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Aprendizado e mudança anatômica do córtex cerebral

Aprender é mudar! Mudar por dentro e por fora. Quem aprende de verdade muda o jeito de pensar a vida, muda a forma de falar, muda a postura do andar!

Se pensar, falar e andar são atos coordenados pelo encéfalo, então algo deve ser mudado também no interior do encéfalo para que a pessoa possa se manifestar de uma maneira diferente. Será que quando aprendemos algo e o

registramos como memória(s), algo também se altera no encéfalo? Essa pergunta é

respondida por Eric Kandel, prêmio Nobel de medicina e fisiolgia em 2000:

À medida que adquirimos novas informações e armazenamos como memórias, acredita-se que novas alterações anatômicas se estabeleçam no encéfalo. Esse princípio simples tem profundas implicações. Uma vez que todos somos criados em ambientes de certo modo diferentes e temos, de alguma forma, diferentes experiências, a arquitetura do encéfalo de cada pessoa é modificada de forma única. Mesmo gêmeos idênticos, não terão encéfalos idênticos, pois certamente terão experiências de vida diferentes (KANDEL, 2003, p. 212).

Desde o começo do século XX que Ramon y Cajal19 postulou corretamente que “O homem é o escultor de seu próprio cérebro”. Na década de 1950, também um dos pioneiros da pesquisa em comportamento biológico, Donald Hebb, acreditava que a memória implicava em mudanças estruturais nos circuitos neurais. Porém, naquela época, esses cientistas ainda não dispunham de evidências experimentais para que suas hipótese pudessem ser comprovadas.

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Santiago Ramón y Cajal, prêmio Nobel de medicina e fisiologia em 1906, é considerado o pai da neurociência (ver anexo III).

Nos últimos 20 anos houve um grande avanço nas neurociências, especialmente em relação aos mecanismos fisiológicos e moleculares da formação, consolidação e evocação da memória. Atualmente, está estabelecido que a aprendizagem pode levar a alterações estruturais no encéfalo. A cada nova experiência do indivíd uo, constata-se que redes de neurônios20 são rearranjadas, outras tantas sinapses são reforçadas e múltiplas possibilidades de respostas ao ambiente tornam-se possíveis. A experiência pode se dar por uma aprendizagem ativa ou pela convivência em lugares enriquecidos com indivíduos, cores, música, sons, livros, cheiros e outros estímulos.

Este processo de modificação sináptica é chamado de plasticidade

neuronal. Cada experiência vivenciada estimula o processo de plasticidade neuronal

em diferentes espécies, que vão desde os invertebrados até os humanos. Define-se a plasticidade neuronal como sendo a propriedade do sistema nervoso que permite o desenvolvimento de alterações estruturais em resposta à experiência, e como adaptação a condições mutantes e a estímulos repetidos.

A plasticidade neuronal está presente em todas as etapas do desenvolvimento, inclusive na fase adulta e durante o envelhecimento. A capacidade de modificação do sistema nervoso em função de suas experiências, tanto em indivíduos jovens como em adultos, foi reconhecida apenas nas últimas décadas (ROSENZWEIG, 1996).

A neuroanatomista americana Marian Diamond (1987) realizou um experimento com ratos, que tem sido muito comentado e constantemente citado. Ela foi capaz de demonstrar que os animais que foram criados em um ambiente

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Os neurônios são células especializadas, cuja principal função é comunicar-se com outros neurônios e com os órgãos que realizam as ações (como os músculos e o coração). Em conseqüência do processamento de uma fantástica quantidade de informações, a atividade integrada dos neurônios determina e modula o comportamento dos indivíduos.

enriquecedor, uma gaiola cheia de brinquedos e dispositivos, tais como bolas, rodas, escadas, rampas, etc., desenvolviam um córtex cerebral significativamente mais espesso do que aqueles criados em um ambiente mais limitado, sem os brinquedos ou vivendo isolados. O aumento da espessura do córtex não era devido apenas a um maior número de células nervosas (natural da etapa do desenvolvimento do rato); mas havia também um aumento expressivo de ramificação de seus dendritos e das interconexões com outras células, conforme está ilustrado na figura abaixo.

Ambiente pobre em objetos Um ambiente enriquecedor, que permite aos ratos interagir com os brinquedos em suas gaiolas, provoca mudanças anatômicas no córtex cerebral.

O gráfico à esquerda mostra como o número médio de ramificações observadas nas células estelares21, que são encontradas na quarta camada do córtex visual do rato, é maior nos animais criados em ambientes enriquecedores (reta identificada como EC,

isto é, condição enriquecedora) do que nos

animais criados juntos em grupos sociais,

(identificados como SC, ou condição de grupo social), porém desprovidos de

brinquedos. Por sua vez, os ratos SC apresentam um número maior de ramificações nas células estelares do que os animais criados isolados e sem bri nquedos (IC, ou grupo de condição de

isolamento). Uma diferença ainda maior pode ser vista nas ramificações de quarto e

quinto níveis. Em outras palavras: as ramificações originadas do corpo da célula não aumentam devido a uma experiência sensorial, motora ou social mais rica; o inverso é verdadeiro para as ramificações no ponto dos longos processos neuronais. Isso constitui uma evidência de que as células estelares crescem e geram novas ramificações naquelas pré-existentes, e isso é um resultado muito significativo.

As partes das células estelares que crescem são os dendritos22, e consequentemente, o crescimento das ramificações dos dendritos só pode significar que os processos de intercomunicação nas células do córtex23 aumentaram e que

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Células estelares são neurônios arredondados e seus axônios não deixam o Córtex, sua função é estabelecer as conexões com as colunas corticais.

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É através dos dendritos que um neurônio recebe os impulsos nervosos de outras células, que são transmitidos através do corpo celular e, a partir daí, para o axônio.

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Córtex é a camada mais externa do cérebro. A espessura do córtex cerebral varia de dois a seis milímetros.

mais dendritos torna-os mais efetivos em termos de regulação da atividade dos circuitos neuronais.

Esse aumento de densidade sináptica desenvolvido em ambientes motivacionalmente enriquecidos foi constatado em ratos. Não está provado, ainda, com o devido rigor científico, que o mesmo ocorra com seres humanos.

Embora ainda não existam evidências diretas, tais como as observadas por Diamond em ratos, é do conhecimento científico o fato de que as tarefas de ativação mental são acompanhadas por muitas mudanças, tais como mudanças no metabolismo cerebral (consumo de glucose por células cerebrais, aumento do fluxo e temperatura do sangue). Essas mudanças podem agora ser observadas diretamente através de novos instrumentos de imagens computadorizadas, como, por exemplo, as imagens por ressonância magnética funcional (RMf) e a tomografia de emissão de pósitron (PET).

Fluxo Sanguíneo Cerebral (CBF) durante uma tarefa de ativação mental. O sujeito controle normal, linha de base (esquerda) e tarefa matemática (direita). Nesse indivíduo, o aumento da perfusão durante as tarefas matemáticas é visível tanto na área frontal inferior e parietal esquerda.

Fonte: Villanueva-Meyer et. cols. - Alasbimn Journal

No passado, sem as técnicas de imagem do cérebro, era difícil coletar provas neurocientíficas diretas da aprendizagem de humanos. Até pouco tempo, os

cientistas acreditavam que, uma vez completado seu desenvolvimento, o cérebro era incapaz de mudar, particularmente em relação às células nervosas, ou neurônios.

Hoje já está estabelecido que o encéfalo, mesmo tendo uma estrutura arquitetônica pré-estabelecida, é passível de permanentes mudanças construtivas, assim como também são o repertório comportamental e as memórias do indivíduo. As evidências científicas indicam que a plasticidade sináptica é a responsável pela capacidade de transformação dos neurônios e pela aquisição das memórias, e que a manutenção de atividades criativas e estimulantes pode melhorar a evocação da memória. Embora alguns desses prováveis mecanismos já tenham sido identificados, ainda há muito a ser descoberto e decifrado. A memória e a plasticidade estão, sem dúvida, entre as mais interessantes e enigmáticas fronteiras das neurociências.

Existem suficientes evidências que demonstram que a educação e o entorno emocional esculpem o encéfalo e modificam sua forma de processar a informação. Esse processo ocorre através da ativação de partes específicas do encéfalo, em resposta a estímulos externos fundamentais, como o movimento, a percepção e as emoções.

A compreensão das vantagens e limitações das tecnologias de imagem do encéfalo é o primeiro passo para entender como a neurociência cognitiva poderá colaborar com a educação. Para os educadores, os resultados advindos destas pesquisas podem trazer uma importante contribuição para a elaboração de currículos que levem em conta as características do funcionamento encefálico.

III

ARTE