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Apêndice I Questões Norteadoras Grupo Focal (Etapa 2)

I. PROBLEMÁTICA

I.1 As Três Idades da Formação Prática dos Professores

I.1.1 Aprendizagem artesanal: a primeira idade

A institucionalização da formação docente para a prática escolar teve seu início formal a partir da criação das Escolas Normais, na França em meados do século XVII e no Brasil, a partir de 1835.

Anterior a este período, “as mulheres religiosas e leigas aprendiam a ensinar in loco, pela experiência e imitando as professoras mais experientes” (TARDIF, 2013, p. 555). A aprendizagem da docência era baseada na observação e imitação, a fim de adquirir um ‘saber da experiência’ para lecionar. Era uma formação artesanal que priorizava o aprender fazendo (RUGIU, 1998).

Comenius, ao inaugurar a Didática Magna já nos apontava para a importância de se ter uma preparação para os mestres. Jean Baptiste de La Salle foi um dos primeiros a pensar sobre a necessidade de se formar o professor na França, criando em 1688 uma escola específica para a preparação de mestres, contendo uma escola de aplicação, “onde os normalistas faziam sua estreia sob a direção de um mestre mais experiente5” (GUEX, 1906, p. 194).

La Salle acreditava que a formação era pautada na observação de bons e vários modelos, bem como na prática, sendo necessário que o professorando observe “um mestre formado, e que seja bom modelo; após, entregar-lhe a escola um dia, alternadamente com o mestre. Será bom fazer que veja numerosas escolas e pedir-lhe diga o que notou, e porque umas lhe pareceram mais bem dirigidas que outras” (LA SALLE apud COUSINET, 1974, p. 18).

Posteriormente, Lakanal inaugura em 1794 as primeiras escolas normais, que passaram a ser obrigatórias no território Francês a partir de 1833 (GUY VINCENT, 1991), após a promulgação do Regulamento de 14 de dezembro de 1832. Nesse período há leis, regulamentos e decretos que estabelecem encaminhamentos quanto à prática do ensino e o funcionamento das escolas normais de maneira geral. É apontado que os ‘instituteurs6’ devem praticar os métodos de ensino em

uma ou mais classes das escolas anexas7: “A duração dos estudos é de dois anos e

os seis últimos meses os alunos-mestres particularmente exercitaram na prática os

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Tradução nossa. Texto original: “où les normaliens font leurs premières armes sous la direction d'um maître éprouvé”.

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Nome que se dava aos normalistas.

7 As escolas anexas foram criadas para os estudantes das Escolas Normais a fim de exercitarem a prática. Estas

melhores métodos de ensino em uma ou mais classes primárias anexadas à escola normal”8 (online).

No caso brasileiro, as Escolas de Primeiras Letras inauguram a formação exclusivamente prática dos professores por meio da aprendizagem e domínio do método Lancaster, sem oferecer-lhes uma base teórica (SILVESTRE, 2011; TANURI, 2000; BASTOS, 1998). O professor “poderia se formar observando a ação modelar de outro docente da escola da Corte” (VICENTINI; LUGLI, 2009, p. 31), portanto, a formação para a prática era oferecida por um mestre que “dominasse o método mútuo” e ensinava-o “aos demais professores, através da demonstração prática, suprindo, assim, os problemas de ausência de cursos específicos” (BASTOS, 1998, p. 96).

A partir de 1835, de forma institucionalizada, o Brasil tomando como base o modelo francês, criou as primeiras Escolas Normais, as quais tinham como pressuposto a observação e imitação de modelos (PIMENTA e LIMA, 2011), no “domínio das rotinas estabelecidas nas escolas pelas professoras experientes, bem como pelo respeito às regras escolares”. (TARDIF, 2013, p. 557).

Os Estados Unidos também criaram suas escolas normais nesta época, no entanto, além do modelo francês, também acreditava que os princípios de civilizações antigas contribuíam para revelar os métodos de ensino a serem a dotados (LORENZ, 2009). Compreendendo as ideias de Stowe, James Carter e outros reformadores criaram oficialmente a primeira escola normal pública, já oferecida nas universidades, mesmo que ainda em nível médio. Em tais escolas, a ênfase também era nos conteúdos de ensino em detrimento da prática docente.

Sobre este período, Villela (2004, p. 52) sinaliza que há uma “diferença entre a formação do tipo artesanal e uma formação profissional”, pois passa a existir “um campo de normas e saberes próprios da profissão em contraposição à improvisação” da formação anterior.

No entanto, tais escolas também possuíam um currículo, um programa de ensino baseado em disciplinas que se ensinavam na escola primária, com o intuito de preparar os normalistas para os conteúdos escolares que iriam ministrar.

8 Tradução nossa. Texto original: « La durée des études est de deux ans et les six derniers mois les élèves-

maîtres sont particulièrement exercés à la pratique des meilleures méthodes d’enseignement dans une ou plusieurs clases primaires annexées à l’Ecole normale » (online - http://www.le-temps-des-instituteurs.fr/doc-le-

Com isso, o ensino nas Escolas Normais teve maior ênfase nos aspectos teóricos, passando por uma fase do saber. As críticas e as necessidades de se formar professores para a prática vieram à tona.

Para isso, foram criadas informalmente no final da década de 40 dos anos 1800 algumas escolas anexas às Escolas Normais, a fim de que os alunos-mestres pudessem realizar os exercícios práticos do ensino.

Assim sendo, a preocupação com a prática na formação dos professores era tema de leis, discussões em relatórios e periódicos publicados em diversas províncias do Brasil a partir dos anos de 1840.

Encontramos aspectos relacionados a uma possível formação prática em 1846, na lei n. 34, art. 319, em que se aponta que o ensino nas escolas normais tenham matérias relacionadas a métodos e processo de ensino e sua aplicação. Nessa época, para ser professor priorizava-se aqueles que tinham a “instrução prática do ensino” (PROVÍNCIA DE SÃO PAULO, 1846).

Em 1848, em um relatório da Província da Bahia, ao mencionar e sugerir que existam mais escolas para que os alunos-mestres exercitem a prática, há também a preocupação com o professor que recebe os normalistas, sugerindo que ele receba bonificações:

he preciso que se conceda gratificação conveniente aos respectivos Professores, cujas escolas forem anexas á Escola Normal como auxiliadoras, tornando se assim mais perfeito o centro preparatório á Instrucção primaria da Provincia (PROVINCIA DA BAHIA, 1848, p. 12).

Portanto, já naquela época havia um reconhecimento, mesmo que tímido, dos docentes que recebem os futuros professores nas escolas. Atualmente, em alguns países como França e Canadá, os chamados Formadores ou professores- associados, realizam este papel.

No Brasil estes docentes continuam como colaboradores do processo, pois não há “dispositivos sistemáticos para sua seleção e formação, não lhes atribuímos uma designação específica no sistema educacional e comumente não os remuneramos pelo desempenho de suas atividades formativas junto aos estagiários” (SARTI, 2013, p. 220). A discussão sobre tal valorização ocorre apenas em

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algumas universidades brasileiras que criam estratégias na tentativa de oferecer algo que as políticas públicas ainda não alcançaram.

Ainda na província da Bahia, em 1851, o relatório apresentado enfatiza a necessidade de exercícios práticos para a formação dos professores:

Parece-me incompleta a instrucção que se dá na Escola Normal, que realmente se tem limitado á estas matérias, porque a pratica dos methodos, sem a qual não pode hum alunmo da escola julgar-se habilitado a ser professor, não tem sido exercitada, apesar do Regulamento addcional de Outubro de 1847 a exigir (PROVINCIA DA BAHIA, 1851, p. 9).

Além disso, pontua que depois de formados, os professores iniciantes deveriam exercitar a prática em boas escolas, durante um ano, pois, citando Cousin, a prática é que habilita os professores.

No relatório de 1852, produzido por Casemiro de Sena Madureira, dirigido ao Presidente da Província da Bahia, é destacada novamente a obrigatoriedade de mais lições de prática, com acompanhamento de uma Professora do ensino prático: “Os alumnos da Escola Normal e quaesquer outros candidatos ao magistério devem ser obrigados á praticar o methodo por um ou dous anos nas aulas primárias” (PROVÍNCIA DA BAHIA, 1852, p. 7).

Reconhecendo que a prática é o elemento fundamental para a preparação de mestres, passaram a considerar que isto bastava, rejeitando as escolas normais e criando o cargo de “professores adjuntos”, consistindo “em empregar aprendizes como auxiliares de professores em exercício, de modo a prepará-los para o desempenho da profissão docente, de maneira estritamente prática” (TANURI, 2000, p. 65). Para Vicentini e Lugli (2009, p. 31),o sistema de professor adjunto “correspondia a um modelo artesanal, com o futuro professor aprendendo as técnicas e os usos do trabalho acompanhando a prática de um professor experiente”.

Alguns elementos dessa ideia aproximam-se das “rotas alternativas” de formação docente, atualmente em vigor nos Estados Unidos (ZEICHNER, 2013). São cursos de formação oferecidos aos futuros professores que os encaminham diretamente à prática, sem nenhum conhecimento do campo pedagógico. É o famoso slogan americano “aprenda enquanto trabalha”.

No percurso apresentado, pudemos acompanhar que mesmo em contextos e épocas diferentes, Brasil e França seguiram caminhos que se cruzam no que tange

à componente prática da formação docente. Permaneceram elementos de uma formação artesanal, porém houve uma evolução na compreensão da prática que, inicialmente tratava-se de uma simples reprodução das atitudes do mestre mais experiente, passando a considerar a aprendizagem de conteúdos a ensinar, e, por fim, um retorno à ênfase na prática, mas com a proposta de que ocorra em local específico, reconhecendo a contribuição do professor da escola anexa e a necessidade de um acompanhamento do professor da instituição de formação. Em suma, “o aprendizado da profissão passa pela prática, pela imitação e pelo domínio das rotinas estabelecidas nas escolas pelas professoras experientes, bem como pelo respeito às regras escolares” (TARDIF, 2013, p. 557).

O modelo artesanal, predominante no Brasil “durante praticamente todo o período Imperial”, seguia a perspectiva de um “futuro professor aprendendo as técnicas e os usos do trabalho acompanhando a prática de um professor experiente” (VICENTINI; LUGLI, 2009, p. 31).

É, portanto, um período marcado pela transição dos princípios das artes liberais que priorizavam o ‘aprender ouvindo’ para uma perspectiva mecânica que focalizava o ‘aprender fazendo’ (RUGIU, 1998). Esta fase de transição vem munida de aspectos da noção de instrumentalização técnica, tema da segunda idade que segue.