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Estética Negra e a escola: diálogo com estudos empíricos Esta subseção aprofunda a questão da estética negra sob uma

Corporeidade e negritude

IDENTIDADE E NEGRITUDE: COR NEGRA E CABELO CRESPO SOB O OLHAR DE JOVENS ALUNOS DE UMA ESCOLA PÚBLICA

3. Estética Negra e a escola: diálogo com estudos empíricos Esta subseção aprofunda a questão da estética negra sob uma

perspectiva escolar, através de alguns estudos empíricos sobre o tema.

CUNHA(Org). Pesquisas em Educação e diversidade: Inclusão e direito à diferença. 2022

Nilma Lino Gomes (2002) aborda uma série de aspectos pertinentes à estética negra, com base em uma intensa pesquisa feita em 2002, tendo o corpo negro e o cabelo crespo como problema de investigação. Os sujeitos foram 17 mulheres e 11 homens negros, na faixa etária de 20 a 60 anos.

Gomes (2002) ao longo do desenvolvimento da discussão transcreve algumas falas dos sujeitos da pesquisa que levaram a um enfoque de suas trajetórias escolares como um importante momento no processo de construção da identidade negra, nas quais foram reforçados estereótipos e expressões negativas sobre o grupo étnico-racial e o padrão estético característico do mesmo, dando destaque a como essas trajetórias pesam sobre a conformação da identidade e das impressões sobre o cabelo crespo nas mulheres já adultas.

Neste sentido, destaca processos de manipulação do cabelo crespo desde a infância, tendo as tranças como primeira técnica utilizada, técnica esta que nos relatos das entrevistadas configuravam um passado de imenso incômodo, porque os processos de trançar os cabelos muitas vezes eram dolorosos e demorados, mas a escola de certa forma impunha uma ideia de que era preciso “arrumar” o cabelo, e o negro tinha naturalmente uma imagem de “sujo” e “descabelado”.

De acordo com Gomes (2002), ainda que “arrumado”, apelidos que associam o cabelo crespo à inferioridade ainda são recorrentes nas escolas, colocando os negros desde criança em um contexto de rejeição.

Considerando essa afirmativa, observa-se que muitas vezes, as experiências negativas que o negro sofre na escola envolvem suas características estéticas, principalmente o cabelo e a cor da pele.

Deboches e más expressões por parte de outros alunos e até mesmo de outros agentes do campo escolar, podem acarretar danos extremos na relação do negro com os outros e com si próprio.

CUNHA(Org). Pesquisas em Educação e diversidade: Inclusão e direito à diferença. 2022

A rejeição do cabelo, por exemplo, “pode levar a uma sensação de inferioridade e de baixa autoestima contra a qual se faz necessária a construção de outras estratégias, diferentes daquelas usadas durante a infância e aprendidas em família” (GOMES, 2002, p. 47). A subjetividade que há nessa relação do negro com o cabelo e o corpo, remete a uma maneira particular de lidar com os contextos em que os mesmos são inseridos, e infere na consciência do pertencimento étnico-racial, na maneira como ele se identifica, e se aceita. Assim, Gomes (2002) ressalta que o cabelo compõe um estilo político de moda e de vida, capaz de expressar diferentes mensagens.

A referida autora também traz questionamentos acerca da atenção que a escola dá a essa problemática, e enfatiza a necessidade de estudo acerca de como os alunos têm idealizado a estética negra, e se essas concepções têm afetado positivamente ou negativamente a aceitação da identidade negra nos alunos. Gomes (2002) finaliza o texto expondo que o estudo sobre a maneira como o corpo e o cabelo do negro são representados no cotidiano escolar contribui não só para o desvelamento de preconceitos e discriminações raciais, mas também para a construção de estratégias pedagógicas que visem à compreensão da importância do corpo para a construção da identidade negra.

Resultados similares foram observados no estudo de Moreira (2011), que teve como objetivo analisar se as relações interpessoais de jovens negras e saber se a discriminação racial e de gênero existentes no espaço escolar marcam negativamente suas vidas (MOREIRA, 2011, p. 77). Para tanto, foi realizada uma pesquisa de abordagem qualitativa, através de entrevista semiestruturada, com 06 adolescentes negras — com idades entre 13 a 15 anos — alunas do 6º ao 9º ano de uma escola pública em Cuiabá, bem como revisão de literatura.

CUNHA(Org). Pesquisas em Educação e diversidade: Inclusão e direito à diferença. 2022

De acordo com Moreira (2011), a pesquisa realizada evidenciou a existência de rejeição e autorrejeição nas jovens entrevistadas, pois estas traziam marcas negativas decorrentes das discriminações raciais e de gênero que sofreram, sendo tais experiências somadas a atitudes negativas presentes na escola, onde o fenótipo do negro, principalmente o cabelo e a cor da pele, são inferiorizados e atrelados à feiura.

Na análise da pesquisa, das 06 perguntas feitas, 05 demonstraram não estar satisfeitas com seu cabelo, corpo e tom de pele. Nas perguntas em relação à cor, algumas apontaram negação.

Nas perguntas que buscavam saber se as mesmas já haviam sofrido discriminação, todas responderam que sim, e em todas as respostas reportaram-se motivos atrelados a seus cabelos, cor de pele, ou ambos juntos, tornando perceptível, segundo Moreira (2011), o impacto que essas concepções negativas causam na autoestima dessas adolescentes.

Outro ponto de destaque é sobre como os meninos tratam as meninas negras na escola, pois como relatado por Moreira (2011), fica explícito nas falas das entrevistadas, que constantemente os meninos as rejeitam e as discriminam através de xingamentos e apelidos relacionados à cor e ao cabelo, causando o sentimento de preferência por meninas brancas, fato que reforça um padrão estético no qual as meninas negras não se encaixam, e estas, internalizam a ideia de que as brancas seriam mais bonitas e mais aceitas.

Desse modo, com os resultados da pesquisa, Moreira (2011, pág. 91) conclui que “os elementos cor da pele e tipo cabelo constitui-se como marcas de atitudes negativas que acompanham dia a dia crianças e adolescentes negras, principalmente no espaço escolar”.

Santos e Molina Neto (2011), realizaram pesquisa — através de entrevista semiestruturada — com 25 estudantes autodeclarados

CUNHA(Org). Pesquisas em Educação e diversidade: Inclusão e direito à diferença. 2022

negros de duas escolas de ensino fundamental da Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre.

Os autores abordam sobre relações étnico-raciais que permeiam a escola e as aulas de educação física na perspectiva de estabelecerem uma aproximação entre a Educação Física, a negritude e a escola, por entenderem que a sociedade mantém uma visão de hierarquia étnico-racial na qual os negros são inferiorizados, e que esta questão, no âmbito educacional, ainda é escassa de reflexão e de estudos.

As falas dos alunos entrevistados por Santos e Molina Neto (2011) aludem a significância da Educação Física para a cultura escolar. Segundo esses pesquisadores, especificamente nas aulas de educação física, essas manifestações racistas são, por vezes, contidas, em detrimento as habilidades físicas e esportivas, mas basta um momento de conflito, para que o termo “negro” seja usado com sentido intencionalmente pejorativo, reforçando o padrão estético de eugenia europeia, podendo levar alguns alunos negros à baixa autoestima, assim como, a posturas agressivas também (SANTOS; NETO, 2011).

Em todas as três pesquisas fica perceptível como o processo histórico, iniciado com a diáspora africana, acarretou grandes sequelas à imagem construída sobre o negro e o seu corpo. Fica evidente também que a cor negra e o cabelo crespo são fatores étnicos de simbolismos culturais permeados por ideologias racistas, que inferiorizam os negros, sendo muitas vezes perpetuados na escola.