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Aprendizagem escolar e o desenvolvimento das funções psíquicas

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CAPÍTULO II Ͳ A FORMAÇÃO DE CONCEITOS NA TEORIA HISTÓRICO-

2.2 Aprendizagem escolar e o desenvolvimento das funções psíquicas

De acordo com a perspectiva histórico-cultural, o desenvolvimento está ligado a processos de mudanças e de transformações que ocorrem ao longo da vida do sujeito e em cada uma das múltiplas dimensões de seu funcionamento psicológico. Como tal, o desenvolvimento é percebido de forma entrelaçada às práticas culturais e educativas, incluindo, então, necessariamente, o processo de aprendizagem.

Para Vigotski (2007), desenvolvimento e aprendizagem não são processos idênticos, embora se constituam uma unidade. Ainda segundo Vigotski (2007, p. 94), “ao dar

um passo no aprendizado, a criança dá dois no desenvolvimento, ou seja, o aprendizado e o desenvolvimento não coincidem”. Assim, cabe-nos reconhecer desenvolvimento e aprendizagem associados às experiências do sujeito no mundo com base nas interações, assumindo o pressuposto da natureza social do desenvolvimento e do conhecimento especificamente humano como imprescindível para compreender o desenvolvimento do indivíduo. Desenvolvimento este que não se pode entender sem considerar a dimensão temporal e a dimensão social do ser, que se manifestam nas relações interpessoais ao longo do processo de hominização.

Na perspectiva histórico-cultural, o sujeito é visto como concreto, situado, datado, privilegiando-se o papel da mediação, da linguagem, do contexto, das relações sociais e da Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP) no processo de transformação qualitativa e quantitativa no desenvolvimento do psiquismo humano.

Segundo Vigotski (2010, p. 115), “a aprendizagem é um momento intrinsecamente necessário e universal para que se desenvolvam na criança essas características humanas, não naturais, mas formadas historicamente”. Mediante o ensino, a aprendizagem escolar é a principal via do desenvolvimento intelectual da criança. A aprendizagem potencializa o desenvolvimento da criança, uma vez que requer dela desenvolver formas mentais novas para lidar com o objeto. Para Vigotski (2000), isso se dá mediante o ensino. Daí o princípio, enunciado pelo autor, de que o bom ensino deve preceder o desenvolvimento cognitivo, e não o contrário.

Portanto, a aprendizagem não está a reboque do desenvolvimento cognitivo; não é a maturação que deve preceder o ensino, mas o ensino que deve se antecipar a ela. Em outras palavras, significa dizer que a aprendizagem cria processos que não poderiam existir por si só. É nessa perspectiva que “um passo de aprendizagem pode significar cem passos de desenvolvimento” (VIGOTSKI, 2000, p. 303).

A tese de que a aprendizagem impulsiona o desenvolvimento tem como base a primazia das relações humanas no processo educativo. Não é o fazer por si só, não é o aprender a aprender que pressupõe o caminho solitário do sujeito, mas é o fazer junto, que o autor enfatiza. Nesse sentido, Vigotski identificou dois níveis de desenvolvimento. O primeiro, denominado zona de desenvolvimento real da criança, corresponde às funções que já se encontram amadurecidas, ou seja, o que as crianças conseguem fazer por si mesmas. Nesse nível, a criança consegue resolver problemas sem ajuda de terceiros. O segundo nível é chamado de “zona de desenvolvimento proximal", e corresponde ao que a criança só é capaz de realizar com ajuda de terceiros, ou seja, ao estado em que as funções psicológicas da

criança estão começando a se desenvolver. Esse processo é necessário e, segundo Vigotski (2007), a devida organização da aprendizagem resulta em desenvolvimento mental e aciona vários processos de seu desenvolvimento, que, de outra maneira, não seria possível acontecer.

Ao citar como exemplo duas crianças com dez anos cronológicos e oito anos como desenvolvimento mental, o autor explica:

Essa diferença entre doze e oito ou entre nove e oito, é o que chamamos a zona de desenvolvimento proximal. Ela é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes (VIGOTSKI, 2007, p. 97).

Identificar a ZDP possibilita delinear o futuro, indo além do que já foi desenvolvido e incluindo o que está em processo de maturação. Isso significa que, para se ensinar os conceitos científicos, é necessário compreender o desenvolvimento mental das crianças, em suas diferentes etapas, e assim entender o que acontece na sua mente, quando lhes são ensinados os conhecimentos científicos.

Hedegaard (2002) esclarece que Vigotski acentua a necessidade de se definir ambos os níveis de desenvolvimento da criança, o nível de desenvolvimento real e o nível de desenvolvimento proximal, para saber a relação entre o processo de desenvolvimento dela e as possibilidades do ensino. É o ensino que, adequadamente organizado, cria a zona de desenvolvimento proximal. Como afirma Vigotski (2007), “o bom aprendizado” deve se adiantar ao desenvolvimento. A consequência direta dessa afirmação é que o aprendizado desperta diversos processos internos de desenvolvimento e possibilita que um nível de desenvolvimento seja convertido no outro.

Duarte (2001, p. 98), ao se referir à importância da zona de desenvolvimento próximo para o processo educacional no contexto escolar, afirma que:

Cabe ao ensino escolar, portanto, a importante tarefa de transmitir à criança os conteúdos historicamente produzidos e socialmente necessários, selecionando o que desses conteúdos se encontra, a cada momento do processo pedagógico, na zona de desenvolvimento próximo. Se o conteúdo escolar estiver além dela, o ensino fracassará porque a criança é ainda incapaz de apropriar-se daquele conhecimento e das faculdades cognitivas a ele correspondentes. Se, no outro extremo, o conteúdo escolar se limitar a requerer da criança aquilo que já se formou em seu desenvolvimento intelectual, então o ensino torna-se inútil, desnecessário, pois a criança pode realizar sozinha a apropriação daquele conteúdo e tal apropriação não produzirá nada qualitativamente novo, mas apenas um aumento quantitativo das informações por ela dominadas.

A importância atribuída por Vigotski à definição dos níveis de desenvolvimento é a faixa etária, que corresponde a novas formações psíquicas e que apresenta sempre um novo tipo de atividade principal. Segundo Fichtner (2014), algumas fases do desenvolvimento

continuadamente se caracterizam como estágio estável; outras um processo com crises. A cada estágio se define uma nova formação principal, uma estrutura única, e na passagem de um estágio para outro a estrutura total da consciência se transforma. Nessa perspectiva, a infância tem um caráter histórico-concreto, as particularidades e especificidades de cada estágio são historicamente transformadas.

Existe uma lógica do processo de aprendizagem, uma sequência própria, existindo, na cabeça de cada aluno, uma rede de processos desencadeados que se movimenta nesse percurso, com sua lógica interna, contendo uma base psicológica das várias disciplinas.

Nesse aspecto, pode-se dizer que a aprendizagem, como uma experiência social, é um processo mediado pela utilização de instrumentos e pela apropriação de signos culturais, no qual cabe ao professor ajudar os alunos a organizar o pensamento e as ações e a internalizar os conhecimentos historicamente produzidos.

Essas considerações permitem inferir que o desenvolvimento das funções psíquicas superiores é necessariamente artificial, ou seja, se dá como artifício da cultura, decorre das possibilidades criadas nas atividades humanas, particularmente por meio da aprendizagem sistematizada pelo processo educacional, que tem a função de criar condições para que os estudantes apropriem-se dos conhecimentos científicos e teóricos elaborados ao longo da história.

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