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APRESENTAÇÃO DE UM CASO EXEMPLAR PARA O MIRANDÊS

No documento Ecolinguismo e línguas minoritárias (páginas 131-141)

Lurdes de Castro Moutinho & Alberto Gómez Bautista

5. APRESENTAÇÃO DE UM CASO EXEMPLAR PARA O MIRANDÊS

5.1. O corpus em análise e informantes

Para esta análise selecionámos, para cada uma das línguas, apenas uma frase simples, do tipo SVO, com final oxítono, na modalidade interrogativa. Tratando-se de uma fase muito inicial do estudo da prosódia do mirandês, optámos por escolher uma frase simples e oxítona, visto que será mais simples a sua análise e, sendo uma frase curta, a probabilidade de vogais não realizadas será menor. Além disso, sabendo que a maior informação se encontra no tonema final, a escolha de uma oxítona garante-nos, em princípio, que esse tonema manterá todas as vogais, ao contrário do que, não raras vezes, acontece com frases paroxítonas e proparoxítonas, permitindo-nos, deste modo, melhor avaliar o movimento de F0 ao longo de todo o enunciado.

Português (AMPER-POR) Mirandês (AMPER-MIR) O capataz toca no capataz? L capataç toca no capataç?

Quadro 4

Escolhemos para esta análise três falantes de mirandês, e uma de português, todas do sexo feminino, com escolaridade básica. A falante de português é natural de Vinhais, concelho de Bragança. As falantes de mirandês são provenientes de três freguesias do concelho de Miranda: Paradela, San Pedro de la Silba e Sendin; As quatro informantes respeitam os parâmetros definidos para o projecto AMPER.

Na figura 7, estão representadas as localidades onde foram realizadas as recolhas: à esquerda, para o AMPER-POR; à direita, para o AMPER-MIR.

Neste exemplo, apenas apresentaremos resultados preliminares para a interrogativa global, por ser esta a modalidade que quase sempre apresenta maior variação prosódica, intra ou inter línguas (Moutinho, et al. (2004). Estamos numa fase muito embrionária desta pesquisa, pelo que os resultados não poderão ter outro valor senão o meramente exemplificativo.

Figura 7 – Localidades onde foi feita a recolha dos corpora em análise

5.2. A recolha

Para cada uma das línguas, as frases são produzidas várias vezes pelo mesmo locutor nativo. Para esta análise, foram seleccionadas três realizações, para cada tipo de frase, consideradas percetivamente aceitáveis e consideradas representativas das modalidades em estudo. Todas as gravações foram realizadas em casa de cada um dos locutores. O sinal gravado foi convertido no formato “.wav”, de modo a poder ser tratado posteriormente de forma semiautomática.

Para estes casos a segmentação do sinal, bem como a elaboração dos primeiros gráficos foram realizados, no programa Matlab, tendo sido adotada uma metodologia já testada cientificamente (Contini et al. 2002, Moutinho et al., 2001).

Os parâmetros que teremos em conta para esta análise são apenas a duração e três valores da frequência fundamental, medidos em três pontos distintos: princípio, meio e fim de cada vogal realizada. Calculados, automaticamente, os valores médios para os parâmetros referidos os ficheiros estão prontos para serem utilizados, para a realização de diversos gráficos do tipo dos que passaremos a apresentar. Esses gráficos permitir-nos-ão observar e comparar, visualmente, as variações de F0 (figura 8) e os valores de duração

(figura 9) das vogais em análise, sendo assim possível definir padrões prosódicos para cada uma das variedades que aqui nos ocupam.

No que diz respeito ao parâmetro intensidade, prescindimos da apresentação dos resultados obtidos, visto que, como já o temos constatado e referido em diversas publicações para o português, a intensidade não se tem revelado um parâmetro relevante para distinguir padrões entoacionais (Moutinho, et al. 2011). Podemos dizer que, no caso do português, de forma invariável, a intensidade atinge um ligeiro ponto máximo sobre as vogais tónicas para, em seguida, decrescer de forma regular, normalmente até às últimas sílabas da frase. Muitas vezes, a vogal final, mesmo quando tónica, pode, mesmo assim, sofrer um enfraquecimento final, traduzindo-se numa queda dos valores da sua intensidade, relativamente à vogal precedente. Estes resultados, por nós atestados em diversas ocasiões (Zerling, Moutinho 2002), (Moutinho, Coimbra, 2011), estão também em sintonia com outros estudos para o português (Delgado-Martins, 2002).

No caso do mirandês, neste aspeto, pelo menos para já, nada de novo. Apesar dos escassos resultados já obtidos, parece-nos poder afirmar que se verificará esta tendência, constatada para o português.

5.3. Considerações breves acerca dos resultados de análise A frequência fundamental

Começaremos por apresentar os resultados de análise para a frequência fundamental (F0), por ser o parâmetro acústico com maior relevância no estudo da

definição de padrões entoacionais, como temos publicado em outros artigos (Moutinho et al., 2011). Não poderemos, obviamente, partir para uma generalização dos resultados, pelas razões já aludidas.

Apesar disso, observando o gráfico da figura 8, podemos tecer algumas considerações sobre os diferentes movimentos de F0. Esses movimentos permitem-nos, não

só comparar a variação no interior da mesma língua, o mirandês, mas também compará-la com a variação em uma outra língua, o português, aqui representada pela informante de Vinhais.

Figura 8 – Movimento de F0para as quatro locutoras analisados

(a informante de San Pedro não realizou a 1.ª vogal)

Se atentarmos no gráfico da figura 8, a primeira observação que nos é dada fazer é de que existe uma variação notória, quer entre algumas das variedades do mirandês, quer entre uma das variedades do mirandês e a variedade do português de Vinhais (a amarelo). As curvas melódicas desenhadas para as variedades de Paradela (a azul) e San Pedro de la Silba (a verde), quando comparadas com a outra variedade do mirandês - a de Sendin (a roxo) – notamos que o movimento de F0 para a variedade de Sendin se afasta claramente de

Paradela e de San Pedro de la Silba. Efetivamente, estas duas últimas apresentam uma prosódia mais próxima da variedade de Vinhais, do que da prosódia da variedade da sua própria língua, a de Sendin. Parece ocorrer o que já temos verificado para a língua portuguesa (Moutinho, et al. 2011): nem sempre são os locutores oriundos dos pontos geográficos mais próximos que apresentam esquemas melódicos mais semelhantes.

Embora outras observações pudessem ainda ser feitas para o esquema melódico apresentado para cada uma das variedades aqui consideradas, destaquemos um ponto comum: a presença de uma subida melódica sistemática sobre a última vogal do enunciado, característica própria da maior parte das interrogativas totais, da língua portuguesa, com final oxítono. Na verdade, na modalidade interrogativa, na maior parte das variedades portuguesas que temos vindo a estudar, apenas as estruturas com final oxítono apresentam, de forma generalizada, um movimento ascendente no tonema final, enquanto que, para as outras acentuações, temos verificado uma subida até à última vogal tónica, seguida de uma descida na vogal ou vogais em posição pós-tónica. No caso do mirandês, este movimento melódico parece também poder ser uma das suas características. No entanto, para esta língua, tratando-se apenas dos primeiros resultados de análise e de uma só locutora para

130 150 170 190 210 230 250 270 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Vinhais Paradela San Pedro de la Silba Sendin

cada ponto analisado, não estamos em condições de poder afirmar que assim é, embora todos os indícios apontem nesse sentido.

A duração

Os gráficos da figura 9 permitem-nos comparar as duas línguas e observar o modo como é utilizado o parâmetro duração.

Figura 9 – Valores de duração para as quatro locutoras analisados

Observemos então os histogramas relativos às variedades em análise. Tanto para o mirandês, como para o português, observamos o seguinte:

– A vogal final é sempre longa ou muito longa (caso da informante de San Pedro), o que se deve certamente à sua posição no fim do primeiro grupo rítmico da frase. Não esqueçamos o facto de que estamos perante frases interrogativas globais e, tratando-se de uma estrutura acentual oxítona, é natural que a última vogal tenha uma duração maior em relação às outras. É neste grupo que se concentra a informação prosódica. Além disso, o facto de, no português, haver uma tendência para reduzir fortemente as vogais inacentuadas pode ajudar a perceber estes resultados. Os valores mais elevados surgem, então, como espectável, nas vogais acentuadas, característica que parece também estar presente no mirandês. Tal como acontece para os resultados de F0, também na duração, a

informante de Sendin se distingue de todos os outros (Vinhais, San Pedro e Paradela), sendo que, de um modo geral, é ela que apresenta valores de duração mais baixos, ao longo de toda a frase. Mais relevante ainda é o facto de ser a única que, apesar de estarmos

perante estrutura acentual de final oxítona, realiza a vogal do tonema final com valores mais baixos do que todas as outras informantes e com valores inferiores à outra vogal tónica do seu próprio enunciado.

Estes resultados obtidos para a duração, associados aos constatados para F0 deixam

no ar a hipótese de que a prosódia em Sendin se distingue das outras variedades consideradas, quer quando comparada com a língua portuguesa, quer mesmo quando comparada com as da língua mirandesa aqui estudadas. No entanto, será necessário um maior número de informantes por ponto de recolha, um maior número de estruturas e de modalidades analisadas, para podermos validar tal hipótese.

OBSERVAÇÕES FINAIS

O estudo aqui apresentado, realizado de forma não exaustiva, não é mais do que um esboço sobre os comportamentos prosódicos de falantes de duas línguas faladas em Portugal continental: o português e o mirandês. As observações apresentadas devem, por isso, ser consideradas com prudência não permitindo, evidentemente, uma generalização, a não ser quando validadas por outras pesquisas posteriores, especialmente no que diz respeito às variedades do mirandês e de estas quando comparadas com o português. No entanto, o por nós já observado permite-nos considerar que se trata de uma linha de investigação que deverá ser desenvolvida pela sua relevância nos estudos dialectais, em geral, eem particular, no aprofundamento do estudo da geoprosódia da língua mirandesa. É nossa intenção prosseguir com este trabalho, enriquecendo-o com outros esquemas prosódicos baseados numa recolha mais alargada e num maior número de informantes.

O aprofundamento desta pesquisa possibilitará ainda a comparação do mirandês com outras variedades das línguas românicas e não apenas com o português, cumprindo-se, assim, o objetivo primeiro do Projeto AMPER, onde se enquadra a presente pesquisa.

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Informações complementares sobre o projeto podem ser consultadas em:

No documento Ecolinguismo e línguas minoritárias (páginas 131-141)