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UFSM Doutorado

7. APRESENTAÇÃO E COMPREENSÃO DAS NARRATIVAS

7.2 SIGNIFICANDO A PARTICIPACÃO NO GRUPO DE FLAUTAS DOCES

7.3.1 Aprender e ensinar música

Durante os encontros de pesquisa, com muita frequência as narrativas dos participantes voltavam-se para temas recorrentes. Às vezes eles pareciam querer intencionalmente reforçar um acontecimento ou sensação marcante, e, outras vezes, a justificativa era aparentemente a mesma para diferentes questões propostas. Deste modo, organizar a apresentação das informações da pesquisa sem repeti-las tornou-se um processo de escolha complexo e nem sempre possível. Algumas vezes, uma fala dita no primeiro encontro complementava outra fala proposta no segundo. Em outros casos, também, um mesmo diálogo entre os participantes sugeria duas ou mais dimensões de análise.

Com os aspectos relacionados a ensinar e aprender ocorreu isso. Retiro alguns trechos de situações já descritas na apresentação dos participantes para compreendê-las sob uma outra dimensão. Começo então descrevendo a narrativa de Newton, onde ele conta que aprender a tocar flauta doce tinha sido uma experiência tranquila e fácil. “Eu achei muito fácil aprender a

tocar flauta doce. Como eu falei, eu aprendi sozinho, sem professor. Eu nunca tive um professor, só na faculdade e contigo. E eu achei tão fácil” (Newton, E1). Sabrina então o interrompe

dizendo: “É que o começo é fácil” (Sabrina, E1). No entanto, causa-lhe estranheza perceber a grande dificuldade que é para alguns de seus alunos: “Eu vejo os meus alunos hoje e percebo a

dificuldade que eles têm” (Sabrina, E1).

Newton explica que se sente realizado quando está tocando para uma turma mais iniciante de alunos, e alguns dizem: “Como é fácil! Para nós é difícil, mas como é fácil para ti, como parece fácil!”. “É fácil para vocês também”, Newton responde.

Daí hoje, quando eu pego os alunos mais avançados, vocês lembram? [dizendo aos alunos] Vocês lembram no início, olha como é fácil agora? Daí eles reconhecem como é fácil. Claro! E agora eles pegam músicas... às vezes eu dou uma música de primeira, só para testar o esquema deles, sabe, e eles vão embora. Às vezes alguns travam, mas a maioria vai embora. E isso que é legal! (Newton, E1).

Sobre isso, Sabrina comenta: “Eu acho que a galerinha em geral está desistindo quando

vê que não é só ir ali e soprar”. “O cara tem que estudar também”, complementa Alexandre

(Diálogo, Sabrina e Alexandre, E1).

Newton lembra também da dificuldade enfrentada para desenvolver a consciência do sopro. Segundo ele, é um processo lento e que necessita ser lembrado constantemente aos alunos para que cuidem da postura, da respiração, do ataque, da coluna de ar, entre outros. “Quando explico tudo direitinho, daí, sim, eles começam, mas ainda assim querem tirar o som,

parece que soprando o mais forte possível para tirar o som mais alto do que todo mundo”

(Newton, E2). Sabrina ainda complementa dizendo: “Sozinho está bonitinho, tocou em grupo,

cruzes!”. E Newton concorda.

Neste exato momento, Sabrina faz uma expressão pensativa e continua: “Mas tu sabes

que eu fico pensando, talvez antes a gente não percebia que a gente estava fazendo algo assim com a flauta doce”. Então Newton responde: “A Fernanda é que sabe. Às vezes [na aula] eu olhava para a Fernanda e ela respirava fundo. E eu pensava: Barbaridade, eu não estou agradando a Fernanda. Vou ter que estudar mais” (Newton, E2). Eu imediatamente digo que

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Rodrigo então lembra de quais eram suas principais dificuldades nas primeiras aulas:

Eu lembro também das minhas aulas. Principalmente quando eu comecei a pegar a soprano com mais afinco, tipo: “Vamos tocar? Vamos tocar soprano!”. Eu estava recém saindo do trompete. Então eu tinha muita dificuldade de controlar o fluxo de ar. Eu era acostumado a mandar um ar do caramba para dentro do trompete. Aí você pega a flauta, cujo tubo de ressonância é muitas vezes menor e que não precisa de toda aquela reserva de ar que tu tens para o trompete. Eu lembro que você [Fernanda] me olhava assim, e dizia: “Rodrigo, respira direito. Não respira tanto. Aqui tu solta mais, aqui tu solta menos”. E eu digo “tá”. Mas vamos lá! (Rodrigo, E2).

A narrativa de Newton sobre sua atuação docente e o início do processo de aprendizagem da flauta doce foi um disparador de lembranças para que os demais integrantes também lembrassem e refletissem sobre a sua iniciação com a flauta doce.

Newton então continua: “Para mim, eu digo sempre que foi: ‘Solta mais o ar, solta mais

o ar!’ [Fernanda dizendo] E eu segurava mais um pouco” (Newton, E2). Sob este mesmo

aspecto, Sabrina então explica que não percebia ter dificuldade quando começou a tocar a tenor, por exemplo: “Eu acho que por isso eu tinha facilidade com a tenor, porque a tenor tem que

jogar muito mais ar, e a transversa também” (Sabrina, E2).

Rodrigo então lembra que o grande momento da sua vida de estudante foi quando percebeu que o instrumento já era uma extensão do seu corpo, o que significa que não precisava mais se concentrar em tantos aspectos, como sopro, dedilhado, entre outros, tudo fluía de maneira espontânea.

Ainda sobre o aspecto do estudo, Newton comenta que, do grupo de flautas doces de sua escola, apenas um de cada cinco alunos costuma estudar em casa. Ele explica que, do repertório estudado para a abertura do Encore, apenas um aluno consegue tocar a introdução do Hino Nacional Brasileiro. “Só não faz os trinados, mas já está tocando” (Newton, E2). Então Sabrina exprime o quanto é gratificante ver outras pessoas seguindo os mesmos passos.

Rodrigo explica como é importante ter um lugar para tocar em grupo. Segundo ele, esta prática musical além de motivar é uma excelente oportunidade para o estudo. Newton concorda e relembra o quanto foi rápida a sua aprendizagem com a flauta baixo a partir do momento em que passou a tocá-la no nosso grupo (Rodrigo, E2).

Na percepção de Newton, existe também um outro fator, que é o modismo. Alguns anos atrás, por exemplo, havia uma novela transmitida pela Rede Globo em que um dos personagens tocava vários instrumentos, dentre eles flauta doce. Logo, naquela época ela virou uma febre entre os estudantes.