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Apresentação e análise dos resultados

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ 4

3. Apresentação e análise dos resultados

Inscreveram-se no curso 80 pessoas, via formulário online, sendo que 68 inscritos efetivamente realizaram e concluíram a formação. Entre os inscritos que realizaram a formação 65% são mulheres e 35% são do sexo masculino, 65% são solteiros e 27%

casados.

A idade média dos participantes é de 32 anos, o mais novo possui 18 anos e o mais velho 62. Contudo, o público foi, em sua maioria de jovens adultos, pois 55% encontra-se na faixa etaria entre 18 a 29 anos. Esses mesmos jovens compõem o grupo de 63% dos inscritos que ainda estão cursando a graduação, sendo que a maioria cursa o 7º ou o 8º semestre, estando no final da licenciatura.

No que se refere a identificação racial 44% se considera pardo, 31% pretos, 22% branco e 3% se identificaram como amarelos. Pode-se obPode-servar que a maioria dos cursistas é negra, uma vez que pardos e negros compõem a categoria negros, conforme o IBGE.

Sobre a atuação profissional na docência, 59% indicou que já exerce atividades como professor, em especial na Educação básica, o que inclui inscritos já graduados e os concluintes das licenciaturas, contra 41% que ainda não trabalham na área. Dos que atuam na

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docência 95% ministram a disciplina de matemática, seja nos anos iniciais (pedagogos) ou nos anos finais do Fundamental e Médio (licenciados em Matemática).

Como o curso foi ministrado na modalidade online, a distância física não foi limitadora da participação, o que explica a grande presença de profissionais e estudantes de outros estados diferentes do Pará. Assim, 35% indicaram morar no estado do Pará, 21% no Distrito Federal, 15% em São Paulo, 10% de Pernambuco e 12% de Goiás. 7%

são de outros estados, 2 de Minas Gerais e 1 do Rio de Janeiro e outro da Paraíba.

Além da divisão por estados, os inscritos também se dividiam entre moradores de zona urbana (85%), zona rural (10%) e comunidade quilombola (4%), especificamente a Comunidade Kalunga Engenho 2, de Cavalcante, estado de Goiás.

3% dos participantes são professores de escola quilombola, no total de 2 profissionais, sendo 1 professor da Escola Municipal Joselina Francisco Maia, da Comunidade Kalunga Engenho 2, de Cavalcante, estado de Goiás e 1 professor da Povoação São Lourenço do Tejucupapo, cidade de Goiana, Estado de Pernambuco.

Como visto, o público da formação foi bem diverso, do ponto de vista geográfico. Contudo, apesar dessa diversidade todos (100%) consideraram o tema do curso importante para sua formação e/ou atuação profissional. O que justifica tal avaliação são as lacunas formativas apontadas por esses educadores, pois 69% dos participantes indicaram não terem cursados, em sua formação inicial, disciplinas que enfatizassem a diversidade cultural, a valorização da negritude e a cultura dos povos originários do Brasil.

Inclusive 91% indicou nunca ter participado de formação (inicial ou continuada) que articulasse a geometria com a cultura negra ou de povos indígenas do Brasil, ou seja de formações em etnogeometria.

Por esse motivo, para todos os participantes o curso contribuiu para

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melhoria de suas práticas em relação a valorização da diversidade cultural nas aulas de matemática.

Entre as atividades realizadas que mais gostaram de vivenciar os cursistas indicaram em primeiro lugar as atividades geométricas contextualizadas na pintura corporal Tembé (40%), seguindo dos problemas matemáticos com tabuleiros africanos (36%) e as questões voltadas à análise dos padrões geométricos em diferentes tecidos originários da África (24%).

A pintura corporal Tembé Tenetehara foi utilizada para o estudo de elementos geométricos como ponto, plano, reta, semirreta, segmento de retas e ângulos, bem como para análise da posição relativa entre duas retas, proporcionando um debate sobre os aspectos matemáticos, culturais, sociais e mitológicos das pinturas feitas em jenipapo. A imagem 1 apresenta as pinturas coletadas no trabalho de campo e utilizadas na oficina de formação.

Imagem 1. Pinturas corporais do povo Tembé Tenetehara.

Fonte: IPHAN

Ilustração: Suzana Alfaia da Cunha

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Os tabuleiros africanos serviram de base para o estudo lúdico dos quadriláteros (quadrado, retângulo, losango e trapézio), triângulos (retângulo, obtusângulo e acutângulo) e outros polígonos (como pentágonos e hexágonos). Permitiram ainda debater sobre estratégias e chances de vitória, permitindo seu uso em conteúdos de probabilidade. A imagem 2 apresenta os tabuleiros de jogos africanos utilizados na oficina de formação.

Imagem 2. Tabuleiros de Jogos africanos.

Ilustração: Suzana Alfaia da Cunha

O estudo geométrico dos tecidos africanos, trouxe à baila a valorização da tecelagem por diferentes povos tradicionais do continente africano. O desenvolvimento dessa prática deve-se,

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principalmente, pelo algodão já ser cultivado na África tropical, desde meados dos séculos IX e X.

Apesar de possuírem suas especificidades, o que se destaca em todos os tecidos são as estampas, que possuem forte presença geométrica, baseada em padrões que valorizam a simetria, proporções, semelhanças e interações entre as figuras. No curso foram realizadas atividades envolvendo a análise geométrica de panos kente, adinkra, bogolan, adire e kuba.

Durante a oficina, ao mesmo tempo que se apresentava o elemento cultural a ser analisado, se debatia sobre vários aspectos desse, não apenas sua característica geométrica, evidenciando ser possível ensinar matemática enquanto se discute a diversidade cultural.

Os participantes avaliaram positivamente essa abordagem, pois indicaram possuir dúvidas sobre como articular as questões etnicorraciais ao ensino de matemática, tanto que 74% dos cursistas indicaram que nunca utilizaram exemplos de culturas africanas ou indígenas para contextualizar o ensino de matemática. Alguns por falta de formação, outros por dificuldades em relacionar os dois saberes, tanto que 68% dos participantes indicaram que já conheciam os tabuleiros africanos, antes mesmo da formação, mas que nunca utilizaram esse saber em suas aulas de matemática.

Felizmente, 26% dos cursistas, que atuam como professores, indicaram conhecer e fazer uso da relação entre matemática e cultura, com vista a uma educação decolonial nas aulas de matemática. As atividades apontadas foram divididas em 4 categorias.

A primeira, indicada por 4 cursistas, versa sobre atividades voltadas à cultura africana, em especial ao estudo geométrico de jogos de tabuleiros, como mancalas, a análise de músicas e danças africanas, os padrões das pinturas orgânicas dos tecidos africanos e a matemática presente nas tranças nagô.

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O segundo grupo, composto por 5 professores, indicou a realização de atividades didáticas contextualizadas na cultura indígena, como os estudos das pinturas corporais e dos traçados das cerâmicas para contextualizar o ensino de transformações geométricas, a elaboração e análise de padrões geométricos em pulseiras de miçangas e a relação entre as indumentárias de povos indígenas brasileiros (especialmente o Guarani) com a geometria dos mosaicos.

O terceiro grupo, composto por 2 educadores, indicou utilizar a cultura afro-brasileira, em especial a capoeira, para trabalhar a comparação de figuras geométricas a partir dos instrumentos desse jogo, como o berimbau.

O quarto e último grupo, composto por 5 professores, indicou a utilização de elementos interculturais, articulando cultura africana, afro-brasileira e indígena as aulas de matemática, como a construção de faixas de desenhos inspirados nas culturas africanas e indígenas, o estudo de tabuleiros africanos (mancalas) e indígenas (jogo da onça) para o ensino de geometria plana (quadriláteros e circunferência), a análise geométrica da “sombrinha de Frevo” para exploração dos conceitos de círculos e polígonos, bem como a observação de grafismos ameríndios e africanos.

Considerações Finais

Valorizar à matemática africana e a produzida pelos diferentes povos indígenas brasileiros, impõe ultrapassar a compressão abstrata e universal do conhecimento matemático, compreendendo este saber como articulado à vida cultural e as urgências sociais, como o combate à discriminação.

Tal tarefa, impõe um olhar inclusivo sobre a matemática presente nas tradições culturais, na linguagem oral, na resolução de problemas cotidianos, por grupos letrados e iletrados, e, por fim, na matemática

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que se manteve, apesar da perda de saberes imposta pela colonização, nos objetos e artefatos populares e étnicos, como cestarias; jogos, pinturas corporais e estampas de tecidos (GERDES, 2007; 2012ª;

CUNHA, 2016; 2019).

A partir desta compreensão ampla, amparada na etnomatemática, os objetos e fazeres podem tornar-se elementos de pesquisa e aprendizagem matemática porque incorporam e “congelam”

os saberes culturais e matemáticos dos grupos que os produziram (GERDES, 2007; D’ AMBROSIO, 1996, 2005).

Ao trazer tais objetos para a sala de aula, o docente permite aos alunos a articulação do saber matemático a diversas práticas sociais, evidenciando a sua articulação ao mundo da vida, em suas diferentes dimensões: econômicas, artísticas, lúdicas etc. A matemática ganha corpo, cor e cultura e, assim fazendo, o professor também permite a valorização e a positivação de grupos culturais antes invisibilizados pelo racismo estrutural brasileiro, tornando a aula de matemática um lugar de ampla aprendizagem decolonial.

Referências

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular.

Brasília: MEC, 2017.

CUNHA, Débora Alfaia da. Brincadeiras africanas para a educação cultural. Castanhal, PA: Edição do autor, 2016.

CUNHA, Débora Alfaia da. Mancalas e tabuleiros africanos: contribuições metodológicas para educação intercultural. 1. ed. -- Castanhal, PA : Ed. do Autor, 2019.

D'AMBRÓSIO, Ubiratan. Sociedade, cultura, matemática e seu ensino.

Revista Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 31, p. 99-120, 2005.

D’AMBRÓSIO, U. Educação Matemática. Da Teoria à Prática. 7a Edição.

Campinas: Papirus, 1996.

GERDES, P. Incorporar ideias matemáticas provenientes da África na educação matemática no Brasil? Revista Quipu, 14 (1), 2012a.

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GERDES, Paulus. Etnomatemática: cultura, matemática, educação.

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GERDES, Paulus. Etnomatemática: Reflexões sobre matemática e diversidade cultural. Edições Húmus, LDA, 2007.

MORAES, Simone Maria de. Roteiro. Projeto Jogos Africanos e Matemática, desenvolvido na UFBA. Disponível em

https://smoraes2000.wixsite.com/simonemoraes/jogos-africanos-e-matematica.

NEVES, Ivânia dos Santos; CARDOSO, Ana Shirley Penaforte. Patrimônio Cultural Tembé-Tenetehara: terra indígena alto rio Guamá. Belém : Iphan-PA, 2015.

SILVA, Rodrigo Ozelame da. BORDA, Carolina dos Anjos de. FOPPA, Carina Catiana. O sistema/mundo colonial/moderno e a natureza: reflexões preliminares. Revista Videre, Dourados, v. 13, n. 26, Jan./Abr. 2021.

ZASLAVSKY, Cláudia. Jogos e atividades matemáticas do mundo inteiro. Trad. Adriano Moras, Porto Alegre, Ed. Artemed, 2000.

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