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APUCARANINHA 310 ANEXO A – APROVAÇÃO DO CEPSH

1.3 ESTABELECIMENTO DO PROBLEMA E QUESTÃO DE PESQUISA

1.4.2 Justificativa circunstanciada

Há aproximadamente 40 milhões de pessoas na América Latina e no Caribe, pertencentes aos quase 600 povos indígenas do continente, conforme dados do IWGIA5 (2014). No Brasil, de acordo com o Instituto Socioambiental - ISA (2014b), há uma população distribuída em 677 terras indígenas em todo o território nacional. São 896,9 mil pessoas, de 305 etnias, falando 274 idiomas, segundo o IBGE (2014b), correspondendo a 0,44% da população do país que necessita de melhores condições de bem-estar e coesão social. Na Figura 1, verifica- se a relevância em números desses povos no território nacional. Conforme o IBGE (2014b) são 86 municípios que possuem de 10 a 50% da população declarada indígena. Sua proporção varia de acordo com o

5 International Work Group Indigenous Affairs é uma organização internacional de direitos humanos composta por especialistas em assuntos indígenas. Foi fundada em 1968 por antropólogos alarmados com o genocídio em curso de povos indígenas na Amazônia.

tamanho dos municípios. E a população indígena no Brasil é constituída de diferentes povos e, em comparação com outros povos da América Latina, tem-se que “a presença indígena em municípios brasileiros é bastante expressiva” (AZEVEDO, 2011).

Ressalta-se que, apesar de grande apego aos territórios tradicionais em áreas rurais, há uma crescente emigração indígena para áreas urbanas e de povos tradicionais dependentes cada vez mais de aglomerados urbanos para subsistência em toda a América Latina e Caribe. Muitas famílias indígenas possuem membros que mantém laços com as duas realidades, a do território e a urbana (IWGIA, 2014). Sua vivência como indígena vai se tornando cada vez mais individual e não mais comunitária, mesmo que haja muitas vezes a comunidade como referência.

Figura 1 - Povos indígenas em território nacional.

Fonte: IBGE Censo 2010 (2014a).

O prejuízo sofrido pelas perdas do conhecimento local em comunidades indígenas se apresenta nas raras ações de preservação realizadas pelo poder público, exceto pela vontade política de poucos agentes comunitários ou de ONGs. E, por outro lado, pela desvalorização de tais saberes entre os atores sociais, tanto indígenas como não indígenas.

No Brasil, com a relevante diversidade cultural, no Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional, estão em curso apenas 58 projetos de Inventário Nacional de Referências Culturais, sendo três de abrangência regional, como o da Comunidade Mbyá-Guarani, no sul e sudeste do país (IPHAN, 2014b). Dos 30 Bens Culturais registrados pelo Instituto como Patrimônio Cultural do Brasil, apenas três fazem referência à forma de expressão de manifestação plástica indígena

(IPHAN, 2014a). Um dos bens registrados é denominado “Arte Kusiwa” que pode ser visto na Figura 2, uma das imagens catalogadas neste Dossiê. As duas outras formas de expressão registradas são da etnia Karajá: “Saberes e Práticas Associados aos Modos de Fazer Bonecas Karajá” e “Ritxòkò: Expressão Artística e Cosmológica do Povo Karajá6” que são representadas na figura 3. Igualmente aos outros artefatos autóctones, estes exemplos reproduzem o mundo simbólico e seu pertencimento cultural, expressando aspectos da identidade do grupo.

Figura 2 - Arte Kusiwa – Siro Wajãpi, 2000.

Fonte: Dossiê IPHAN 2, 2002, p.24. Figura 3 - Ritxòkò – Boneca Karajá.

Fonte: ARTENATA, 2014.

6 Esses são considerados uma referência cultural significativa para o povo Karajá e representam, muitas vezes, a única ou a mais importante fonte de renda das famílias desta etnia. É uma atividade exclusiva das mulheres e envolve modos de saber local.

Verificada, desde 2005, a lacuna de trabalhos que revitalizem, preservem e valorizem o conhecimento local e indígena na região em forma de grafismos em comunidade artesã kaingang, justifica-se o desenvolvimento deste trabalho pelas demandas e necessidades, a saber:

- a necessidade de revitalização de um saber local junto ao próprio grupo que o cria e o compartilha;

- a inexistência de recursos estruturantes para registro, compartilhamento e disseminação dos conhecimentos locais que promovam a continuidade e a replicabilidade dos saberes em comunidade de prática artesanal;

- a perda e apropriação indevida do patrimônio material e imaterial da comunidade artesã que poderá provocar dano em sua dimensão cultural;

- a ausência de registros em mídias impressas e digitais que possam servir de material de apoio ou didático nas escolas indígenas e tornar a ser elemento de valorização cultural por meio da aprendizagem e disseminação do conhecimento local; - a falta de uma investigação sobre o conhecimento local por

meio do inter-relacionamento teórico entre conhecimentos de design, antropologia, gestão e mídia do conhecimento;

- a distinção desta tese de doutoramento com os estudos encontrados na pesquisa sistemática que apontaram a inexistência de trabalho científico que avance na investigação sobre a revitalização do conhecimento indígena no contexto do design para a sustentabilidade e inovação social sob o paradigma da gestão e mídia do conhecimento por meio dos métodos provenientes da antropologia.

Justifica-se também pelo relevante papel dos povos autóctones na formação étnica do país. Por terem sofrido ao longo dos séculos resistência física e cultural, tiveram prejuízos em seus traços culturais, sendo incompreendidos e, por isso, muitas vezes, desvalorizados pelo preconceituoso termo “aculturação”. O que ocorreu foram contatos interétnicos que provocaram mudanças culturais, pois grupos humanos sempre sofreram influências e influenciaram outros. No entanto, mesmo com tamanha mistura, esses povos não perdem sua “essência” cultural.

Acostumada com objetos globalizados, sobretudo com a estética de origem europeia ou estadunidense, a sociedade brasileira não indígena considera a arte e os objetos utilitários indígenas como “exóticos”. De fato são produções autóctones que originaram vários objetos vernaculares de nosso cotidiano e que não fazem parte dos estudos históricos do design.

1.5 PRESSUPOSTOS

A revitalização de conhecimento local pode ser um dos pontos de partida para a inserção de comunidades indígenas e tradicionais na sociedade do conhecimento. O artesanato é cultura material que transporta conhecimentos tradicionais e locais, passados de geração em geração e que possui características da sustentabilidade.

A cultura material a ser revitalizada documenta o conhecimento local de um povo ou comunidade, integrando seu cotidiano e contando suas histórias e cosmologias. Uma dessas expressões documentadas em artefatos é a representação gráfica, objeto de estudo desta tese, considerada manifestação do pensamento humano que transporta conhecimento, relevante para a manutenção da cultura de um povo.

As representações gráficas e visuais fazem parte da história e das experiências contemporâneas de uma sociedade: suas especificidades, autonomias e valores estéticos não as separam das outras manifestações da vida. É, segundo Vidal (1992, p.17) um meio de comunicação, uma necessidade humana remota. Deste modo, as formas de representação gráfica que expressam o pensamento humano contribuem com o desenvolvimento sustentável, em sua dimensão cultural, a partir da revitalização do patrimônio de conhecimento local e indígena pelo fato de fortalecerem o pertencimento cultural.

A reunião e sistematização de recursos estruturantes para a construção de um sistema habilitante de revitalização de conhecimento local em uma comunidade indígena poderá contribuir com a sustentabilidade cultural, mediadas pelo inter-relacionamento dos conhecimentos de design para a sustentabilidade, de antropologia e de gestão e mídia do conhecimento.

1.6 OBJETIVOS

Definidos de acordo com a Taxonomia Cognitiva de Bloom (BLOOM, 1956; FERRAZ, BELHOT, 2010), o objetivo geral se encontra na categoria da “síntese” que agrega partes para criar um novo todo, derivando, por meio do pensamento sistêmico, um conjunto de relacionamentos abstratos. Os objetivos específicos 1 e 2 fazem parte da categoria “análise”, que inclui a identificação das partes e suas inter- relações. O objetivo específico 3 é categorizado pela “síntese” para as propostas de ações do design e da estruturação de um sistema habilitante.