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2.1 Imaginando o funcionamento do sistema nervoso

2.1.5 Imaginação

A imaginação é um fenômeno cognitivo, estudado primeiramente por Wilhelm Wundt na virada do século XX. A habilidade em criar e experimentar situações virtuais, de combinar informações de forma pouco comum ou de inventar imagens mentais sempre foi alvo de muita controvérsia entre filósofos e psicólogos.

No período que vai das primeiras décadas do século XX ao início dos anos 70, a hegemonia das pesquisas behavioristas impediu a continuidade da investigação das representações mentais. Somente com Roger Shepard, na universidade Stanford, o tema das representações pictóricas voltou a ser pesquisado numa série de experimentos envolvendo a rotação de imagens. Os resultados advindos dessas pesquisas reintroduziram o tema das representações pictóricas no centro das atenções da ciência cognitiva.

Então, Steven Kosslyn, psicólogo cognitivo da Universidade de Harvard, partiu da iniciativa de Shepard para empreender novos testes que visavam ampliar o número de provas empíricas sobre a existência e flexibilidade da imagética

mental.

Após uma série de pesquisas, Kosslyn propôs, então, uma teoria imagética sobre as representações mentais figurativas, na qual as imagens são tão importantes para compreensão da cognição quanto o método proposicional.

O psicólogo canadense Zenon Pylyshyn não ficou nada satisfeito com o retorno do modelo imagético. Para Pylyshyn, o processo cognitivo é totalmente computacional e o comportamento do sistema pode ser explicado por propriedades intrínsecas de leis biológicas. Em outras palavras, os cientistas descutiam se a imaginação usava regiões específicas do cérebro, ou se ela apenas reativava as partes do cérebro usadas pelos sentidos. Conforme Suzana Herculano-Houzel comenta:

Aos poucos, e graças à engenhosidade e insissistência de Kosslyn, no meio dos anos 90, foi ficando claro que imaginar, ‘ver com os olhos da mente’, é ativar a visão pelo lado de dentro: sem que haja um estímulo para os olhos, a imaginação faz funcionar as partes do cérebro que vêem. Kosslyn usou máquinas de imageamento cerebral, que detectam quais partes do cérebro consomem mais energia enquanto a pessoa faz, ou sente, alguma coisa. Mas o que ele pediu aos seus voluntários era até então impensável num experimento científico: que imaginassem ver as figuras que ele tinha acabado de mostrar. Afinal, como saber o que a pessoa tinha realmente imaginado? Era um experimento em que o pesquisador não controlava praticamente nada. No entanto, os resultados eram consistentes de uma pessoa para outra. Kosslyn foi experimentando com as mais diferentes tarefas: imaginar objetos conhecidos, rostos, figuras novas, o caminho de casa. Em todos os casos, o cérebro se comportava como se a pessoa estivesse “vendo”, apesar de ter os olhos fechados. Imaginar uma letra minúscula, por exemplo, ativava uma região menor nas áreas visuais no cérebro que imaginar letras maiúsculas - exatamente como quando vemos letras de tamanhos

diferentes. E agora, no final do ano 2000, foi encontrada a pista que faltava: ver ou imaginar objetos acaba ativando os mesmos neurônios no cérebro. O experimento foi feito por dois pesquisadores da Caltech, associados a um neurocirurgião da Universidade da Califórnia. Juntos eles estudaram nove pacientes que sofriam de epilepsia intratável, e por isso foram submetidos a uma cirurgia para a implantação no cérebro de eletrodos que permetiriam a localização do foco da doença. Ao posicionar os eletrodos, os pesquisadores aproveitaram para analisar a atividade de neurônios ao redor, enquanto pediam aos pacientes para olharem figuras e depois imaginá-las15 (HERCULANO-HOUZEL, 2004, p152).

Imaginação é a representação mental das coisas (objetos, eventos, ambientes, etc.) que presentemente não estão sendo percebidas pelos órgãos sensoriais. Por exemplo, recorde uma de suas primeiras experiências na escola. Quais foram algumas das visões, dos sons e até dos aromas que você teve naquela ocasião? Embora essas sensações não lhe sejam imediatamente acessíveis nesse momento, ainda assim você pode imaginá-las. De fato, a imaginação mental pode representar coisas que jamais haviam sido observadas pelos seus sentidos em momento algum; por exemplo, imagine o que seria estar andando no deserto do Saara. As imagens mentais podem, mesmo, representar coisas que absolutamente não existem fora da mente da pessoa que as cria; exemplificando, o avião antes de haver sido criado por Santos Dumont.

A maioria das pesquisas sobre a imaginação, na psicologia cognitiva, focalizou a imaginação visual, a representação mental do conhecimento visual (p.ex., objetos ou ambientes) não-visível presentemente aos olhos.

Pesquisas recentes demonstraram que a imaginação pode envolver

15

Os pacientes costumam ficar acordados durante a cirurgia do cérebro, pois o cérebro não tem receptores de dor.

representações mentais em quaisquer modalidades sensoriais (audição, olfato, paladar, etc.) não apenas na modalidade visual. Imagine um alarme de incêndio, sua canção favorita; o aroma de um perfume, de bacon frito ou de uma cebola; o sabor de um limão, ou de seu doce favorito. Pelo menos hipoteticamente, cada forma de representação mental está sujeita à investigação e alguns cientistas estudaram cada uma das representações sensoriais.

Kosslyn, no momento, está conduzindo experimentos que mostram que o cérebro emocional tem conexões com as regiões perceptivas do cérebro. Uma dessas partes do cérebro, o lobo occiptal, não só está engajado na percepção, mas também na construção de imagens mentais ou visualização. Pesquisas que utilizam as técnicas de neuroimagem funcional têm mostrado, repetidamente, que o ato de imaginar ou visualizar ativa muitas das mesmas regiões do cérebro ativadas pela percepção.

Recentes pesquisas que utilizaram neuroimagens funcionais mostraram que, quando os sujeitos visualizavam estímulos aversivos (por exemplo, um rosto espancado ou um corpo queimado), certas regiões do cérebro ficavam mais ativas do que quando o sujeito visualizava estímulos neutros (por exemplo, uma lâmpada ou uma cadeira). Essas regiões, inclusive a ínsula anterior (dentro do sistema límbico), são responsáveis pelo registro de mudanças autônomas no corpo. Como o Dr Stephen Kosslyn observou em sua palestra no Fórum de Alto Nível, realizado pela OCDE, na Espanha em 2001, a pesquisa está começando a demonstrar que a visualização de fatos aversivos não só é registrada no cérebro, mas também afeta o corpo alterando o sistema hormonal. Isso pode afetar indiretamente as capacidades cognitivas, uma vez que o nível de testosterona afeta a capacidade espacial. Vencer uma competição eleva o nível desse hormônio no

sangue, enquanto uma derrota baixa o nível do hormônio. Portanto, é possível que a simples visualização de tais situações também possam afetar esse hormônio, que, por sua vez afetaria as capacidades espaciais. Atualmente, várias equipes de pesquisadores estão envolvidas no andamento dessa modalidade de investigação científica.

Para os arte educadores, o uso da imaginação na aprendizagem tem sido desde sempre uma força pedagógica. Afinal, mesmo antes de sabermos os mecanismos neurais da imaginação, o ser humano naturalmente já a utilizava a milênios.

Porém, o acesso aos resultados de pesquisas científicas referentes ao processo cognitivo da imaginação pode trazer informações valiosas a serem incorporadas na área pedagógica.

Portanto, reforço a sugestão: Imagine, apenas imagine, o funcionamento do Sistema Nervoso!

Entre nossas características culturais únicas, a arte é talvez a mais nobre invenção humana. Imaginem, por exemplo, a necessidade de recrutamento de bilhões de neurônios, milhares de músculos, imensa capacidade sensorial, visual e auditiva, a espantosa capacidade de memória envolvida para saber de cór e executar um concerto para tocar uma serenata de Chopin ao piano. São bilhões e bilhões de neurônios, treinados ao longo de anos de prática, espalhados por todas as regiões do cérebro, e trabalhando em harmonia para produzir um resultado de uma complexidade inimaginável. (CARDOSO & SABBATINI, 2000).