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CAPÍTULO I MARCO TEÓRICO

1.1. A Aprendizagem do Sistema de Notação Alfabética e da Norma Ortográfica.

1.1.2. O Aprendizado da Ortografia

O aprendizado da ortografia nas crianças tem um caráter dinâmico. Além da busca de regularidade demonstrada por certos “erros”, observa-se a atividade mental dos aprendizes claramente quando, por exemplo, na escrita de pseudopalavras, eles preservam os morfemas

das mesmas, sejam radicais ou sufixos, o que é um raciocínio diferente daquele apresentado na fase alfabética.

Curvelo, Meireles e Correa (1998), através de uma situação lúdica, o jogo de forca, estudaram o conhecimento ortográfico das crianças. Esse é um tipo de teste diferente daqueles que se costuma aplicar, visto que, em sua maioria, os estudos tomam como instrumentos de coleta atividades que são próprias do contexto escolar. Participaram desse estudo 60 crianças de escolaridade variada (2ª, 3ª e 4ª séries). No decorrer do jogo foi solicitado à criança que justificasse a escolha da letra que estava nomeando. O resultado mostrou que a maioria das escolhas da criança, em relação às letras, não ocorria de forma aleatória. As autoras referem ainda que nem sempre as justificativas dadas foram apropriadas à escolha, o que as levou a supor que esse processo de reflexão ortográfica se daria de forma gradativa.

Segundo Morais (1995) muitos fatores podem influenciar no rendimento ortográfico. São eles:

• Tempo de escolaridade: As pesquisas que se preocupam em verificar a relação entre o desempenho ortográfico e o tempo de escolaridade apontam uma relação direta entre o avanço da escolaridade e o domínio da norma.

• Dialeto e grupo sociocultural do aprendiz: As crianças de níveis socioculturais mais desfavorecidos podem apresentar um desempenho ortográfico pior do que as de nível sociocultural mais alto, não por apresentarem uma deficiência (SOARES, 1991), mas talvez pelo menor contato com material impresso no ambiente familiar. Por outro lado, quanto mais distante for a fala da criança da norma culta, mais distante será da notação escrita convencional.

• Regularidade ou irregularidade das correspondências fonográficas: Existe uma facilitação maior na escrita de palavras que apresentem regularidade, visto que, a

notação das palavras irregulares requer sua memorização e a obrigatória formação de um léxico mental.

• Freqüência de uso das palavras na modalidade escrita: Esse item tem uma ligação direta com o anterior; se existe a necessidade de formação de um léxico mental para a notação de palavras irregulares, quanto mais freqüente for o uso das palavras, mais fácil o armazenamento de sua imagem mental.

• O tamanho das palavras: quanto maiores as palavras, mais difícil sua notação, talvez devido à quantidade de informação processada. Porém, o efeito do tamanho das palavras tende a diminuir com o avanço da escolarização.

• Habilidades metalingüísticas (metafonológicas e metamorfossintáticas): Devido à especificidade desse tema para nossa pesquisa, trataremos em seções específicas a relação entre tais habilidades e o domínio ortográfico.

Estudos apontam que não há estágios fixos no aprendizado da ortografia. Nunes, Buarque & Bryant (1992) afirmam, por exemplo, que o domínio das regras hierárquicas, que correspondem às regras do tipo contextual citadas anteriormente, não envolve todas aquelas regras ao mesmo tempo, algumas são aprendidas mais cedo que outras.

Melo (2001) e Melo & Morais (2001) desenvolveram um estudo tendo como um dos objetivos identificar quais restrições do tipo regular morfológico causavam maiores dificuldades aos aprendizes, das séries iniciais, quando tentavam escrever segundo a norma ortográfica do português brasileiro. Participaram desse estudo 127 crianças, sendo 64 sujeitos pertencentes a uma escola pública e 63 de escola particular. Buscando parear os grupos socioculturais quanto ao tempo de instrução formal em leitura, os autores adotaram a seguinte medida: os alunos da escola pública estavam concluindo as segunda, terceira e quarta séries e os alunos da escola particular estavam concluindo a primeira, segunda e terceira séries. Algumas regras morfológicas se mostraram menos acessíveis aos educandos que outras. As

que causaram maiores dificuldades foram as flexões do infinitivo, do pretérito perfeito plural, do futuro do presente, do imperfeito do subjuntivo e os sufixos de derivação ez, ês e ice. Em relação ao nível sociocultural, observou-se, em geral, um desempenho significativamente melhor dos alunos da escola particular (classe média) em algumas regras analisadas (r do infinitivo, futuro do presente, gerúndio e nos sufixos de derivação ez, al e esa). O avanço da escolarização apontou uma melhora no desempenho dos alunos tanto da escola pública como na particular em cada regra, à exceção da notação do futuro do presente.

O estudo acima reforça que o domínio das regras não acontece igualmente, ou seja, o fato da criança dominar um tipo de regra morfológico-gramatical não subentende o domínio de regras semelhantes, pois parece existir uma complexidade distinta entre regras de um mesmo tipo, tornando algumas mais fáceis de apreensão que outras.

Estudo desenvolvido por Meireles e Correa (2005) também aponta que certos “contextos ortográficos” são mais fáceis para as crianças do que outros: são mais fáceis os “contextos” ligados tanto às regularidades contextuais como os contextos morfológico-gramaticais. As autoras explicam, ainda, que existe uma hierarquia interna nas regras ortográficas. Inicialmente as crianças consideram apenas algumas particularidades sobre elas e, à medida que vai aumentando a idade e a escolaridade, a regra passa a ser utilizada de forma mais consistente.

Tentando entender como o aprendiz observa as dificuldades impostas pela sua língua, Monteiro (2002) analisou o uso do s e do ss por crianças da alfabetização à quarta série, na notação de palavras reais e de palavras inventadas. Como resultado, observou que as crianças estão sempre em busca de uma regularidade no sistema de escrita. Essa busca só é vencida quando as hipóteses das crianças são contrariadas pelos dados da realidade. É neste momento que surge a compreensão da norma ortográfica.

Em relação aos grafemas estudados, a autora observou que a criança inicialmente admite apenas uma letra para cada som, usando exclusivamente o grafema z para representar o som /z/ e o grafema s para representar o fonema /s/. Posteriormente, a criança desperta para a possibilidade do s apresentar mais de um som e para a existência da grafia ss. Finalmente, a criança apresenta um desempenho em que predomina o uso da regra, podendo eventualmente ocorrer “erros”, mas que não mais indicam generalizações inadequadas, como, por exemplo, iniciar uma palavra com ss.