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APUCARANINHA 310 ANEXO A – APROVAÇÃO DO CEPSH

1.1 APRESENTAÇÃO DO TEMA

Na colonização do Brasil, o impactante contato com os europeus, em sua maioria violento, obrigou, ao longo dos séculos, os grupos étnicos existentes a bruscas mudanças em seu modo de vida. Essas transformações, em praticamente todos os casos, resultaram na atual exclusão social dos grupos remanescentes. Questões de ordem econômica, social, cultural, étnica, originárias dessa exclusão, afetaram e continuam afetando os sistemas simbólicos dessas comunidades, provocando alterações socioculturais, por muitas vezes, irreversíveis. Uma dessas alterações é a produção do artesanato, antes para o uso doméstico e, atualmente, também para a comercialização. Nesta produção autóctone é documentada parte da identidade étnica de um povo, demonstrando o modo de pertencimento de um determinado grupo. Tal identidade pode ser percebida, visualmente, por meio de distintas maneiras, tais como: a matéria-prima do território; a sintaxe da linguagem visual (DONDIS, 1997; LUPTON, PHILLIPS, 2008); os princípios de forma e desenho (WONG, 2001); as diferentes funções dos produtos: práticas, estéticas e simbólicas (LÖBACH, 2000); os grafismos impressos em seus artefatos, suas origens e significados (LAGROU, 2002, 2012; VELTHEM, 1992, 1998, 2010; VIDAL, 1992; RIBEIRO, B., 1985; 1987; RIBEIRO, D., s.d.), configurando suas estruturas semânticas documentadas e corporificadas (CAPRA, 2005); entre outras características, que fazem dos objetos artesanais indígenas possuidores de identidade que por muitas vezes são ofuscados por produtos industrializados e homogeneizados pela globalização.

A inserção do indígena na sociedade é dificultada pela situação secular de resistência física e cultural desses grupos às “formas de coação biótica, ecológica, econômica e cultural”. Os indígenas foram quase totalmente exterminados por estas formas de coação, levando à ocupação de seus antigos territórios “por outra gente, com a qual eles nunca se identificaram e que [se desenvolveu] com base em outras formas de adaptação ecológica”, tornando-se, rapidamente, independentes de qualquer tipo de contribuição direta dos povos indígenas (RIBEIRO, 2010, p.24-25).

Cada sociedade indígena se distingue em um processo milenar de construção de sua própria cultura e, mesmo com a inevitável “integração” indígena às frentes econômicas na formação do Brasil, houve e ainda há uma sobrevivência da identidade étnica. É o que Darcy

Ribeiro (2010, p.29) explica em sua teoria da “Transfiguração Étnica”, descrevendo como as culturas se alteram ao se confrontarem umas com as outras.

A situação de culturas postas em confronto levou os povos autóctones a uma condição de vulnerabilidade social ao longo dos séculos, frente à expansão da civilização europeia. Com acesso restrito à cultura e à educação, desenvolvidas e aplicadas pela sociedade não indígena, pouco foi feito para contribuir com a inserção do indígena nesta mesma sociedade. Tal inclusão é complexa pelo fato de esses grupos se encontrarem em condições sociais desfavoráveis. Além disso, junto às adversidades, surgem problemas ambientais, de saúde coletiva, econômicos, financeiros, territoriais, políticos e culturais.

As exigências econômicas e mercadológicas da sociedade externa demandam dos indígenas outros modos de subsistência em razão das adversidades. No caso dos kaingang da TI Apucaraninha, as formas de sustentabilidade se encontram na agricultura e na pecuária rudimentar, no que ainda resta de território para caça e pesca, em trabalhos externos à aldeia, e na comercialização do artesanato de cestaria trançada produzido pelas mulheres.

O artesanato, de modo geral, se mantém presente em diferentes culturas, ao longo dos séculos, e mesmo com o avanço da industrialização os artesãos dão continuidade às suas tradições passando de geração a geração seus saberes e registrando nos artefatos seus conhecimentos. No caso do artesanato indígena, a produção é realizada pelos próprios integrantes no seio de sua comunidade, resultante de uma produção coletiva, incorporada ao cotidiano da vida em uma terra indígena (MASCÊNE; TEDESCHI, 2010, p.14). Os artefatos indígenas eram, originalmente, produzidos para uso doméstico e não comercial e, por esta razão, muitos aspectos do processo de comercialização não são de fácil acesso a esse tipo de comunidade artesanal, muito menos aos indígenas, tais como: conhecimento de marca e sua comunicação; conhecimento sobre o mercado; agregação de valor do produto; distribuição; precificação, entre outros. O que ocorre com o grupo indígena acompanhado (e com muitos outros) é que as artesãs saem da TI e buscam o ambiente urbano das cidades próximas para a venda de seus produtos sem o mínimo preparo para esta comercialização, o que por muitas vezes desvaloriza o produto artesanal, não tendo a visibilidade necessária que contribua com a proteção da diversidade cultural na qual se insere.

Umas das formas para a redução deste problema de desvalorização pode se dar na contribuição das ações de design nestes

grupos artesanais. No acompanhamento da produção artesanal, o designer verifica junto ao artesão as dificuldades e estuda possíveis soluções a fim de agregar valor ao produto artesanal. Muitas dessas ações podem ser constatadas em diferentes trabalhos de pesquisadores e/ou profissionais do design e áreas afins, tais como: Rosa Chalkho (2012); Adélia Borges (2011a; 2014); Rita de Castro Engler (2010); Lia Krucken (2009); Ana Andrade e Virgínia Cavalcanti (2006) em Imaginário Pernambucano1; Christian Ullmann e a Oficina Nômade2; Lars Diederichsen e o Instituto Meio3; Ivo Pons em Design Possível4, entre outros.

Para o designer, essa práxis contemporânea, também chamada de design social ou design participativo, motiva o profissional na constituição de teorias e práticas até então pautadas na lógica industrial e globalizante, que excluem a produção artesanal e os conhecimentos locais e tradicionais.

O designer, ao colaborar na preservação e valorização da diversidade cultural, contribui com a revitalização de saberes tradicionais e/ou locais. Isto significa compreender os fatores socioculturais e reconhecer e se familiarizar com o conteúdo étnico de cada grupo. Para Denis (2000, p.17), “Design, arte e artesanato têm muito em comum e [...] muitos designers começam a perceber o valor de resgatar as antigas relações com o fazer manual”. Portanto, as ações de design poderão cooperar na inclusão do indígena na sociedade, não interferindo em seus saberes e colaborando em sua revitalização cultural. Trata-se de repensar o papel do designer, tanto no momento atual como no futuro, e contribuir ativamente no advento da sociedade do conhecimento e da sustentabilidade (CIPOLLA, 2008, p.4).

1 Projeto de extensão da Universidade Federal de Pernambuco junto a comunidades artesãs da região por meio de ações conjuntas relativas ao design, sustentabilidade e inclusão social.

2 Projeto que visa identificar, divulgar e fortalecer o mercado de produtos comunitários que utilizam de forma sustentável os recursos naturais. Disponível em: <http://www.oficinanomade.com.br/>. Acesso em: 08/01/2013.

3 Organização privada, sem fins lucrativos, que visa “gerir investimentos sociais privados e públicos que buscam o desenvolvimento e ampliem as oportunidades

de emprego e renda”. Disponível em:

<http://www.institutomeio.org/home.html>. Acesso em: 08/01/2013. 4

O Design Possível é um projeto desenvolvimento social que conta com a participação de estudantes, profissionais, ONGs e empresas. Disponível em: <http://www.designpossivel.org/sitedp/>. Acesso em: 13/06/2013.

Para o desenvolvimento sustentável o design promove o relacionamento entre designer e artesão. No processo produtivo artesanal, por não haver a separação das funções - projetar, produzir e comercializar o artesanato - o designer tem muito a contribuir e, de acordo com Krucken (2009, p.48), assume o papel de “facilitador ou agente ativador de inovações colaborativas, promovendo interações na sociedade”, sendo flexível, integrador, sem intervir nas especificidades culturais das comunidades.

Embora haja em relevantes trabalhos sobre a contribuição do design na produção artesanal brasileira, a utilização dos termos “resgatar” e “recuperar”, optou-se por não utilizá-los pelo fato de suas respectivas definições não fazerem parte inerente desta proposta. O termo: “resgate”, que pode significar também liberação, alforria, e “recuperação”, expressa o sentido de recobrar ou encontrar o que foi perdido (BUENO, 1996). A presente tese se pauta no termo “revitalização”, que é tornar a se manifestar, reconstituir, dar nova vida, reviver (BUENO, 1996). Ressalta-se que esta é uma ação junto aos próprios integrantes dessas comunidades locais e que o designer apenas contribui com ela, buscando, nesta proposta, reunir, organizar e sistematizar recursos para a estruturação de um sistema de revitalização do conhecimento local. Baseia-se, portanto, na ideia de uma solução habilitante que, para Manzini (2008, p.84), visa constituir um sistema de produtos, serviços e comunicação para tornar possível a acessibilidade, a eficácia e a replicabilidade, neste caso, de ações de revitalização do conhecimento ligado aos aspectos de sua cultura.

Dentre tantas manifestações culturais indígenas, há as representações visuais (grafismos) transmitidas em produção artesanal, tratadas como formas de conhecimento local e parte integrante da linguagem visual codificada por um povo. Este é, portanto, o objeto de estudo desta tese.

Deste modo, o fortalecimento da cultura indígena por meio de revitalização, preservação e valorização do conhecimento local poderá contribuir, em longo prazo, com a ampliação das possibilidades de inovação, bem-estar e coesão social.