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RELATO DA EXPERIÊNCIA DO PESQUISADOR DA TESE ENQUANTO

No ano de 2006, iniciamos o trabalho pedagógico em uma nova escola depois do concurso de remoção. Com a disciplina de Filosofia, constatamos a presença dos Surdos no primeiro dia de aula, tendo indagado, sobre como deveria agir. Não fora apresentado pela equipe pedagógica à necessidade de uma mudança na maneira de trabalhar.

Uma recomendação obtida era repassar para a intérprete o planejamento e os textos com antecedência, na busca de possibilitar o acesso dos conteúdos aos estudantes Surdos. Contudo, uma dificuldade que percebi assim que as atividades pedagógicas é que algumas informações importantes para o ensino e aprendizagem não tinham sido compartilhadas antecipadamente, informações sobre a cultura surda, a relevância e a particularidade da Língua de Sinais, o conhecimento do Português por parte dos estudantes. Com o desenvolver das aulas começou uma busca mediada pelas intérpretes sobre a Libras, a cultura surda, a literatura da área, iniciando um aprendizado em relação ao conhecimento de quem eram os estudantes e quais as suas particularidades culturais e linguísticas. Esse processo foi ocorrendo pari passu às aulas e as atividades.

A diferença da língua natural do Surdo para a escrita portuguesa produz um sentimento de estranhamento que é preciso ser enfrentado pelo professor quando do seu desconhecimento sobre a cultura surda, pois a escrita da pessoa surda pode apresentar “dificuldades [...] na dimensão lexical e sintática: uso inadequado ou omissão de preposições; inconsistência de tempo e modo verbal, flexão inadequada de gênero em adjetivos e artigos, a insuficiência e desconhecimento de vocabulário” (FERNANDES,1998, p. 104). A construção da diferença da produção do texto escrito pelo Surdo pode ser percebida em atividades pedagógicas solicitadas aos estudantes, para exemplificar apresento as respostas realizada de duas estudantes surdas de uma turma de 1º ano no colégio que ministro aulas de Filosofia do ano de 201153 no mês

53 Conforme consta na tabela 01 – Momentos da pesquisa, esse material consta de minha produção

de março em uma avaliação foi solicitado que responde-se as seguintes questões: 1. Qual a diferença da preocupação socrática para os filósofos anteriores (pré- socráticos)?

Resposta da estudante 1 – será nomeada de forma fictícia de Patricia foi “Tales de

Mileto (separado águas mais de novo igual é sim Tales de Mileto Sócrates família de amor)”

Resposta da estudante 2 – será nomeada de forma fictícia de Regina foi “Diferença

socrática homem. Aceitar Sócrates “O princípio gerador de tudo as coisas é a água””

As descrições acima apresentam uma diferença na produção escrita das estudantes surdas no que corresponde ao uso da Língua Portuguesa na sua modalidade escrita, todavia é preciso buscar analisar as ideias presente nessa produção do entendimento sobre o reconhecimento do pensador pré-socrático Tales de Mileto e sua associação com arché que era para ele o princípio gerador de todas as coisas, a perspectiva da família de amor talvez estava presente a aula sobre o significado etimológico da palavra filosofia, que consiste philia em amor fraternal (na explicação foi explorado a ideia de philia se associa ao amor que um pai ou uma mãe sente por um filho, ou que uma pessoa sente para com seu amigo) e sophia que significa sabedoria, por isso é importante o processo do respeito a língua natural do estudante de utilizar da libras para que o estudante possa explicar o que está entendendo desenvolver melhor as ideias e para que nesse diálogos os conceitos possam ser aprimorado, mas nesse momento ainda como professor estava caminhando em direção a chegar a essa compreensão.

Na resposta de Regina pude perceber que o entendimento de que a preocupação da reflexão socrática é com o ser humano, o aspecto antropológico, a perspectiva ética que foram enfocadas em sala de aula com leitura de fragmentos da

Apologia de Sócrates (SÓCRATES, 1996) que demonstra o objetivo que o pensador

se propôs ao longo do tempo com o seu filosofar, e o segundo ponto percebi que aponta a concepção do princípio gerador das coisas de Tales de Mileto, mas aponta Sócrates essa incorreção precisa de um diálogo permeado pela Libras para tentar esclarecer se a estudante reconhece o autor da ideia e a fase em que este representa, ou se atribui a outra fase da história da Filosofia, e isso tem relevância no caso estudado, ao demarca objetivos diferentes se num primeiro momento a preocupação é cosmológica num segundo momento a preocupação ética, política e antropológica são elementos presente no texto e problemas que os filósofos abordam.

Quando realizei a experiência acima, já tinha tido a primeira experiência com a produção escrita por pessoa surda que na época era para avaliar, foi um momento marcante para perceber que havia uma diferença na forma de utilização e expressão da ideia por alguns estudantes, e investigando quem eram constatamos que eram as produções do Surdos, e lendo a tese FERNANDES (2003) examinado a questão da Língua Portuguesa como segunda língua desses estudantes, e da necessidade de pensar outras estratégias para o ensino e a estratégia metodológica desenvolvida para o letramento no contexto da educação bilíngue para Surdos, sendo um aporte teórico para o ensino com vista a aprendizagem filosófica. A minha experiência inicial salienta a relevância da denúncia de Strobel (2008b, p. 245), “A realidade brasileira é uma coisa deprimente, pois sabemos que a proposta governamental é colocar o sujeito Surdo na sala de aula com professores sem capacitação para trabalhar com Surdos”.

No momento em que percebi que os estudantes Surdos tinham uma língua visual-espacial, surgiu o sentimento de não saber como lidar, como realizar a mediação pedagógica para efetivar os conteúdos da disciplina, possibilitando que os estudantes tivessem condições de pensar filosoficamente.

Nesse momento, contava com a presença e “orientação” dos intérpretes, que tinham alguns conhecimentos sobre os Surdos, a Língua de Sinais, e no diálogo com eles sobre como ler texto junto com as pessoas surdas, e das produções necessárias para entendermos como e se a recepção filosófica estava ocorrendo, utilizei num primeiro momento a explicação do período histórico do pensador, o problema que estava expondo e qual estilo se utiliza para demonstrar sua tese, na sequência comentava os principais conceitos presentes no texto.

Não encontrei nenhuma literatura específica sobre como ensinar filosofia Filosofia para pessoa surda, metodologia a ser utilizada no ensino de Filosofia, perguntava aos intérpretes que tinham acompanhados outros professores ministrando a disciplina sobre metodologia que pudesse ser efetivada junto à disciplina para que os estudantes conseguissem se apropriar dos conteúdos, mas também a perspectiva de usar filmes com legenda, texto curto, o que produzia um incômodo diante da nossa compreensão do ensino de Filosofia, de possibilitar um construto teórico da Filosofia que colabore com o estudante para pensar a realidade, uma defesa é que eles têm o direito de receber o conhecimento e os conteúdos na sua totalidade e não fragmentos, pois são capazes iguais aos outros apesar das diferenças linguística e cultural. Por

essa razão, resolvi me matricular em um curso de especialização em Libras para tentar entender quem é o estudante, para aprender elementos básicos da Língua Brasileira de Sinais (Libras) e para melhorar o processo pedagógico, a fim oportunizar melhores condições pedagógicas para que o estudante tivesse acesso aos conhecimentos basilares da disciplina.

Para entendermos a singularidade e a relevância da identidade cultural e da Língua de Sinais, utilizamos a metodologia dos mapas conceituais54 como recurso gráfico, a fim de possibilitar a mediação e a leitura dos textos de Filosofia com os estudantes. Com esse intuito, solicitamos a elaboração dos mapas e a exposição deles em Língua de Sinais, buscando, com a mediação da intérprete, realizar perguntas para que esse processo não se realizasse de maneira mecânica, e sim de maneira significativa para a recepção filosófica.

Mapa elaborado no ano de 2011 por estudante do 1 ano do Ensino Médio nome fictício utilizado nesse trabalho Regina.

A utilização desse mapa possibilitou junto com a apresentação que a estudante realizou para a turma em Língua de Sinais e traduzida para a Língua Portuguesa pela intérprete, entender e avançar no conteúdo sobre o que é Filosofia, depois de 2 semanas de aulas55 apresentado sobre Filosofia suas características, a atitude do

54 A apresentação gráfica do conhecimento que o mapa conceitual permeado pela apresentação pode

segundo nossa análise com a recepção filosófica, o entendimento dessa ferramenta metodológica foi descrito na seção 2.1.2.1 O mapa conceitual - uma possibilidade de trabalho com o texto filosófico p. 61 dessa tese.

55 Nesse período o Estado do Paraná possibilitava conforme (PARANÁ, 2008b; PARANÁ, 2008c.) uma organização curricular denominado ensino médio em bloco em que o estudante tinha seis disciplinas por semestre, conforme instrução 11/2009 (PARANÁ, 2009) definia a grade curricular das escolas que optaram pelo ensino médio, tendo a disciplina de filosofia, nessa grande, com 03 horas aulas semanais. A escola que trabalhava nesse momento tinha feito a adesão a essa organização curricular em bloco

filosofar, as condições históricas para esta pensar de maneira filosófica. Para a realização da atividade e como subsídios das explicações e fundamentar as atividades realizadas na sala foi disponibilizado aos estudantes os seguintes textos: Atitude da filosofia e O que é a Filosofia?56, e o texto O porquê da filosofia57.

Percebemos no mapa sobre a Filosofia que a estudante Regina desempenho algumas característica presente no texto escrito pela pessoa surda conforme apontamos no início dessa seção da dificuldade dos conectivos, devido a necessidade de ligação que existe no mapa conceitual foi utilizado no, na e ti para cumprir o critério, mas o relevante no mapa seria os conceitos que foram selecionados, pois relaciona a etimologia do termo, algumas característica relevante da Filosofia como utilizar da razão, questionar, refletir, da necessidade de ter que justificar uma determinada tese, a maneira como o conhecimento filosófico é diferente de outras formas de conhecer presente no texto do Savater (2001), na exposição da estudante foi possível perceber um aprendizado inicial sobre a Filosofia, assim como pontos que deveriam ser retomadas para melhor aprendizado filosófico. Descrever sobre como os aspectos históricos, sociais, a vida e o problema do pensador podem estar presente em suas indagações e reflexões. A diferença do conhecimento mítico, científico, artístico, do senso comum para o conhecimento filosófico como demarca o texto perguntas sobre a vida.

O mapa demarca a capacidade da estudante de extrair conceitos dos textos e outro exemplo pode ser obtido com a produção de duas estudantes surda a partir da leitura da primeira meditação de René Descartes58 realizaram a produção que demonstram a seguir onde também é possível perceber a capacidade de extrair conceitos e na apresentação ficou demarcado o entendimento de como o pensador considera importante o questionamento para buscar o conhecimento, a verdade como sendo fruto do trabalho racional de que precisamos duvidar dos sentidos. O mapa possibilita entendermos algumas ligações corretas do pensamento cartesiano e como a visão do eu e do que questionar sobre nossa própria existência, produz uma reflexão conduz a investigação que na filosofia cartesiana possibilita a certeza da existência

e, portanto, o tempo pedagógico que tinha com os estudantes correspondia a três horas aulas por semanas.

56 A obra utilizada extrair os textos: Atitude da filosofia e O que é a filosofia? Foi: CHAUI, Marilena. Convite à Filosofia: Ensino Médio. 14. ed. São Paulo: Ática, 2010.

57 A obra utilizada extrair o texto: O porquê da filosofia. Foi: SAVATER, Fernando. As perguntas da vida. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

daquele que pensa, a sentença do cogito ergo sum59, o trabalho com tempo pedagógico de três horas aulas semanas depois de um primeiro ano de contato com a Filosofia, utilizando a ferramenta do mapa conceitual e a apresentação para a turma e permitir perguntas e respostas entre todos os estudantes e professor de maneira respeitosa na busca de entender e tentar verificar como determinado conceito ou problema pode ser inserido na vida cotidiana das pessoas colabora para tentar responder como devo pensar? Como devo viver? Como devo agir.

Mapa elaborado no ano de 2011 por estudante do 2º ano do Ensino Médio (nome fictício utilizado nesse trabalho Franciele e Tainara).

O uso do mapa conceitual e o trabalho com as pessoas surdas e o aprendizado da Filosofia, foi uma experiência que acompanhou minha prática profissional e no ano de 2008, fui convidado para compor a equipe de Filosofia do Núcleo Regional da área Metropolitana Norte, e como técnico da disciplina de Filosofia. Realizei, algumas conversas com especialistas da área de educação especial para tentar evidenciar a como os professores de Filosofia, poderia ministrar aulas que potencializa-se o ensino e a aprendizagem dos estudantes Surdos considerando as particularidades linguísticas e culturais.

59 Penso logo existo.

Com ausência de uma teoria de sustentação a esse debate, o que ocorreu, contudo, foi uma conversa num processo de formação, pelo qual foi visto as dificuldades enfrentadas pelos professores da área junto ao processo de inclusão escolar, principalmente quanto à falta na formação para atender, de maneira adequada e satisfatória, as particularidades linguísticas dos estudantes. Outros elementos apontados de maneira informal nessa reunião foram a falta de intérpretes em algumas escolas e a indisponibilidade de tempo necessário para interação e planejamento das atividades pedagógicas, quando se observa, entre outros obstáculos, que alguns estudantes desconhecem a Libras ou não possuem fluência dificultando o entendimento do que seria interpretado pelo TILS. Por isso, visto que os materiais de instrução em sala de aula utilizam a Língua Portuguesa, necessitava-se de um momento para conversa para organização e planejamento junto ao intérprete ou profissional habilitado, algo que não ocorre em todo o espaço escolar.

4.3 ENTENDENDO O TRABALHO DOCENTE DA FILOSOFIA COM O ESTUDANTE