial da Teoria Crítica de Axel Honneth para Ampliar

3.2 Experiência e Reconhecimento: Categorias Complementares para a Análise

A experiência de minha geração foi marcada pela gênese da formação integrada, mediante a emergência e consolidação do ensino técnico integrado, nos anos 1970, passando pela experiência traumática da sua extinção no final dos anos 1990, e pelo seu tortuoso retorno, em 2004.

Defendemos a tese de que cada uma dessas experiências históricas da formação integrada foi sustentada por um discurso oficial, cujo enredo é assumido como uma narrativa prescritiva sobre a relação entre o trabalho e a educação, na qual foi negado o reconhecimento dos trabalhadores, de um modo geral, como atores capazes de contribuir para a construção desta relação, e mais especificamente foram emudecidos os trabalhadores da educação profissional, detentores de um saber e de uma experiência que não poderia ser desprezada.

Investigar as narrativas da formação integrada segundo uma perspectiva metodológica qualitativa, visando refletir a respeito dos princípios que fundamentam as concepções de formação do trabalhador, é um processo investigativo que tem como locus privilegiado a relação entre o trabalho e a educação, exige um aprofundamento teórico e metodológico dos processos investigativos como condição necessária para o enfrentamento das imbricações entre o trabalho e a educação em suas formas históricas atuais.

Nos anos 1980, tornaram-se mais evidentes os dilemas envolvidos na concepção de formação dos trabalhadores, os quais refletiam as disputas teóricas e políticas entre dois vetores epistemológicos diametralmente opostos na apreensão da relação entre trabalho e educação, que evidenciavam as disputas entre dois projetos societários, cuja abordagem realiza-se no Capítulo 4.

O aprofundamento teórico e metodológico da pesquisa do campo da relação trabalho e educação, que se contrapôs aos teóricos do capital humano, desde os anos 1970 até os dias atuais, tem buscado na tradição do pensamento marxista a conformação das categorias analíticas para a sustentação crítica desta relação, mediante a sua

inversão metodológica sob a centralidade da categoria do trabalho, expressa na inversão das concepções de formação para o trabalho para o viés de formação dos trabalhadores.

A nossa intenção de contribuir para o aprofundamento teórico e empírico das pesquisas sobre a formação integrada, mesmo ciente das limitações de nosso intento investigativo, nos conduziu a explorar uma ampliação do espectro investigativo da relação entre trabalho e educação mediante o potencial crítico da Teoria do Reconhecimento de Axel Honneth, complementado pela análise das narrativas da formação integrada, cujo processo metodológico é desenvolvido no capítulo 6.

O trajeto de exploração do potencial da Teoria Crítica de Honneth nos motivou a empreender uma reflexão sobre a relação trabalho e educação no contexto das narrativas da formação integrada a partir das categorias da “experiência” e do “reconhecimento”. A eleição dessas categorias para fundamentar uma interpretação semâtico-pragmática das narrativas da formação integrada demonstra nossa intenção de explorar um novo olhar sobre esta temática, que não se resuma a repetir a “tradicional filosofia da educação”, mas uma intenção de explorar o potencial da filosofia política de Honneth para fundamentar uma crítica das narrativas da formação integrada com a deliberada intenção de ampliar o seu espectro investigativo e apontar alguns indicativos para o aprimoramento da práxis educativa integrada.

O conceito de experiência social, tomada como categoria analítica, cumpre, segundo Camargo (2010), um significativo papel na teoria crítica da sociedade, desde o seu momento originário na “Escola de Frankfurt” até a construção teórica de Axel Honneth, revelando um latente conteúdo normativo e utópico que demarca os diferentes momentos dessa tradição do pensamento crítico.

Experiência e Reconhecimento não são categorias isoladas e não se constituem como categorias novas, pois já estavam presentes na base da teoria social hegeliana, cujo fundamento é apropriado e deslocado por Honneth em sua Teoria do Reconhecimento. Parafraseando Camargo (2012), pode-se afirmar que a experiência social, assim como o reconhecimento, expressão o próprio sentido da Teoria Crítica na sua intenção de realizar uma crítica imanente das relações sociais fundamentada numa teoria social de teor normativo, cujo potencial crítico pode ser explorado para uma ampliar as possibilidades investigativas sobre a formação integrada.

A categoria experiência, tomada como categoria social, assume um sentido próprio no âmbito da teoria crítica, que a inscreve como categoria fundamental da formação social, permeando toda a tradição dessa corrente do pensamento crítico, porém assumindo o devido afastamento tanto da filosofia transcendental quanto do empirismo positivista, para assumir o papel de uma categoria-chave para um diagnóstico do tempo presente, vinculada a uma crítica imanente da modernidade e do processo de transformação do capitalismo.

Segundo Camargo (2010), a experiência ainda cumpre o papel de um conceito- chave para que a teoria social mantenha presente seu horizonte emancipatório e normativo no atual estágio avançado e diferenciado da dominação capitalista. Segundo este pesquisador a Teoria Crítica, já na sua origem, se propôs a desmistificar o uso restritivo deste conceito, ao intencionar construir uma teoria normativa que tome como base as experiências sociais pré-teóricas e pré-científicas, elementos chaves não só para o empreendimento da crítica imanente, mas também para a formação de uma teoria normativa da sociedade.

Walter Benjamin foi um dos pensadores que assumiu a experiência como categoria-chave de sua crítica à modernidade, embora na pertencesse diretamente à tradição da Teoria Crítica, suas ideias e formulações teóricas e filosóficas, tiveram influencias sobre diversos pensadores dessa corrente filosófica e, que se poderia afirmar que até mesmo sobre o jovem Honneth, que é considerado o atual herdeiro dessa tradição.

Um possível indicativo de uma eventual influência do pensamento benjaminiano na obra de Honneth, é o ensaio, de 1999, sobre a Teoria Crítica, no qual este situa Benjamin como “um pensador independente”, como poucos no Século XX, situando-o no conjunto de pensadores que constituíam o que ele denominou de “círculo exterior” dessa tradição filosófica, cuja autonomia em relação ao “círculo interior”, formado por Horkheimer, Adorno, Marcuse, Lowenthal e Pollock, possibilitou a emergência de um projeto teórico e filosófico alternativo, que apontava para a “superação do sistema de referência funcionalista do programa original da Teoria Crítica”.

Segundo Honneth (1999), Benjamin pensava que o conflito de classes sociais é uma experiência sempre viva, e, ao mesmo tempo, uma premissa teórica de toda análise da cultura e da sociedade, não se interessando tanto pela investigação sociológica da

sociedade como um diagnóstico da época, mas sob o ponto de vista de uma filosofia da história. Para Honneth, a força que impulsionava esta filosofia da história em Benjamin era a ideia da redenção da humanidade da culpa da repressão e da dominação social, na qual suas ideias básicas vinham da confluência entre a tradição messiânica judia e o materialismo histórico.

O conceito de experiência social formulado por Walter Benjamin em sua “sociologia cultural”, conforme ressalta Honneth (1999), evidencia uma abordagem diferenciada da adotada pelo núcleo central da Teoria Crítica, pois compreende a experiência mediante uma abordagem singular do processo de integração social motivada, não por uma luta por bem materiais, mas por uma “luta cultural das classes sociais”, por uma luta para o acesso equitativo aos bens simbólicos da cultura e da tradição humana.

A sucinta análise de Honneth (1999) sobre a contribuição de Walter Benjamin para a superação do funcionalismo marxista da Teoria Crítica, já apontava a gênese de sua intenção de retomar o conceito de experiência para o cerne o debate teórico contemporâneo, mediante o seu deslocamento dialético do conceito de experiência que estabelece entre a luta por reconhecimento motivada por experiências de desrespeito, a qual conforma a gramática moral dos movimentos sociais de transformação da sociedade.

Não nos propomos, neste capítulo em que exploramos as bases teóricas para uma ampliação do espectro investigativo da formação integrada, construir uma combinatória, nem mesmo uma síntese, muito menos uma análise das aproximações ou distanciamentos entre dois pensadores tão diferentes como Benjamin e Honneth. Intencionamos apenas explorar o potencial crítico da articulação das categorias experiência e reconhecimento, tomadas a partir dos projetos teóricos e filosóficos destes autores, com o objetivo de fundamentar a análise das narrativas da formação integrada com base nestas categorias.

A exploração do conceito de experiência em Walter Benjamin, considerando-se a complexidade interpretativa de sua obra e a centralidade deste conceito na formulação de sua crítica à modernidade, não temos a intenção de aprofundar esta temática, mas apenas pontuar alguns aspectos relevantes que consideramos necessários para a

fundamentação desta categoria, que compõe a nossa matriz interpretativa da análise das narrativas sobre a formação integrada.

Assim posto, tomamos como referência para situar a categoria experiência social, e sua relação com a “Teoria da Narração” presente na obra de Benjamin, aqui tomada pelo sua abordagem como teorista ou filósofo, dois de seus pequenos e profundos ensaios intitulados “Experiência e Pobreza”, de 1933, e “O Narrador, Considerações sobre a Obra de Nikolai Leskov”, de 1936, e o seu último escrito, publicado após a sua morte, em 1940, “Sobre o Conceito de História”, onde Benjamin apresenta, sob a forma de teses, escritas num estilo muitas vezes enigmático e hermético, recheados de imagens e alegorias, porém constelado com profundos significados e fulgurantes intuições que apontam para uma original crítica à sociedade capitalista moderna e à sua cultura, conforme Lowy (2005), que considera este um dos textos filosóficos mais importantes do Século XX.

No ensaio “Experiência e Pobreza”, Benjamin inicia sua abordagem sobre a temática da experiência falando sobre uma antiga parábola onde um velho, no momento de sua morte, revela para seus filhos a existência de um tesouro enterrado em seus vinhedos. (BENJAMIN, 1994, p.114) Os filhos cavam todos os vinhedos, mas não encontram o tesouro, porém quando chega o outono as vinhas produzem uma grande safra. Benjamin arremata sua narrativa afirmando que os filhos compreenderam que, por meio da história contada pelo seu do pai no leito de morte, este havia “transmitido certa experiência: a felicidade não estava no ouro, mas no trabalho”.

Segundo Pereira (2006), nesse breve ensaio, Benjamin deixa bastante claro o “sentido da tradição” como fonte inesgotável de saber, apontando que este saber transmitido tem na “memória” e na “narração” seus elementos centrais de transmissão. Em “Experiência e Pobreza”, Benjamin (1994) considera que em toda “narração” se depreende uma “moral da história e que esta encerra uma “dimensão prática”, conferindo ao “narrador” uma função. Tal narrativa tem seu fundamento na

“experiência” e na “memória”, que fundamenta uma “ideia de rememoração” que estrutura uma “tradição.

Pereira (2006) pontua que, na obra de Benjamin há a conjugação de um sistema filosófico que intenciona abordar a multiplicidade do conhecimento, o que é evidenciado a partir da compreensão da relação que este autor estabelece entre

“experiência, tradição e a narração”, a qual fundamenta um tecido conceitual que abre novas perspectivas para investigar a relação entre: “o saber que se constitui o que se conta (a tradição); aquilo que se conta (experiência) e como se conta (narração)”. Tais dimensões analíticas podem ser empregadas para analisar a experiência, a tradição e narração do ensino técnico integrado a partir da análise de suas narrativas e do reconhecimento de que seus professores são detentores da memória desta formação, que envolve o saber do tempo e da experiência da formação integrada.

Benjamin aponta que, a experiência (Erfharung) na modernidade, apresenta-se empobrecida e degradada, e a educação, como observa Pereira (2006), enquanto campo de saber investido de modernidade sofre do mesmo mal do “empobrecimento da experiência.” Tal degradação da educação evidencia uma “prática educativa acrítica,” que reflete as mesmas crenças e ilusões de uma filosofia marcada pela ideia de um progresso contínuo e irrefreável, pautado pelo cientificismo, por uma variedade de vivências (Erlebnis) que não dispõem de memória, que não conectam o significado ao significante das narrativas que lhe seriam correspondentes.

No breve ensaio “O Narrador: considerações sobre a obra de Nikolai Leskov”, Walter Benjamin desvela a decadência da arte de narrar como a expressão da pobreza na modernidade, iniciando com uma afirmação em que revela o anacronismo do “narrador” em sua atualidade viva (BENJAMIN, 1994, p. 197)

Meinerz (2008) considera que a incapacidade de intervenção viva e eficaz do “narrador” na atualidade, é o motivo porque Benjamin escolhe o russo Leskov como paradigma de narrador, não por sua narrativa estar próxima da contemporaneidade, mas porque esta ilustra significativamente a distância que nos separa dele e destaca a extinção dessa tradição narrativa que ainda conseguia situar-se na abordagem de temas distanciados no espaço e no tempo.

O Ensaio do Narrador e As Teses Sobre o Conceito da História apresentam de forma sintética, porém profunda, as bases da Teoria da Narração de Benjamin, conforme denomina Gagnebim no prefácio das Obras Escolhidas (BENJAMIN, 1994, p.7). No ensaio O Narrador, Benjamin expõe sua intenção de explorar um substrato comum a todas as formas de narrativas, que encerram uma faculdade de intercâmbio de experiência mediante uma tradição contada, seja na forma oral ou escrita, que se revela

como uma “experiência coletiva” em oposição às “vivências individualizadas” da modernidade.

Benjamin (1994, p. 198) destaca que a experiência que passa de pessoa a pessoa é a fonte que recorrem os narradores, e entre as narrativas escritas, as melhores são as que menos se distinguem das histórias orais contadas por inúmeros narradores anônimos. Na sua abordagem, Benjamin conforma a figura do narrador recorrendo a duas tipologias fundamentais: “o narrador viajante”, aquele que vem de longe e o “narrador local”, que ganhou sua vida honestamente e conhece as histórias e tradições de sua terra. Para o primeiro tipo fundamental, Benjamin exemplificou pelo marinheiro comerciante e o segundo pelo camponês sedentário, no entanto essas duas famílias de narradores somente constituem apenas tipos fundamentais, mas que são essenciais para a compreensão da extensão real do reino narrativo, em todo seu alcance histórico.

A mirada de Benjamin, sobre a importância destes tipos fundamentais para a compreensão do alcance histórico das narrativas, observa como no sistema corporativo medieval os artífices aperfeiçoaram a arte de narrar, iniciada pelos camponeses e marujos, numa análise que se aproxima da narrativa de Sennett (2012), em “O Artífice”.

Benjamin relata que “Leskov está à vontade tanto na distância espacial como na distância temporal, revelando uma característica fundamental do narrador de transpor a temporalidade com a maior naturalidade, aceitando o mundo sem se prender demasiadamente nele.” (BENJAMIN, 1994, p.200).

Outra característica destaca por Benjamin para o narrador é o seu senso prático, que se revela na dimensão utilitária da verdadeira narrativa, que muitas vezes pode consistir num ensinamento moral, de qualquer maneira o narrador é alguém que sabe dar conselhos. Mas dar conselhos, segundo Benjamin, é algo que nos parece antiquado, é porque as experiências estão deixando de ser comunicáveis, e sendo o conselho tecido na substância viva da existência denominada de sabedoria, “o lado épico da verdade”, a sua atemporalidade denuncia “o definhamento da arte de narrar que está em vias de extinção”. (BENJAMIN, 1994, p. 201).

Mas ao contrário do que pode supor uma leitura superficial desta constatação da extinção da arte de narrar, Benjamin não vê isso com um olhar pessimista, não apenas

como um sintoma de decadência da modernidade, mas como um sintoma de transformação da realidade, como ele mesmo afirma:

“Nada seria mais tolo que ver nele um “sintoma de decadência” ou

uma característica moderna. Na realidade, esse processo, que expulsa gradualmente a narrativa da esfera do discurso vivo e ao mesmo tempo dá uma beleza ao que está desaparecendo, tem se desenvolvido concomitantemente com toda uma evolução secular das forças produtivas.” (BENJAMIN, 1994, p.201)

Benjamin indica que o primeiro indício da evolução que vai culminar com a morte da narrativa é o surgimento do romance, na forma de narrativa escrita que se diferencia de todas as outras formas de epopeias e de prosas, pois ao contrário destas, não procede e nem alimenta a tradição oral. A origem do romance revela um traço da modernidade expresso no indivíduo isolado, rico em vivências patrocinadas pela consolidação do modo burguês de viver, apoiado “numa nova forma de comunicação”, que embora seja tão antiga quanto a humanidade, agora exerce uma influência épica, essa nova forma de comunicação é a “informação”.

Para Benjamin (1994, p.203), o saber transmitido pela tradição da narração, distanciado pelo espaço ou pelo tempo, detinha uma “autoridade” que tornava válido o seu ensinamento mesmo que não fosse controlável pela experiência, enquanto a informação exigia uma verificação imediata de sua condição de validez. Esta passagem é reveladora da atualidade do pensamento de Benjamin quando observamos o extraordinário desenvolvimento das tecnologias de comunicação e informação, que são capazes de nos permitir o acesso, em tempo real, às informações do mundo, e, no entanto estamos mais pobres em experiências narráveis, por outro lado estamos ricos em vivências alimentadas pelo mundo informacional, no qual temos acessos a bilhões de páginas de informações na Internet, nos conectamos com todos pelas redes sociais, e mesmo assim nos sentimos empobrecidos em nossas experiências.

Há uma correlação entre a “experiência narrativa” e o “conceito de memória” em Benjamin, na qual este trata a “memorização da narrativa” como um processo de assimilação de uma narrativa facilitada pela sua concisão, que a salva da análise

psicológica. Para Benjamin, este processo de assimilação da experiência narrativa se dá em camadas mais profundas e exige um estado de distensão psíquica, cada vez mais raro: o estado do tédio, representado na alegoria do “pássaro de sonho” que choca os ovos da experiência. (BENJAMIN, 1994, p.204).

A narrativa é associada por Benjamin, com o trabalho artesanal de fiar ou tecer enquanto ouve a história, assumindo ela própria o sentido de uma forma artesanal de comunicação, que na sua origem está na autoridade de quem conta, mas não numa autoridade pelo exercício da força ou do domínio do conhecimento acumulado, mas uma autoridade da “tradição da experiência”. Benjamin (1994, p.208) ressalta que “a morte é a sanção de tudo o que narrador pode contar, é da morte que ele deriva sua autoridade”, de certa maneira a experiência de finitude encerra uma possibilidade de autoridade para a tradição da experiência, que tem seu auge naquelas narrativas reveladas no ato da morte.

Benjamin (1984, p. 209) avança em sua “Teoria da Narração” apontando que cada vez que se pretende estudar certa forma épica é necessário investigar a relação entre essa forma e a historiografia, assim como na sua enigmática descrição do cortejo triunfal dos persas, já esboçava as bases de sua crítica à historiografia clássica, afirmando que “a história escrita se relaciona com as formas épicas como a luz branca se relaciona com as cores do espectro”. A forma épica da história, aquela que se revela na crônica, na sua forma narrativa mais incontestável, a qual pode ser narrada de diversas maneiras, como se fossem variações espectrais. Para Benjamin, o historiador é o que escreve a história, sendo obrigado a explicar os fatos históricos, e o cronista é que quem narra a história, não necessitando explicá-la apenas representá-la em seus modelos históricos.

Pereira (2006) ressalta que o narrador obedece a outro princípio de exposição da história, que é diferenciado da historiografia tradicional, que é o “testemunho”. Essa forma de representação testemunhal da narração impede, por sua vez, que esta se proceda de maneira lógica e verossímil, sempre encapsulando algo de fantástico, de mistério, o que lhe reserva certa “aura” de quem detem um conhecimento profundo sobre o que é narrado, seja ele de natureza prática ou espiritual.

Segundo Benjamin (1994, p.210), a memória é a mais épica de todas as faculdades e ela é o elemento central do modo de transmissão do saber que se estabelece

na “relação ingênua” entre o ouvinte e o narrador, assim como se constitui no locus em que a narração pode florescer pelo recurso à reminiscência, que funda a cadeia da tradição, que tece as narrativas que transmitem os acontecimentos de geração em geração.

Em um ensaio elaborado por Honneth no início de sua carreira sobre a trajetória