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Apresentação das metodologias

No documento livro_fonoaudiologia afasia (páginas 41-44)

Como foi mencionado anteriormente, os testes empregados na pesquisa foram escolhidos por demonstrarem-se os mais adequados, em termos metodológicos, às sentenças investigadas e aos participantes da tarefa. Tendo-se em vista que esses testes podem ser aplicados também, com algu-

mas alterações, a outros tipos de estrutura e com outros grupos de indivíduos3, considerou-se que um

teste simples de correspondência sentença-gravura seria o ideal para a testagem das sentenças ativas e passivas, enquanto as interrogativas deveriam ser investigadas em um tipo de teste de encenação, uma vez que outras metodologias têm se apresentado problemáticas, por não atenderem às restrições necessárias para uma adequação metodológica (VILLARINHO E FORSTER, 2007). Assim, essa seção será dedicada à explicitação das características gerais dos dois tipos de testes, bem como os motivos que levaram à sua escolha.

Correspondência sentença-gravura

De um modo geral, no teste de correspondência sentença-gravura (doravante CSG), é apre-

sentado ao participante um dado número de guras que reetem o assunto investigado, e uma sentença é falada ou reproduzida pelo experimentador. O participante é, então, solicitado a escolher, dentre as gravuras apresentadas, aquela que possui um signicado correspondente à sentença-teste. Pode-se dizer que esse seja o tipo de paradigma experimental mais utilizado na literatura sobre o agramatismo, na avaliação do desempenho desses pacientes em diferentes tipos de estrutura (CARAMAZZA E ZURIF, 1976; GRODZINSKY, 1989; HICKOK, ZURIF E CANSECO-GONZALEZ, 1993; LUKATELA, SHANKWEILER E CRAIN, 1995; BERETTA ET AL,1996; HERMONT, 1999; LAW E LEUNG, 2000; BURCHERT, BLESER E SONNTAG, 2001). Por esse motivo, as particularidades desse teste costumam variar de acordo com os objetivos de cada estudo, principalmente com relação ao tipo e quantidade de gravuras apresentadas ao participante, embora algumas variações dessa espécie possam se mostrar problemáticas se a es-

colha das guras em relação às sentenças não for cuidadosa, uma vez que, em uma tarefa de escolha obrigatória entre respostas já dadas, diferentes possibilidades de opções geram diferentes padrões de resposta, dependendo de como a língua está afetada (GRODZINSKY E MAREK, 1988).

Esse problema é, no entanto, minimizado, ao se utilizar esse tipo de teste na avaliação de estru-

turas não muito complexas, como as ativas e as passivas, para as quais se mostra bastante adequado, já que, como cará claro mais adiante, pode ser aplicado em uma versão simples, motivo pelo qual foi o paradigma experimental escolhido para testá-las. Além disso, esse tipo de teste mostra vantagens em comparação a outras metodologias, pois não requer habilidades que poderiam ser processualmente, ou mesmo sicamente, custosas para os afásicos (já que, como se sabe, os décits linguísticos podem ser acompanhados de outros tipos de deciência), e por permitir um amplo controle de possíveis fatores que poderiam inuenciar seu resultado nal. Dessa forma, pode-se considerar que essas tenham sido as características que levaram o paradigma de correspondência sentença-gravura a ser o mais largamente utilizado na literatura para testar especicamente esses tipos de sentença (MIERA E CUETOS, 1998; BERETTA E MUNN, 1998; HERMONT, 1999; BURCHERT, DE BLESER E SONNTAG, 2001; CARAMAZZA ET AL., 2005, entre outros).

3 Na literatura em psicolinguística, ambos os testes s ão comumente utilizados para testar, por exemplo, crianças em fase de desenvolvimento linguístico, e indivíduos com décits que envolvam a língua, como o Décit Espe- cicamente Linguístico e o Décit de Aprendizagem (cf. CORRÊA, 2006).

41 Capítulo IV -Aspectos metodológicos na avaliação da compreensão de agramáticos af ásicos de broca

Encenação

Existem, nas pesquisas sobre o agramatismo e a afasia de Broca, dois tipos de metodologia de encenação. Em um dos tipos, que talvez seja o mais comumente utilizado para testar diferentes tipos de estrutura, especialmente as estruturas relativas e clivadas (CAPLAN, HILDEBRANDT E MAKRIS, 1996;

CAPLAN E FUTTER, 1986; HAGIWARA E CAPLAN, 1990, RIGALLEAU, BAUDIFFIER E CAPLAN 2004, en-

tre outros), uma sentença é dita pelo experimentador, e o participante deve realizar uma cena, utilizando bonecos, que corresponda à sentença (algumas vezes, o experimentador pode realizar parte da cena, que deve ser completada pelo participante [FIGUEIREDO, 1999]). No outro tipo, é o experimentador quem realiza a cena, a respeito da qual, em seguida, é feita ao participante uma pergunta, que deve ser re-

spondida apontando-se algum dos personagens envolvidos na encenação. Os materiais utilizados nesse teste, portanto, são apenas os bonecos necessários à encenação, sendo sua quantidade e tipo variáveis de acordo com os objetivos do estudo, o que deve ser adequadamente pensado, para que não surjam problemas de ordem metodológica, como no caso mencionado no paradigma de correspondência sen -

tença-gravura (cf . GRODZINSKY, 1986b).

Naturalmente, para uma investigação sobre sentenças interrogativas, o teste mais adequado é o do segundo tipo descrito, nos moldes de Hickok e Avrutin (1996). Apesar de essas estruturas serem ainda pouco estudadas na literatura da área, esse é o tipo de experimento mais comumente utilizado nos estudos existentes (HICKOK E AVRUTIN, 1996; THOMPSON ET AL., 1999), especialmente por se ad-

equar à realidade representada pela sentença, e por ser, como apontam Hickok e Avrutin (1996), menos computacionalmente custoso que o teste de CSG, o que faz com que seus resultados não possam ser atribuídos a inuências das demandas da tarefa. Isso é assumido pelos autores com base na interpreta-

ção de que, enquanto a correspondência sentença-gravura envolveria não apenas o processamento da sentença testada, mas também o processamento das duas guras, o estabelecimento de comparações e a formação de alguns julgamentos, a encenação exigiria um menor processamento da tarefa, sendo menos metalinguístico.

Conforme foi mencionado, a maior parte das características especícas dos paradigmas ex-

perimentais são determinadas em função de sua aplicação em cada pesquisa. Assim, os detalhes dos dois tipos de teste introduzidos nesta seção são apresentados mais aprofundadamente nas próximas seções, que são dedicadas aos métodos utilizados por Villarinho (2008) nos testes de CSG e encenação, respectivamente, e a seus resultados.

Experimento 1: Testando Ativas e Passivas com correspondência sentença-gravura

Na introdução deste capítulo, foi brevemente discutido que o objetivo de nossa pesquisa era o de vericar a possível existência de um padrão de desempenho entre os pacientes agramáticos afásicos de Broca, caracterizado pelo bom desempenho em sentenças sem movimento sintagmático e pela má compreensão de sentenças com esse tipo de movimento. Desde a década de 80, os principais argumen-

tos contra ou a favor da validade do agrupamento de pacientes de acordo com esse perl têm sido busca-

dos principalmente em resultados de estudos com sentenças ativas e passivas, em que os defensores da existência do grupo consideram encontrar um padrão homogêneo, e os outros autores acreditam numa grande variação individual que impossibilitaria a existência do grupo. Por esse motivo, essas estruturas foram o foco da pesquisa apresentada aqui.

Assim, avaliou-se, nesse teste, se o tipo de estrutura afetaria o desempenho do paciente e se a reversibilidade das estruturas teria alguma inuência na compreensão dos indivíduos, já que a não reversibilidade semântica poderia funcionar como uma “pista” que facilitaria a compreensão dos indivíduos (cf . seção Sentenças). Para tal, consideraram-se como variáveis independentes o tipo de es-

trutura (ativa e passiva), a reversibilidade (reversível e não reversível) e, secundariamente, a posição do personagem correspondente ao agente da sentença na gura (à esquerda ou à direita). A variável depen-

dente é o número de acertos na escolha da gravura correspondente à sentença (em oposição à gravura que representa a sentença com papéis temáticos invertidos). Foram submetidos ao teste quatro pacien-

Parte II

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tes que potencialmente formariam um grupo com perl homogêneo, uma vez que foram selecionados de acordo com os critérios tradicionais de seleção, que incluem sua classicação como agramáticos de acordo com o Teste de Boston (GOODGLASS E KAPLAN, 1972), e o diagnóstico clínico, realizado por uma fonoaudióloga, que se baseou nas manifestações linguísticas dos pacientes (desempenho clássico de agramáticos, marcado por fala telegráca constituída principalmente de sentenças simples em ordem canônica e marcada pela omissão de itens funcionais [preposições, determinantes] e axos), bem como no seu local de lesão (que deveria afetar a área de Broca)4.5

Método

Como foi dito anteriormente, há, nos diversos estudos que utilizam esse teste, alguma variação quanto ao número de guras exibidas aos sujeitos, a depender dos objetivos da pesquisa e do controle metodológico utilizado. No caso da pesquisa de Villarinho (2008), que buscava investigar a designação de papéis temáticos a sintagmas nominais, eram apresentadas ao participante três guras: uma correta, uma que representava a sentença com os papéis temáticos invertidos e uma sem nenhuma relação com a sentença. Essa terceira gura tem uma função de controle, e torna possível vericar se um desem-

penho aleatório apresentado pelo paciente (numa escolha indiscriminada das guras) seria derivado de problemas na compreensão da sintaxe ou na compreensão do teste ou do conteúdo semântico da sen-

tença, já que, no primeiro caso, o paciente jamais escolheria a gura controle e, no segundo, sim. Assim, ao se testar uma sentença como “A mulher beijou a menina” ou “A menina foi beijada pela mulher”, as guras apresentadas ao paciente seriam (a) uma mulher beijando uma menina, (b) uma menina beijando uma mulher e (c) um homem assaltando um menino.

Sentenças

No que diz respeito às sentenças utilizadas, foram testadas 12 estruturas semanticamente reversíveis na voz ativa e 12 na voz passiva, exemplicadas em (01), além de 12 ativas e 12 passivas não reversíveis, exemplicadas em (02).

(1) a. O menino assaltou o homem. b. O homem foi assaltado pelo menino. (2) a. O homem tocou o sino.

b. O sino foi tocado pelo homem.

Com o objetivo de se uniformizarem as sentenças, em especial as passivas, todas as estruturas eram formadas com verbos da primeira conjugação (para que não houvesse diferenças nas exões de tempo) e continham sempre dois DPs6 de mesmo gênero (para que o morfema de gênero no particípio

não pudesse denunciar a resposta correta), sendo seis entre as 12 sentenças sempre no feminino e seis no masculino. Dentre as seis de cada gênero, em quatro sentenças, foram utilizados personagens huma-

nos (homem, mulher, menino, menina, rapaz, moça) e, em duas, foram utilizados animais (sempre com gêneros compatíveis com o nome, como vaca, cobra, zebra, para o feminino, ou gato, cachorro, leão, para o masculino), pois esses são os tipos de personagem comumente usados na literatura nesse tipo de teste. Na gura 1, são ilustrados os personagens utilizados.

4 Esses pacientes foram disponibilizados por uma parceria estabelecida entre o Programa Linguagem em Condições Dife-

renciadas (Uerj) e o Ambulatório de Fonoaudiologia da Univers idade Veiga de Almeida, por meio do trabalho da fonoaudiólo-

ga Solange Lima, cuja colaboração foi fundamental para o desenvolvimento desta pesquisa. 5 Ver detalhes sobre idade, local da lesão, etiologia etc. no Apêndice.

6 DP é a abreviação para Determiner Phrase (Sintagma Determinador). É uma notação utilizada recentemente na Teoria Gerativa para fazer referência ao que tradicionalmente se conhece como Sintagma Nominal.

43 Capítulo IV -Aspectos metodológicos na avaliação da compreensão de agramáticos af ásicos de broca

Figura 1 – Personagens utilizados no Experimento 1

Tendo-se em vista que a utilização de estruturas não reversíveis em testes, especialmente na CSG, requer algumas considerações metodológicas especícas (uma vez que sua natureza semântica demanda um maior cuidado na formulação dos materiais do experimento), a próxima subseção será dedicada a explicar algumas dessas especicidades e determinar as principais medidas necessárias a serem tomadas ao se testarem essas estruturas.

No documento livro_fonoaudiologia afasia (páginas 41-44)

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