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Estruturas não reversíveis

No documento livro_fonoaudiologia afasia (páginas 44-47)

Apesar de o foco dos estudos sobre o agramatismo e a afasia de Broca ser, naturalmente, as sentenças semanticamente reversíveis, nas quais é possível observar a designação de papéis temáticos aos dois DPs, o desempenho de pacientes neste tipo de sentença costuma ser também avaliado, com o intuito de investigar a assunção de que afásicos agramáticos não teriam problemas em compreender essas estruturas, pois se sustentariam em uma “pista” semântica (a animacidade dos DPs) para in-

terpretar a sentença. A ideia seria a de que essa “pista” impediria uma interpretação do DP inanimado como agente da sentença, logo fazendo com que o paciente compreenda os papéis temáticos dos DPs corretamente, com base nessa estratégia e não necessariamente por seu conhecimento sintático. Esse seria o caso das sentenças apresentadas em (02), nas quais o afásico não precisaria conseguir atribuir os papéis temáticos de agente a “o homem” e de tema a “o sino” por meio do processamento sintático, pois apenas seria necessário que ele soubesse que um sino não pode tocar um homem (CARAMAZZA E ZURIF, 1976).

Parte II

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Apesar de esse tipo de estrutura já ter sido testado por diversos autores, alguns problemas metodológicos recorrentes nesses estudos podem ter afetado seus resultados. Esses problemas são consequências da utilização do paradigma de CSG, já que, ao se apresentar a gura com os papéis temáticos invertidos, é possível que se perca o referencial do que seria ou não possível de ser repre-

sentado. Isso ocorre porque, se uma sentença como “o menino comeu a maçã” fosse testada, seria necessária a existência de uma gura (a com os papéis temáticos invertidos) representando uma maçã comendo um menino, o que pode demonstrar ao sujeito que o teste es tá inserido em um universo em que maçãs podem comer meninos. Além de trazerem a representação de imagens bizarras, como uma maçã comendo um menino (CARAMAZZA E ZURIF, 1976) ou um banco empurrando uma senhora (SU, LEE E CHUNG, 2007), um teste nesses moldes faz com que a proposta do experimento perca o sentido, visto que a reversibilidade se dene em um dado universo, e esses desenhos demonstram que, no universo do teste, essas sentenças são, de fato, reversíveis (GRODZINSKY E MAREK, 1988).

Para contornar esse problema, as sentenças não reversíveis utilizadas nesse teste foram for-

madas apenas com verbos inacusativos com alternância causativa, e as guras incorretas não represen-

tavam uma inversão de papéis temáticos, mas os personagens e os objetos envolvidos na ação lado a lado, com o objeto sofrendo a ação independentemente da atuação do personagem. Assim, para testar uma sentença como (02), a gura incorreta apresentaria um sino tocando e um homem, ao lado, alheio à situação. Essa modicação faz com que seja possível investigar uma atribuição errada de papéis temáti-

cos ou uma impossibilidade de se atribuírem papéis temáticos sem que a reversibilidade da sentença seja perdida, já que, nessas condições, haveria duas possíveis interpretações: o paciente pode atribuir o papel de tema ao objeto interpretando o verbo ou como transitivo, atribuindo o papel de agente ao per-

sonagem (o que seria o correto), ou como inacusativo, sendo o personagem apenas coadjuvante na ação (PIÑANGO E ZURIF, 2001). É verdade, contudo, que, nas passivas, que são as sentenças críticas para o afásico, pois apresentam alteração de ordem canônica, a informação lexical da preposição no PP (“pelo 

homem”) poderia informar ao sujeito que o DP deve receber papel de agente, fazendo com que haja uma tendência de se interpretarem as sentenças da forma correta.

Figuras

As guras utilizadas nesse experimento foram planejadas de forma a tornarem o teste simples e acessível para os afásicos, e, ainda, serem um instrumento de maior controle dos fatores extralinguísti-

cos que poderiam inuenciar o desempenho do sujeito ao realizar a tarefa. Dessa maneira, foram feitos desenhos simples, em preto e branco ou escala de cinza, que, como foi explicado, eram apresentados em grupos de três: a gura correta, a incorreta e a controle. Cada um dos desenhos encontrava-se em um cartão medindo cerca de 10 X 15 cm.

No que concerne ao controle de fatores extralinguísticos, a principal preocupação durante a confecção do material foi com a possível inuência de uma estratégia interpretativa baseada na dis-

posição dos personagens nos desenhos. Como se sabe, a utilização de estratégias não linguísticas é um recurso naturalmente empregado pelos indivíduos para lidar com tarefas processualmente muito custosas (BEVER, 1970), e sujeitos afásicos são impelidos a explorar ainda mais essas estratégias, de forma a compensar as faltas causadas por seu décit, que os impediriam de realizar ecientemente a tarefa (GRODZINSKY, 1986). O uso dessas estratégias por pacientes afásicos tem sido bastante investi-

gado, em especial nos estudos sobre a produção (CAPLAN, 1983; HARTSUIKER E KOLK, 1998), embora a maioria dos estudos a respeito da compreensão agramática não pareça levar em conta essa possibili-

dade quando da elaboração dos materiais utilizados em seus testes.

Dessa forma, o emprego de estratégias durante a realização de uma tarefa pode interferir nos resultados, visto que eles não reetirão o desempenho linguístico do participante, mas o padrão resul-

tante da associação do conhecimento linguístico à tendência de resposta gerada pela estratégia. É por esse motivo que a elaboração desse experimento precisou considerar esses aspectos, de forma a torná- lo mais isento de inuências externas ao uso linguístico.

45 Capítulo IV -Aspectos metodológicos na avaliação da compreensão de agramáticos af ásicos de broca

Especicamente, observou-se que as estratégias de produção reportadas por Caplan (1983) e Hartsuiker e Kolk (1998) poderiam ser relevantes em um teste que envolvesse a interpretação de gu-

ras, como o proposto aqui. Esses autores sugerem que existem três estratégias que são empregadas, tanto por afásicos quanto por indivíduos neurologicamente intactos, ao produzir uma sentença em uma situação experimental: (1) produzir sentenças preferencialmente na voz ativa; (2) colocar o DP com papel temático de agente à esquerda do verbo; (3) colocar a entidade animada à esquerda do verbo. Com base nos dados encontrados por Flores d’Arcais (1975 apud HARTSUIKER E KOLK, 1998)7, Hartsuiker e Kolk

(1998) adicionam, ainda, que, em tarefas de descrição de guras, uma quarta é observada: os indivíduos tendem a começar a resposta com o elemento à esquerda da gura.

Sendo assim, não é difícil imaginar que algumas dessas estratégias poderiam também, de alguma forma, atuar na compreensão, especialmente em uma tarefa como a de CSG: os indivíduos poderiam, por exemplo, inferir, a partir da associação dessas estratégias, que o agente da sentença deve ser o personagem representado à esquerda da gura, o que inuenciaria a compreensão das sentenças dependendo da posição do agente na gura (se todas as guras tivessem o agente desenhado à direita, por exemplo, a interpretação de uma sentença ativa poderia ser prejudicada). No entanto, em geral, os estudos que utilizam esse paradigma experimental não costumam controlar o posicionamento dos per-

sonagens nas guras e, muitas vezes, sequer citam como essa distribuição está organizada, como é o caso, por exemplo, dos trabalhos de Friederici e Graetz (1987), Hagiwara (1993), Beretta e Munn (1998), Beretta et al. (1999), Law e Leung (2000), Beretta et al. (2001), Luzzatti, Toraldo e Guasti (2001), Love e Oster (2002) e Caramazza et al. (2005).

Por esse motivo, para nossa pesquisa, foram realizadas algumas modicações no formato clássico da tarefa de CSG. Nesse trabalho, optou-se por controlar esse fator, e, para tal, utilizaram-se dois tipos de gura: um em que o personagem que representa o agente aparecia à esquerda do desenho (nas três guras do teste) e outro em que o personagem aparecia à direita. Assim, cada sentença rever-

sível8 desse teste foi aplicada duas vezes (em sessões diferentes), uma vez para ser comparada a um

grupo de guras com o agente à esquerda e uma outra vez para ser comparada com guras com o agente à direita, como exemplicado na gura 2, na qual são apresentadas as duas condições em que a sentença “a mulher beijou a menina” apareceria no teste.

Figura 2 – Condições experimentais da sentença “a mulher beijou a menina” Condição 1: Agente correto à es-

querda

Condição 2: Agente correto à direta

Figura correta Figura correta

7 Esses dados foram obtidos em um estudo com indivíduo s não lesionados.

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Figura incorreta Figura incorreta

Figura controle Figura controle

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