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7 Perfil Distributivo das Políticas Sociais: aposentadorias, pensões e riqueza

7.1 Aposentadorias, Pensões e os Ricos: uma visão geral

O capítulo anterior mostrou que as aposentadorias e pensões compõem a segunda fonte mais importante de rendimento das famílias ricas. Como esses rendimentos originam-se, predominantemente, de fundos públicos, este capítulo explora o significado da distribuição de aposentadorias e pensões públicas para indivíduos ricos, a fim de analisar o papel de desigualdades resultantes do tratamento dispensado pelo Estado aos diversos segmentos da sociedade nas origens da riqueza. Como o sistema previdenciário responde pela maior parte dos gastos sociais no país e é regulamentado por legislação igualitarista, a informação obtida é utilizada para fazer inferências sobre outras esferas da atuação estatal que não sofrem o mesmo tipo de regulamentação.

A partir da análise realizada conclui-se que a maior parte dos gastos realizados pelas políticas sociais brasileiras reproduz ou reforça as desigualdades existentes e que, provavelmente, os demais gastos públicos têm o mesmo caráter. Porém, embora isto seja um indicativo da forte tendência do Estado brasileiro em beneficiar os ricos, constata-se que os benefícios previdenciários são um componente de menor importância para sua renda.

As relações existentes entre o Estado e os diferentes segmentos da sociedade é objeto de atenção de uma vasta gama de teorias na sociologia. Dentre elas, dois grandes agrupamentos merecem destaque devido a sua importância na definição dos rumos do debate acadêmico sobre o assunto. Um é o das teorias de classe de origem marxista e, o outro, o das teorias das elites de origem paretiana. Embora distintos em muitos pontos, esses agrupamentos têm, em comum, a interpretação que o Estado nas sociedades capitalistas não trata todos os indivíduos de maneira igual, tendendo sempre a favorecer os estratos sociais mais elevados.

Para a vertente de origem marxista as ações do Estado são um reflexo do jogo de forças entre as classes sociais. Embora se discuta uma maior ou menor autonomia do

Estado em relação às classes dominantes, entre os marxistas é ponto pacífico a idéia de que os capitalistas detêm a hegemonia do Estado e, portanto, o utilizam em seu próprio benefício. Esta utilização inclui a concessão de vantagens a grupos da sociedade, como os militares, a burocracia e seções da sociedade civil, à medida que o comportamento desses grupos atende o interesse da classe dominante (Carnoy,1988).

A teoria das elites, por sua vez, concentra-se mais na existência e na dinâmica de constituição e substituição de elites políticas. Boa parte de sua genealogia é composta por obras que buscaram justificar moralmente o poder político exercido por uma minoria sobre as massas, tratando a existência da dominação política pelas elites como um fato constitutivo de toda e qualquer sociedade e, portanto, justificável por argumentos naturalistas (Grynszpan, 1996). Nela a vertente de inspiração paretiana não se limita aos fenômenos de sucessão na esfera política e vai investigar como as elites no poder obtêm proveitos do Estado. Pareto dedica parte de sua obra a tratar explicitamente do tema, mostrando que as elites estabelecidas tratam o poder do Estado como um instrumento privado a seu serviço (Pareto, 2000:cap 3).

O peso evidente desses dois grandes agrupamentos de teorias na conformação da sociologia moderna sugere que, por suas características, um estudo sobre a riqueza deve deter-se sobre o tema das diferenças no tratamento dispensado pelo Estado aos diversos segmentos da sociedade. É importante, portanto, analisar como os ricos, que a rigor não são nem uma classe marxista nem uma elite paretiana, mas que detêm algumas características de ambas, se relacionam com o Estado no Brasil. Isto consiste, mais exatamente, em começar perguntando se os ricos são ricos porque são favorecidos pelo Estado.

Mensurar o quanto o Estado beneficia desigualmente estratos da sociedade não é uma tarefa simples. As ações estatais possuem dimensões cuja quantificação pode ser extremamente trabalhosa, senão impossível. Dois grandes obstáculos limitam esse tipo de análise, as dificuldades de medição e a indisponibilidade de informação. Uma alternativa metodológica para lidar com essas limitações é buscar um conjunto de ações estatais mais facilmente mensuráveis que sirvam de paradigma sobre o comportamento do Estado e, a partir dele, realizar inferências sobre o perfil das demais ações.

As políticas sociais são a melhor opção para definir esse paradigma em um estudo sobre desigualdade social. Existem, por um lado, elementos da cultura política brasileira e, por outro, determinações legais que, combinados, geram a expectativa de

que as políticas sociais sejam, dentre as ações estatais, as mais orientadas aos estratos inferiores da população. Se as políticas sociais apresentam um perfil distributivo viesado para os estratos mais ricos é provável que as demais ações estatais sejam também viesadas.

As dificuldades de mensuração também estão presentes no estudo das políticas sociais. Essas dificuldades aparecem especialmente no caso da quantificação em termos monetários dos efeitos das políticas. A medição dos efeitos de políticas de educação ou saúde em termos monetários pode ser não apenas difícil como também controversa. Porém, a maior parte das políticas sociais, ao menos em termos de gasto público, é composta de benefícios previdenciários, que por serem transferências monetárias diretas aos beneficiários, são facilmente mensuráveis. Assim, a distribuição de aposentadorias e pensões públicas é uma opção viável de indicador para a análise do comportamento distributivo das ações estatais. A partir dele é possível realizar inferências sobre a relação entre o Estado e os ricos.

Para analisar essa relação este capítulo está dividido em sete seções. A primeira é formada por esta introdução, que busca fornecer uma visão geral dos assuntos tratados. A segunda analisa o papel dos gastos sociais no conjunto dos gastos públicos, discutindo aspectos relacionados a sua mensuração e a disponibilidade de informação. Nela são feitas observações sobre as expectativas referentes ao caráter distributivo dos gastos sociais para argumentar que distribuição desses gastos nos diferentes estratos da sociedade são um indicador do perfil geral de relacionamento do Estado com os segmentos ricos da sociedade.

A terceira seção dedica-se à análise do volume e da composição dos gastos sociais no Brasil, definindo o que são estes gastos para, em seguida, mostrar sua importância no PIB e sua composição segundo áreas ao longo da década de 1990. Nesta seção destaca-se a importância de uma análise pormenorizada do perfil distributivo da previdência social, isto é, das políticas de concessão de aposentadorias e pensões, que é realizada nas duas seções seguintes. Deve ser destacado que as políticas previdenciárias respondem por praticamente dois terços de todos os gastos sociais federais brasileiros.

A seção quatro baseia-se em métodos e instrumentos de análise de distribuições de renda em geral para estudar da distribuição de aposentadorias e pensões segundo estratos da população. Aponta-se uma incidência muito maior de pessoas ricas entre os beneficiários que está relacionada, mas não pode ser justificada, por diferenças na

composição etária das populações de ricos e não-ricos. Mostra-se que o direcionamento da aposentadorias e pensões aos ricos está relacionada ao viés concentrador do sistema como um todo.

Ao analisar, sob uma perspectiva histórica, características institucionais do sistema previdenciário brasileiro, a seção cinco mostra que a ausência de um perfil igualitário nas políticas previdenciárias, bem como em outras políticas sociais, está relacionada ao fato de, em sua origem, o regime de proteção social no Brasil não ter se caracterizado por um “compromisso” amplo entre trabalhadores e capitalistas mediados por uma burocracia vinculada aos primeiros, mas por pactos restritos à burocracia e às elites. A sujeição dos gastos sociais a metas de ajuste fiscal impediu, nos anos recentes, que a inércia dessa origem regressiva fosse rompida.

A sexta seção busca avaliar em que medida a renda do estrato rico está relacionada às desigualdades na distribuição de aposentadorias e pensões. Nela mostra- se que as aposentadorias e pensões são item de menor importância para os ricos do que para os não-ricos e que sua supressão gradual ou mesmo total afeta de modo mais intenso apenas uma fração pequena da população rica, o que leva a concluir que a importância das aposentadorias e pensões para os ricos como um todo é limitada. A sétima seção condensa as principais conclusões do capítulo.