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APRENDIZAGEM FILOSÓFICA PARA O SURDO

Um ponto a ser considerado sobre a aprendizagem filosófica é a necessidade de que o problema filosófico seja analisado por aquele que se propõe a apropriar de um estilo que exige um rigor com os conceitos e entender as suas ligações. O carecimento do sujeito e seu enfrentamento encontram na atividade filosófica campo para o desenvolvimento.

Segundo a proposta socrática, trata-se da capacidade de indagar e de reconhecer a sua ignorância frente a uma tese, esse “pré-requisito” é encontrado com certa “naturalidade” no estudante Surdo. Quando diante de um texto, conceito, problema ou explicação filosófica, expõe para todos os estudantes o que não entendeu, perguntando O quê? Como?

Por que do reconhecimento da ignorância frente a um tema trabalhado na Filosofia com o uso do texto clássico pelos Surdos? Surge, então, possibilidade de uma recepção, por isso utilizar-se-ão algumas hipóteses que abaixo serão anunciadas e, depois, demonstradas pela pesquisa, a fim de tentar pontuar como e se a recepção filosófica ocorre de fato.

1. Saber da complexidade do tema.

2. A dificuldade da linguagem na exposição de conceitos e problemas por parte do autor, presentes no texto.

3. Não percepção da conexão com a realidade, portanto a ausência de elementos concretos faria com que eles se excluíssem do trabalho.

4. Superar a falsa ideia de que a Filosofia possui uma linguagem destinada a poucos (os herdeiros de uma cultura elitizada).

5. Limitação intelectual.

Ao percebermos em algumas aulas, questionamentos sobre conceitos filosóficos, o educador de Filosofia pode analisar se os estudantes estão filosofando. Como garantir essa tese? O caminho que produz essa indagação é relevante para o ‘fazer filosófico’? Pois a recepção filosófica é fruto da resposta às indagações: Como se deve pensar? Como se deve agir? Como se deve viver?

Considerando a tese aristotélica, uma vida virtuosa é construída durante toda a existência e não em algumas horas ou dias, ainda segundo o livro Ética a Nicômaco

bem pensar e no bem viver. Fazendo uma analogia com todas as ressalvas possíveis por tratar de objetos de análises diferentes. Todavia se deseja focar num ponto que acertar por acaso não agrega grande valor ao ser visto que outra situação semelhante a possibilidade do êxito seria incerta. Portanto, diante do estudante que indaga o professor sobre um conceito ou problema, no texto ou tema desenvolvido em sala, a sua capacidade de explicar para o grupo presente o que o incomoda, sendo que, ao fundamentar o seu questionamento sobre a exposição do professor ou do colega, demonstra um entendimento e atitude relevante para o filosofar.

Ao apresentarmos um texto de Filosofia ao Surdo, alguns cuidados são importantes, como demonstrar, quando o texto apresenta uma analogia, que a ideia que se quer transmitir não deve ser entendida literalmente. Considerar que a mensagem está sendo transmitida na sua segunda língua, que se encontra em desenvolvimento, assim, os códigos e a construção conceitual desta não são dominados em sua plenitude pelos estudantes.

Outra questão é como pode o estudante entender o seguinte argumento: O que significa “x”? Ele acrescenta o que está sendo perguntado, pois não entende bem o idioma em que essa ideia é apresentada. Então, a indagação pode ser considerada filosófica?

A reflexão filosófica exige do estudante consciência de sua capacidade de entendimento; dessa forma, o questionamento seria um momento pensar filosófico? Ao que ficou compreendido na metodologia apresentada por Sócrates, parece ser importante, para o entendimento, levar a proposta do indagar às últimas consequências, evitar o preconceito de “aceitar a tese”; porém, questionar para obrigar o interlocutor a ter uma clareza conceitual, a demonstrar como uma determinada tese possui validade. Talvez essa atividade seja vivenciada nas salas de aula onde o Surdo e o ouvinte convivem e se defrontam, na presença do texto de Filosofia. Encontramos a indagação “sem vergonha” de revelar a ignorância numa busca por compreender/entender, a fim de poder utilizarmos dessa nova ideia, reflexão em suas vivências.

O Surdo, no processo de aprendizagem filosófica, percebe como é relevante o perguntar com a finalidade de se apropriar da reflexão, verificando suas próprias limitações ou condições para validar determinado conceito. É indispensável, consequentemente, entender que as preocupações, problemas que geram um conceito emergem da realidade do mundo vivido por um ser humano, que, mais tarde,

poderá ser denominado filósofo. E, portanto, saber expor e argumentar de várias maneiras o que é de incômodo para o ser vivente, eis um ponto importante para a aprendizagem filosófica, pois ‘fazer filosofia’ é buscar pensar por si de maneira rigorosa, clara e ampla um problema, um incômodo.

Verificamos que, quando um conceito é apreendido pelos estudantes, eles o relacionam com as suas vivências, mesmo após um tempo, apropriamos dessa base conceitual para apresentar sua tese sobre um elemento novo da realidade vivenciada. Segundo o relato de alguns desses estudantes, aprender Filosofia consiste em pensar na vida. Esta atividade consiste na indagação, o que se constata é que eles começam a perceber que o entendimento das coisas que os circulam e fazem parte da existência não são apreendidas de maneira ligeira, razão pela qual se deve tomar cuidado com a questão do uso. Como, por exemplo, vou praticar determinada ação porque será importante para conseguir “dinheiro”; porém o que tal ação vai cobrar dessa pessoa mais tarde? Observar que o que parece bom agora, pode não o ser a longo prazo, notando-se que essa reflexão filosófica vai sendo constituída a partir de um reconhecer inicial de não sei.

A aprendizagem filosófica deve produzir mudanças, a exemplo, quando os estudantes, na busca por entender o texto O discurso sobre o método de René Descartes, solicitam ao professor uma aula extra, para ajudar no processo de entendimento. Como ato, trazem o texto com marcações e perguntas (como: No que consiste o bom senso dito no texto?), notamos que todos começam a tomar uma atitude. Após, como argumento do que haviam visto, relatou-se verem meninas do 6º ano deitadas no chão com roupa branca, ou seja, como dizer que elas possuem bom senso?

Ao refletirmos sobre essa temática com eles, constatamos a utilização de elementos ensinados anteriormente na busca pela compreensão de algo novo. Utilizando os recursos de marcar a ideia principal do texto, os problemas que o autor buscou resolver, qual o período e as condições socioeconômicas da época da produção da reflexão.

4 APRENDIZAGEM DE FILOSOFIA PELO SURDO NO ENSINO MÉDIO

Gostaria de te escutar Gostaria de te entender Por que você é ALGUÉM! Se você quiser pode dizer O que sente pode até gritar Se abrir e gritar. Puta mundo desumano, crueldades. Se de um lado te humilham Pelo outro vão bater! AH! AH! AH! ADOLESCENTE! Eles dizem que você é doente E que isso é fase adolescente Mas não, não vá se entregar. Dê uma outra chance pra você, Não se isole por que você, Você é ALGUÉM! (Cólera, Adolescentes, 1986)

A epígrafe da música adolescente da banda punk rock Cólera descreve a necessidade de se prestar atenção às pessoas, ao que elas têm para comunicar, ao invés dos rótulos e de considerar somente uma maneira de ser, ou que é uma fase transitória para uma “normalidade”. Devemos respeitar, ouvir e lutar pelo direito do outro de ser na sua singularidade.

Nesta tese, o uso da metodologia participante busca entender, o grito pelo direito ao conhecimento filosófico para que o ensino e a aprendizagem ocorram. Para isso utilizamos, conforme Birklen e Bogdan (1994), de diversas estratégias de coleta de dados que serão explicadas nesse seção. E depois será analisado esse “dizer” considerando o objetivo da presente pesquisa sobre as condições para que o aprendizado filosófico ocorra na escola com Surdos. Elementos utilizados na coleta e na análise foram a minha experiência e materiais produzidos pelos estudantes durante essa vivência de Filosofia com o Surdo, para melhor entender quem é esse outro na cultura escolar nas aulas de Filosofia.