• Nenhum resultado encontrado

Parte III Método, Resultados e Discussão

Capítulo 4. Método

4.4. Apresentação dos resultados

Por fim, surgiu o desafio de encontrar um formato para a apresentação dos resultados. Para BECKER (1999, p. 63), não é viável a um trabalho qualitativo calcado em observação de campo optar pela exposição integral de todos os dados; por outro lado, o modelo de resumo pronto, adotado nos trabalhos quantitativos ou que contam com modelos estatísticos, também não se adequa a suas necessidades. BECKER (1999) aponta que o principal cuidado a se tomar num relatório de observação participante é a exposição transparente dos dados, das operações de pesquisa e das inferências do pesquisador.

A organização da terminologia encontrada em tabelas com afinidades e correspondências, seguida da apresentação de comentários, trechos de entrevistas e referências bibliográficas, pareceu ao mesmo tempo expor com clareza o tipo de material colhido e expor ao leitor os detalhes da análise e o caminho percorrido pela pesquisadora para chegar a determinadas conclusões.

A relação entre os termos, o tipo de abordagem pedagógica, o estilo musical ensinado e a literatura foi realizada segundo a perspectiva da interpretação crítica, tal como proposta por Habermas: segundo Bauer, Gaskell e Allum (2002, p. 33-4), Habermas propunha o uso da lógica e da ciência para a crítica e a autocrítica, e não só para a descrição indiscriminada de fenômenos. A interpretação crítica ultrapassa a abordagem fenomenológica, de descrição neutra das subjetividades, e almeja a análise dialética da realidade, em que a prontidão do pesquisador em questionar seus próprios pressupostos está sempre em dinamismo com as interpretações subsequentes dos dados, estabelecendo uma relação dialógica constante entre pesquisador e objeto.

86

As tabelas apresentam duas categorias de termos. Os termos que foram identificados pela pesquisadora como signos das principais ideias sobre técnica vocal de cada professor foram denominados “termos principais”. Esses são termos que condensam preceitos que estão perceptivelmente na base do fazer pedagógico destes sujeitos, seja por sua frequência na linguagem verbal, seja por sua relevância nas orientações técnicas.

Além desses, procurou-se enumerar uma série de outras expressões que surgiram na observação de campo, que possuem forte relação com os termos principais, e que foram denominadas “termos relacionados”.

Essas expressões auxiliares parecem ser consideradas pelos professores como metáforas ou figuras de linguagem (imagens) dos termos principais, ou como ferramentas que auxiliam na comunicação entre professor e aluno em busca de um melhor desempenho vocal (SOUSA, 2010). Já os termos principais, metafóricos ou não, são abordados pelos sujeitos desta pesquisa como conceitos técnicos autônomos.

As expressões metafóricas tem uma relação direta com o processo de aprendizagem da coordenação complexa do canto e são fruto, em sua origem, da própria interação entre professor e aluno:

O que um aluno quer aprender de um professor é [...] uma coordenação complexa que as palavras não podem capturar adequadamente, mesmo na manifestação mais simples da voz. [...] Quando – por meio da imitação, da intervenção física direta, da sugestão poética ou outros – o professor consegue induzir a coordenação desejada, ele pode aplicar um rótulo a ela, digamos “appoggio”, “na máscara”, etc. [...] O rótulo serve tanto para o professor como para o aluno como designação suficiente para aquele padrão de comportamento. (D. MILLER, 2008, p. iii-iv)68

Fica evidente na análise da amostra e da literatura que certos “rótulos”, elaborados como descrito acima por Donald Miller, tornaram-se com o passar da

68

What a student wants to learn from a teacher is […] a complex coordination that words cannot

adequately capture, even for the simplest manifestation of voice. […] When – through imitation, direct physical intervention, poetic suggestion, or some other means – he succeeds in inducing the desired coordination, he can also apply a label to it, say, “appoggio”, “in the mask”, etc. […] The label serves both teacher and student as a sufficient designation of that pattern.

história extremamente populares e se transformaram num jargão conhecido no meio, embora nem sempre tenham significados precisos ou unânimes.

Na maior parte das vezes, os “termos principais” encontrados em campo ou fazem parte desse jargão, já tradicional, ou são termos mais ligados às ciências da voz, enquanto os “termos relacionados” são em geral comandos ou expressões metafóricas idiossincráticas de cada professor.

Vale ressaltar que, embora o objetivo deste trabalho seja estritamente o de analisar a terminologia do ensino de canto, o uso de um termo raramente aparece desvinculado de um contexto maior de linguagem, que inclui o exemplo vocal do professor, os gestos que ele utiliza ao descrevê-lo, sua expressão facial, sua eventual intervenção física direta no corpo do aluno, as sensações corporais experimentadas e mesmo o ambiente do espaço físico em que o termo foi utilizado.

Assim, como já dito no capítulo 2, uma determinada expressão não tem em geral um significado unívoco e simples, mas pode justamente ser útil por servir como símbolo linguístico de uma situação maior, em que uma série de ajustes musculares, estético-vocais e mesmo emocionais se coordenam.

Consideramos que o símbolo ou a ideia representada por um símbolo –a imagem– é um recurso necessário à aprendizagem por estabelecer um elemento “condensador”. Este elemento “condensador” tem a capacidade de compactar diversas informações em um só símbolo que tanto permite uma melhor integração ou coordenação de movimentos musculares, quanto uma memorização mais efetiva de tal sensação. (VIDAL, p. 101, 2000)

Nesta segunda parte do trabalho, portanto, são expostos os termos do jargão de cada professor e as metáforas a ele associadas. São também estabelecidas relações com a literatura pedagógica e científica, apontando assim afinidades conceituais dos sujeitos entre si e com alguns autores importantes apontados nos capítulos 2 e 3.

Antes de se iniciar a exposição da análise realizada, cabe ainda observar que a maior parte dos professores investigados declarou não ter sentido a necessidade de modificar sua terminologia cotidiana para realizar o ciclo de aulas particulares recebidas pela pesquisadora na parte de observação participante. Dois deles (Felipe Abreu e Marconi Araújo), no entanto, afirmaram levar em conta o

88

objetivas do que utilizariam em seu padrão comum de ensino. No caso de M. Araújo, a diferença foi equacionada pela comparação com os dos dados de observação direta de suas aulas regulares, além de entrevistas. No caso de F. Abreu, procurou- se ora limitar as inferências de pesquisa ao universo circunscrito das aulas particulares, ora, quando possível, compensar a ausência dos dados de observação direta com afirmações afins do professor na parte das entrevistas realizadas.

Por fim, é imprescindível observar que a importância relativa que a técnica vocal ocupa em cada estilo e em cada sujeito pesquisados varia muito e que, portanto, não é possível estabelecer comparações quantitativas a respeito dos termos, mas apenas aproximações qualitativas.

Capítulo 5.