EXPLICANDO A COMPREENSÃO DOS DADOS

O processo que transforma os dados ou informações da pesquisa em resultados e conclusões é, certamente, a etapa mais complexa. Por outro lado, permite a criação de um caminho próprio que leva à apreensão dos significados produzidos pelos próprios participantes da pesquisa. Iniciei a compreensão das narrativas somente após tê-las organizado a partir das temáticas que as identificam. De certa forma, ao organizá-las, já estava em curso o processo de compreensão, entretanto, em diferentes níveis de aprofundamento.

Apresento a seguir um breve trecho que relata minha história de vida musical, o qual apoia-se nas narrativas produzidas por ocasião de minha dissertação de mestrado (ANDERS, 2014). O mesmo trecho compõe a introdução da presente tese (p. 16). Minha intenção é, por meio dele, mostrar de modo prático como a teoria fundamentada auxiliou as análises que levaram à compreensão das narrativas desta tese de doutorado.

O trecho escolhido para este exercício interpretativo foi o seguinte:

Minha prática docente iniciou centrada no ensino de instrumento e levou alguns anos para que eu sentisse segurança em realizar atividades que permitissem movimentação corporal livre, danças e brincadeiras musicais que fossem significativas e entrelaçadas. Para um professor em início de carreira, muitas vezes as dificuldades vão além do próprio planejamento das aulas de música e da organização do plano de ensino. Depois que se tem maior prática, confiança por parte da comunidade escolar, é que “se arrisca” a realizar essas atividades, talvez mais ousadas, para um sistema de ensino onde ainda as crianças se sentam em classes enfileiradas e permanecem assim por quase todo o período escolar.10

A leitura atenta e repetida desse material foi imprescindível para encontrar uma maneira de organizar as ideias ali apresentadas. Charmaz chama atenção para os tipos de compreensão/análise que podem ser feitas palavra por palavra, linha por linha, ou mesmo a cada novo inciso. Por ser este um trecho curto, opto por realizar uma análise linha a linha, procurando marcar as palavras ou expressões de maior importância:

Minha prática docente iniciou centrada no ensino de instrumento e levou alguns anos para que sentisse segurança em realizar atividades que permitissem movimentação corporal livre, danças e brincadeiras musicais que fossem significativas e entrelaçadas. Para um professor em início de carreira, muitas vezes as dificuldades vão além do próprio planejamento das aulas de música e da organização do plano de ensino. Depois que se tem maior prática, confiança por parte da comunidade escolar, é que “se arrisca” a realizar essas atividades, talvez mais ousadas, para um sistema de ensino onde ainda as crianças se sentam em classes enfileiradas e permanecem assim por quase todo o período escolar.

10 _{Esta citação foi retirada da introdução desta tese para um exercício de análise. Trata-se de um trecho que faz}

Dentre as nove linhas de análise desse pequeno trecho, vinte palavras/expressões ganham destaque. À medida que fui marcando as palavras importantes, estas, por sua vez, remetiam a outras palavras ou comentários que inspiraram a compreensão do texto. Para não perder nenhuma ideia, organizei uma tabela que permitiu uma visualização geral e sucinta do campo semântico.

Quadro 12 – Palavras retiradas do texto

Palavras retiradas do texto Novas palavras, expressões, comentários ou

relações

Prática docente Experiência

Ensino de instrumento Ensino de música, metodologias de ensino

Anos Semestres de estudo, tempo

Segurança A princípio, insegurança, experimentar

Movimentação Ensino estático, tanto no sentido

corporal/movimentação quanto a compreensão de que o seu conteúdo pode ser variado

Brincadeiras musicais Leveza, alegria, integração, estímulo à memória, criatividade para criar novas brincadeiras e levá-las às crianças

Significativas A importância do que se faz, leve para a vida

Entrelaçadas Objetivo em mente; propósito para realizar um conteúdo em oposição a outro

Início de carreira Formação dos graduandos; deixar experimentar, mas orientar; conduzir por meio da experiência

Dificuldades Podem ser maiores ou menores para cada

licenciando; há etapas semelhantes que o professor em início de carreira passa

Planejamento das aulas Reflexão, cuidado, motivação, escolhas do que ensinar do que excluir, o que é mais relevante

Plano de ensino Relacionada à anterior

Maior prática Relaciona-se à próxima; confiança

Confiança Convicção, requer tempo

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Comunidade escolar Alunos, pais e familiares, professores, direção – é um grupo; Grupo de flautas = leveza, união, divisão de tarefas, responsabilização nos integrantes

“Se arrisca” Relaciona a ousar, a próxima palavra

Ousadas Inovar, criar

Sistema de ensino Organização, filosofia de como ensinar

Classes Pode ser a mesa, lugar, disciplina específica

Período escolar Período formativo, organização de conteúdo,

nivelamentos, formar para a vida, valores

Fonte: Elaboração própria.

Com esta organização, procurei exercitar uma reflexão para além das palavras retiradas do texto e daquelas relacionadas, que fossem mais abrangentes e que dessem sentido aos aspectos apresentados. Percebo, então, além da dimensão “prática docente” que está explícita no texto, outras duas, sendo a primeira referente à formação profissional. Nesta dimensão, ao explicar que “Minha prática docente iniciou centrada no ensino de instrumento”, recordo que esta foi uma das atividades marcantes na minha vida. Como relatado, participei de muitos grupos musicais e estudei por longos anos flauta doce e piano. Assim, como professora principiante, tais atividades remetiam à sensação de “saber ensinar”, resultando em “alguns

anos para que sentisse segurança em realizar [outras] atividades”. Os relatos que apresento no

decorrer do projeto, cujo conteúdo trata da minha admiração pela forma de condução de aulas e ensaios de alguns dos meus professores, certamente me motivaram para que eu seguisse não apenas a profissão deles, mas que também realizasse tais atividades com características metodológicas semelhantes.

Na terceira linha, quando digo que introduzi ao ensino de música “atividades que

permitissem movimentação corporal livre, danças e brincadeiras musicais”, estas mudanças

estão certamente relacionadas ao meu momento de amadurecimento profissional. Ali, percebo que, mesmo considerando a prática instrumental importante e não deixando de realizá-la, encontro outras maneiras de conquistar o interesse dos estudantes para a música, que implica a realização de atividades “significativas e entrelaçadas” aos conteúdos que se pretende ensinar. E, tratando-se da escolha de metodologias inovadoras que possam atingir nossos objetivos, estas requerem do professor coragem para mudar, intuição, autoconfiança, estudo, dedicação, aspectos estes que, somados, não costumam ser simples “para um professor em início de

carreira”.

Da mesma forma que Mr. Holland se vê como professor no momento em que modifica sua aula, trazendo a experiência do cotidiano para inspirar seus alunos a participarem com perguntas e comentários, a minha grande virada como professora aconteceu quando passei a adotar uma atitude mais reflexiva, buscando sentir e ir ao encontro do interesse da turma, o que implica também um detalhado “planejamento das aulas de música e a [re]organização do plano

de ensino”, e, nas palavras da autora Maura Penna (2010), “uma mudança de perspectiva

pedagógica”. Acredito que esta reflexão possa valer tanto para a minha atuação no ensino escolar básico, de onde este relato se situa, quanto no ensino superior, quando amplio as experiências musicais dos estudantes de flauta doce para as práticas em grupo. Tudo isso trata especificamente do segundo grande aspecto emergente desta análise, a Reflexão, que é responsável pelo amadurecimento e avanço na profissão docente.

Ao dividir as tarefas do grupo de flautas doces entre todos os estudantes, procurando instigá-los a construir juntos os concertos didáticos, espero suscitar a reflexividade em sua formação para que não sejam professores estáticos, não apenas no que diz respeito ao corpo, mas também na escolha do conteúdo de suas aulas e nas possibilidades metodológicas por eles escolhidas. Além disso, desejo que tenham sempre um propósito em mente e que inspirem leveza, alegria, integração, que sejam criativos para inventar novas atividades para levá-las às crianças, jovens e adultos a quem seu trabalho será direcionado.

Procurando encerrar este exercício de análise, mas não esgotando as possíveis reflexões, questiono-me ainda sobre até que ponto nós, professores formadores, deixamos que nossas experiências docentes, sejam elas positivas ou negativas, influenciassem nas escolhas profissionais e posturas éticas que os futuros professores tendem a seguir. Além disso, de que modo estas experiências podem favorecer na escolha de seu melhor caminho como docente? Como o ensino de música na escola básica, local este previsto para atuação dos licenciados em Música, pode ser significativo e relevante para a vida das pessoas, sem esquecer do sistema de

ensino [que é tradicionalmente estático], onde as crianças [ainda] se sentam em classes enfileiradas e permanecem assim por quase todo o período escolar? Por fim, como os cursos

de formação profissional docente podem se preparar para dar conta de todos estes aspectos? As três dimensões emergentes do texto estão descritas no fluxograma a seguir.

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Ilustração 20 – Dimensões emergentes

Fonte: Elaboração própria.

Com a apresentação das narrativas desta tese finalizada, imprimi o arquivo e realizei o processo descrito acima. Neste momento, sublinhava no próprio texto frases e palavras importantes e, ao lado da folha, novas palavras, expressões, comentários e relações teóricas já tratadas no trabalho que se aproximavam e indicavam os rumos do processo de compreensão.

1 - Período formativo Conteúdos Metodologias Instrumento (flauta) Adquirir titulação Como fazer 2 - Prática profissional docente Início da carreira Dificuldades Planejamento Experiência Confiança Ousar / criar 3 - Reflexão Significativo

Valores para a vida