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5 RESULTADOS E DISCUSSÃO

5.6 Perspectivas de reabilitação dos usuários de drogas

5.6.2 Aposta no trabalho das RAPS

Verificaram-se no estudo perspectivas que apostam no trabalho preconizado nas Redes de Atenção Psicossociais, descritas como: a identificação da redução de danos como também estratégia de cuidado; a identificação da potência do ACS como agente facilitador da reabilitação psicossocial do usuário; no papel das redes como atores do cuidado; na necessidade de fortalecer os fatores de proteção e na possibilidade de aceitar o uso de drogas controlado.

Apesar da necessidade de se aprofundar a concepção de redução de danos, observa-se que a mesma pode ser entendida como uma estratégia de cuidado:

Mas eu acho que a gente pode contribuir bastante pra que tenha um bom desfecho né. Aquele, aquela parte que a gente estudou sobre redução de danos, eu acho que se a gente conseguir reduzir um pouquinho que seja né, um pouquinho hoje, um pouquinho amanhã, ou hoje ele passa aqui, eu faço a minha parte, amanhã ele tá em outro lugar onde alguém que teve essa orientação que eu tive também faz a parte dela. Eu acho que pode ter um bom desfecho, mas assim, eu acho que a gente tem que fazer a nossa parte. Ou pouco, ou muito, aquilo que eu puder fazer e tiver ao meu alcance de fazer eu tenho que fazer.

Nunes et al. (2013) discute que durante trabalho realizado com ACS do Rio Grande do Sul, percebeu-se o quanto a concepção de Redução de Danos que os mesmos possuíam limitavam tal perspectiva à distribuição de seringas, visão esta que pode ser problematizada e ampliada por meio de espaços de trocas e reflexões.

Outra questão encontrada refere-se à potência do ACS identificado por alguns participantes como também agente facilitador da reabilitação psicossocial do usuário de drogas:

Não preciso ser um médico, eu não preciso ter um conhecimento tão avançado pra ajudar, né. Se eu fizer a minha parte, eu de alguma forma, alguma coisinha ali, né, vai vai ficar.

Eu acho que atenção. Eu acho que esse é o maior, é o que eu falo assim, não só no meu trabalho , o meu é, aonde eu tô passando, porque eu acho assim, a pessoa que é usuária de drogas, principalmente a pessoa que é usuária de droga é muito carente, e ela já é assim, desprezada por toda a sociedade, isso já é...Porque as vezes você chega pra visitar eles e eles já te recebe com aquele ...tipo, que você vai entrar, que você vai julgar, que você vai criticar aquela situação toda. Então se você é uma pessoa mais cautelosa, uma pessoa assim, com uma visão diferente, você conquista a pessoa por aí.

Olha eu acho que é assim, toda pessoa ela tem a chance de se ela iniciou nisso, se ela quer sair, se ela né, ela tem a chance de tentar sair né. Eu

acredito que muitas assim, hum, faltam muita ajuda, faltam um outro tipo de trabalho, sabe [...].eu acho que tem solução, acho não, tem solução né. Tem solução, pra tudo dá um jeito, a gente tem que né, tem que ser com paciência pra começar um trabalho, tem porque não vai ser fácil porque ele vai abandonar, ele não vai, nem sempre eles vão seguir certinho aquilo. Então por exemplo: ele já não seguiu ali, aí você vai falar “ah nem adianta...” e já abandona o caso. Não é assim, né. Não é assim. Você vai ter que botar denovo, vai ter que falar denovo, vai ter que fazer tudo denovo, começar denovo e ajudar né. Daí se cai denovo e assim vai. Eu creio que seja assim, que a gente tenha que sempre trabalhar e não desistir nunca. Não desistir deles. E é isso. [...] Ah eu acho assim que o PSF ele é um trabalho muito assim, assim um trabalho que dá pra ser bem feito sabe, mas acho que falta um pouco assim tanto das administrações, sabe, falta no PSF a gente trabalha com o médico mas eu acho que assim, às vezes um psicólogo, um atendimento [...].

O último fragmento aponta para a percepção do ACS de que os usuários de drogas merecem investimento das equipes e acredita em sua reabilitação, porém o mesmo reconhece a falta de apoio das administrações e sua necessidade de apoio de um profissional de outra categoria para o desenvolvimento de tal trabalho.

Também fora colocado o papel das redes como atores do cuidado, ampliando o cuidado do usuário para além dos muros da ESF e compreendendo estratégias intersetoriais:

É assim, que nem, além da rede que que nem eu falei que foi muito bom eu saber disso, que a gente tem outras pessoas que a gente pode contar, pode né, ter o apoio e antes não ficava tão aberto assim né.

Ainda no sentido das redes, o ACS aponta a necessidade de fortalecer os fatores de proteção da região, o que corrobora as atuais políticas públicas sobre atenção ao uso de drogas, colaborando especialmente para a prevenção do uso:

Porque eu acho assim eu vou falar pela minha área. É uma população muito abandonada, assim, carente mesmo de tudo, então o que acontece, o que leva eles a usar? Eles vão usar porque ali pra eles o superherói é o traficante, não é a polícia, porque a polícia nem vai lá, eles nem conhece! [...] Que nem, esses dias eu participei de uma reunião que vai levar uma ONG para lá. Fiquei muito feliz sabe, eu ainda falei “nossa eu já vejo lá adiante” porque é tudo que a gente queria. Porque ali as crianças não tem escola no bairro, não tem posto de saúde, eles vem aqui mas não tem, não tem uma praça, você não vê nada, você não vê uma sorveteria, só tem bares. Bares tem a rios. Então agora tá tendo duas igrejas lá, uma já tinha e agora tá se formando mais uma então não tem nem espaço para você ir trabalhar se você quiser fazer um trabalho pra jovem, pra qualquer pessoa, não tem...

A fala acima ilustra o quanto o uso de drogas transcende a um possível “desajuste emocional” ou “falta de estrutura familiar” e nos remete à organização social

que desinveste em espaços de educação, lazer e cultura, abrindo margem para proliferação de vendas de drogas, sejam elas lícitas (bares) ou ilícitas (tráfico).

Indo ao encontro da importância em se discutir sobre e pensar na reinserção social dos usuários, encontrou-se a seguinte perspectiva de um ACS sobre os usuários:

[...] depende da relação que o paciente faz com a droga. Isso, se o cara é fissurado: droga, droga, droga, só droga na frente dele aí o futuro não é bom, o desfecho não vai ser legal.... Vai ser prejudicial para ele de várias maneiras, vai desencadeando né. A pessoa perde os sentimentos, sei lá, só faz besteira. Mas o cara que é consciente, o cara que usa droga e é consciente, sei lá, o cara pode usar a droga dele normal e seguir a vida. Depende, os desfechos, os dois. (...)Bom, seria bom se as pessoas não usassem droga mas como hoje isso não é possível, ah sei lá, tentar ficar mais junto das pessoa, tal, conversar, pra eles num vê a gente como um...sei lá, inimigo. Sei lá, tentar formar uma sociedade por igual, sei lá, do cara que usa droga, do cara que não usa. Porque tá meio dividido né? A gente tem preconceito, às vezes tem até medo né, sair à noite por causa dessas pessoa. Mas é bom que unificasse tudo. Eu não sei se é possível, eu não sei como é que é, por mim...pela minha pessoa sim, agora não sei.

O fragmento acima expõe uma inquietação importante que diz respeito a um ideal de uma sociedade sem drogas, sugerindo a necessidade de se rever práticas de saúde que se ancoram em tal percepção.