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Realizou-se inicialmente um contato por telefone com as Diretorias Regionais de Ensino das regiões de São Carlos e Araraquara com o intuito de viabilizar um mapeamento e seleção dos pretensos alunos com cegueira congênita matriculados no ensino médio da rede pública estadual de ensino destas regiões.

As duas Diretorias de Ensino se dispuseram a colaborar com o pesquisador nesta fase, permitindo que este consultasse os arquivos para identificar quem eram e em quais municípios e Unidades Escolares estavam matriculados esses alunos.

Dada a especificidade e/ou caracterização da deficiência e da faixa etária escolhida, já se sabia que a amostra encontrada seria possivelmente pequena, sendo este um problema, já que a participação e envolvimento destes alunos dependeria de uma série de circunstâncias. Com este trabalho de mapeamento foram selecionados três alunos que estavam matriculados em unidades escolares e municípios diferentes.

Dois dos participantes selecionados estavam matriculados na Diretoria de Ensino da Região de São Carlos, no município de São Carlos e no distrito de Santa Eudóxia. O outro participante estava matriculado na Diretoria de Ensino da Região de Araraquara, no município de Matão.

Posteriormente, fez-se contato por telefone com as unidades escolares e agendou-se uma visita para apresentação do pesquisador, exposição das intenções e objetivos do estudo. A direção de todas as unidades se dispôs a colaborar e logo agendaram um encontro com os pais e os alunos com cegueira.

No encontro com os pais e alunos o pesquisador explicou detalhadamente o estudo e sanou as dúvidas que surgiram naquele momento. Ainda neste encontro o pesquisador entregou uma cópia do Parecer expedido pelo Comitê de Ética em pesquisa em Seres Humanos (sob nº. 231/2011) que garantia que o Projeto havia sido certificado e autorizado pelo comitê responsável. Por fim, mediante concordância com procedimentos e demais disposições apresentadas sobre o estudo, os pais e/ou responsáveis assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido autorizando e formalizando a participação dos respectivos alunos.

Foram realizadas visitas com a finalidade de conhecer o espaço e os participantes na conversa com o espaço físico; contudo, ressalta-se que não houve preocupação com a rotina acadêmica de sala de aula, uma vez que não é intuito deste

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estudo verificar assuntos de interlocução com as questões pedagógicas e didáticas referentes aos processos de ensino e aprendizagem escolares.

Para analisar os dados utilizou-se a análise de conteúdo proposta por Bardin (1977), sendo esta um conjunto de técnicas de análise, não se tratando de um instrumento, mas de um leque de apetrechos; ou, com maior rigor será um único instrumento, mas marcado por uma grande disparidade de formas e adaptável a um campo de aplicação muito vasto.

A análise de conteúdo categorial consiste em uma sequência de operações pelas quais certas unidades são identificadas e classificadas de modo a permitir a descrição sistemática do conjunto ou produção, essas unidades podem ser divididas em unidades de registro ou de conteúdo (BARDIN, 1977).

7 – RESULTADOS

Para o presente estudo foram criadas cinco categorias, sendo que as quatro primeiras comportam subcategorias que foram definidas a partir das questões utilizadas no roteiro para as entrevistas e levam, assim, o título das respectivas questões. A última categoria foi criada para contemplar assuntos que emergiram no decorrer das entrevistas e que nos poucos referenciais teóricos encontrados pelo pesquisador sobre a cegueira e a formação de conceitos, simbolizações e representações da beleza e do corpo, recebem grande destaque: o tato e a linguagem. As questões que integram esta última categoria foram identificadas e/ou numeradas obedecendo à sequência numérica estabelecida no roteiro pré-definido, dando-lhes continuidade.

Portanto, enfatiza-se que a quinta categoria criada para facilitar a análise dos dados, contém questões que não foram definidas previamente e, portanto, não integravam o roteiro utilizado para as entrevistas. Essas questões surgiram no decorrer das entrevistas e serão expressas da mesma maneira como apareceram durante a comunicação entre o entrevistador e o entrevistado; e, ainda, embora algumas sejam similares, não foram definidas previamente, tornando inviável generalizá-las para as respostas obtidas, já que isto colocaria em risco a sutileza e riqueza dos dados.

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A organização das questões dentro de cada uma destas categorias deu-se a partir de aproximações temáticas; e a numeração das questões obedeceu à ordenação e/ou numeração utilizada no roteiro para as entrevistas; isso não significa dizer que essas questões foram feitas a partir da sua sequência numérica, como já salientado anteriormente. Segue -se um quadro esquemático desta categorização:

Quadro 2 - Organização e esquematização das categorias:

CATEGORIAS QUESTÕES UTILIZADAS

I – Entendimentos sobre a beleza. Q1 - Você conhece pessoas bonitas? Q2 - Como você sabe que elas são bonitas? Q3 - O que é ser bonito(a)?

Q5 - Você se considera uma pessoa bonita? Por quê?

II - Os atributos da beleza.

Q4 – Quais seriam as qualidades (atributos) de uma pessoa bonita?

Q6 - Todos(as) podem ser bonitos(as)?

Q7 - Como uma pessoa pode se tornar bonita? O que ela precisa fazer?

III - A importância da beleza (ou como diria o poeta: “beleza é fundamental”).

Q8 - Onde podemos encontrar pessoas bonitas?

Q9 - Ser bonito(a) é importante? Por quê? Q11 - Qual a importância da beleza para os relacionamentos humanos?

IV - Padrões de beleza (encontro da beleza com o corpo).

Q10 – Como são as pessoas que não são bonitas? Será que isso atrapalha suas vidas de alguma forma?

Q12 - Como é para você um corpo ideal/perfeito?

Q13 - Existe um padrão ou modelo de beleza dominante na sociedade? Como ele é criado? Q14 - A televisão ajuda a construir esse padrão ou modelo de beleza? De que forma? Q15 - Existem diferenças entre os padrões de beleza femininos e masculinos? Se sim, quais?

V - O toque e a linguagem na representação da beleza.

Q16 – Então a parte que você mais gosta é a mão? Você gostaria de poder tocar nas mãos das pessoas que você conhece? Por exemplo, dessas meninas que você falou que eram bonitas?

Q17 – Você costuma perguntar para outras pessoas sobre como uma pessoa é ou não? Q18 - Sente curiosidade em conhecer as pessoas, o corpo delas?

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A seguir serão apresentados os resultados das entrevistas e a cada categoria colocada no topo seguem-se as questões a estas relacionadas, bem como as respostas mantidas nas formas como declaradas pelos participantes.

I - Entendimentos sobre a beleza

Q1 - Você conhece pessoas bonitas?

Conheço (...) várias. (Paulo)

Conheço (...) mulheres. Ahh, um monte hein. (Mauro)

Conheço (...) muitas. É, muitas. (José)

Percebe-se, pois, que o conceito de beleza parece ser comum a todos os participantes; contudo, como aponta Sá (1998) se um grupo apresenta um conjunto de opiniões ou informações acerca de um objeto ou fenômeno, não significa dizer que exista ali uma representação social.

Embora, poder-se-ia acreditar que este primeiro questionamento, frente à sua objetividade e clareza, não abarcaria maiores contribuições, identifica-se aqui uma discussão nuclear dentro do estudo, a existência ou não de uma representação de beleza para este grupo. Ainda, para Sá (1998) não haveria sentido tentar estudar a representação de algum objeto por um dado conjunto social se esse fenômeno não existe.

Para Moscovici (2004) as representações sociais tratam de um saber que é comum a uma determinada população/cultura/tempo e convívio social, revelando conceitos e pensamentos acerca de coisas, objetos ou fenômenos que são familiares. Assim sendo, pode-se admitir inicialmente, ao menos minimamente, que as representações acerca do universo da beleza se fazem presentes para este grupo de pessoas com cegueira congênita. Portanto, se como aponta Moscovici (2004), a representação social de um objeto/pessoa/fenômeno permite agir ou pensar sobre algo

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sem que isso lhe impute um sentimento de estranhamento, constata-se que no discurso dos participantes essa assertiva estaria presente.

Retomar-se-á esta inquietação acadêmico-científica posteriormente, reservando- se apenas mais uma contribuição deste autor, ao afirmar que “se ao final da pesquisa se chega à conclusão de que não há uma representação, isto não deixa de ser um resultado válido e pode ser objeto de uma discussão crítica conclusiva” (SÁ, 1998, p. 47).

Marwick (2009) ao admitir uma conceituação de beleza mais pontual, assegurando que a mesma traduz as formas e configurações corporais e faciais perfeitas, anatomia e fisionomia que chamem a atenção pela exuberância, precisão, simetrias e proporcionalidades, independentemente de raça e/ou configuração étnica, uma presença física invejável, externa que a quantidade de pessoas bonitas é muito pequena. A partir de seus estudos e pesquisas Marwick (2009) discorre que somente 5% da população masculina e feminina, com idade por volta de 16 e 40 anos, são bonitas, em qualquer país (da América à China, da Índia à Austrália). Ainda, dentro desta lógica poder-se-ia apreender que os “bem-apessoados”, talvez cheguem até cerca de um terço desta mesma população. E aqueles denominados “desfavorecidos”, representariam mais da metade da população restante.

A partir destas exposições, longe de tender a configurações numéricas e percentuais de beleza, é interessante refletir sobre a pertinência e importância daquilo que irá ser conceituado como beleza para que, posteriormente, possamos compreender o impacto que isto causa na realidade social e cotidiana das pessoas. Possivelmente, admitir limites estreitos ou flexíveis para a beleza, identificando a presença massiva ou reduzida de pessoas bonitas na vida social, poderá exercer influências diversas e variadas entre as pessoas e seus pares.

Q2 – Como você sabe que elas são bonitas?

Ah ... acho que pelo jeito de conversar (...) Assim, acho que pelo jeito que elas conversam comigo já deu para perceber que elas são bonitas, pela voz. Ah, acho que pelo jeito de falar, pelo jeito de conversar. (Paulo)

Então, eu sei pela simpatia, pela voz né, pelo cabelo, pelo rosto, pelo jeito da pessoa né, porque tem pessoa que “se acha”. Entendeu? Então, o que faz a pessoa não

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é a beleza, é a humildade e coração eu acho (...) pelo jeito que elas me tratam, isso faz com que a pessoa seja bonita. Eu volto a falar de novo que boniteza não tá na beleza. O rosto, o cabelo, até o jeito da pessoa né, o jeito de conversar (...). (Mauro)

É, pela ... é, acho que é pela voz ... pelo, pelo jeito né. É porque elas vêm cheirosas e perfumadas. Dá, é, aqui dá, é, dá pra saber, dá pra você definir quem é bonito aqui, quem é feio. É, dá, porque você tem uma noção né da... da pessoa né, você tem, assim, eu já tenho já gravado em mente a fisionomia da pessoa, então dá pra você ter mais ou menos uma noção. (José)

Tem-se a impressão de que a beleza é adjetivada como uma conduta ou comportamento moral, algo atrelado à personalidade daquele que é o outro, fazendo com que os atributos físicos recebam uma importância em menor grau/intensidade. Na passagem destas argumentações temos um estreitamento com as defesas e ideais de beleza admitidos, por exemplo, na Idade Média, pois naquela época, segundo Olivier (1999), Souza (2004), Rousso (2000) e outros, ser belo ou bela cobrava a necessidade de que a pessoa apresentasse valores como a pureza, serenidade, bondade, simplicidade e simpatia. Ainda, para Souza (2004) existiria uma pressão psicológica e ideológica diante da exigência de uma beleza não apenas exterior, mas, e, principalmente, estreita às virtudes de um comportamento moral “adequado”. Dessa forma, a beleza ideal não diz respeito somente às formas, mas também às funções psicológicas e ao comportamento moral e ético, como pode-se inferir pela expressão de Mauro: Então, o

que faz a pessoa não é a beleza, é a humildade e coração eu acho.

Outro destaque fica a cargo das percepções sensoriais auditivas, pois ao se referirem à voz, expressam um apreço/gosto com relação ao som produzido por esta voz. A voz, ao mesmo tempo em que é representada por uma linguagem e seus respectivos códigos linguísticos, produz um som que é captado pelos ouvidos e possuem características próprias como tom/intensidade/ritmo/frequência/gênero e outras, fazendo deste canal uma forma perceptiva para a beleza que se materializa nos corpos dos outros. Assim sendo, ao serem questionados sobre as maneiras utilizadas para identificar uma pessoa bonita, José expressa, por exemplo, que “É, pela ... é, acho que é

pela voz”. Paulo também enfatiza a importância da voz na representação da beleza,

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comportamento adequado/agradável/amistoso/gentil apresentado pela pessoa, ou seja, a voz confere beleza desde que esteja associada a um comportamento ou tratamento amigável/gentil. Para tanto, Paulo externa que “(...) acho que pelo jeito que elas

conversam comigo já deu para perceber que elas são bonitas, pela voz. Ah, acho que pelo jeito de falar, pelo jeito de conversar. Assim, acho que pelo jeito que elas conversam comigo já deu para perceber que elas são bonitas, pela voz. Ah, acho que pelo jeito de falar, pelo jeito de conversar”.

Como destacam Souza (2004) e Ormelezzi (2000) a complexidade de todas as formas e estética oriundas da percepção de uma beleza física passaria por universos sensíveis que não se limitam ao campo visual, envolvendo múltiplos sentidos e sensações, com destaque para a audição. Além disso, ao explicitar que pode identificar facilmente quando as pessoas que se aproximam e “vem cheirosas e perfumadas”, José anuncia que a percepção olfativa também auxiliaria na representação de beleza que passaria a ter daquela pessoa.

Aquilo que agrada aos ouvidos, que causa um prazer sensível na apreensão do som e/ou sonoridade, parece estar sendo representado e/ou materializado na pessoa bela, bonita. Para Moscovici (2004) o movimento de transportar aquilo que reside no plano dos pensamentos e ideias para um estado de existência concreta, ou seja, para materialização num plano real, tornando o objeto/pessoa/fenômeno presente, palpável, pertencente ao universo físico, é chamado de mecanismo de objetivação e permite que as pessoas construam suas representações de maneira mais sólida e detalhada. Neste sentido, uma voz amigável, tranquila, apaziguadora, serena, calma e acolhedora, possivelmente, seria representada como a personificação de uma pessoa bonita e/ou bela. Ao pontuar que “É, dá, porque você tem uma noção né da... da pessoa né, você

tem, assim, eu já tenho já gravado em mente a fisionomia da pessoa, então dá pra você ter mais ou menos uma noção”, José apresenta evidências de que a partir de algumas percepções sensoriais vivenciadas e apreendidas durante as práticas cotidianas e as relações sociais e afetivas estabelecidas, seria possível captar e armazenar informações que ajudariam na elaboração de um esquema mental da fisionomia de uma pessoa bonita.

Numa apreensão filosófica, a beleza neste caso nada mais seria do que uma maneira de fazer reluzir em formas sensíveis às várias percepções, emoções, sentidos e estados que emanam de uma estrutura de linguagem/comunicação descrita pelo som da fala. Parecido com o tipo de beleza que se entrevê no contato de uma sinfonia musical

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com o universo perceptivo dos ouvidos, é uma beleza inteligível, captada pelas emoções (BODEI, 2005).

Outro ponto que merece destaque na fala de Mauro diz respeito à menção feita sobre os cabelos “(...) eu sei pela simpatia, pela voz né, pelo cabelo”, colocando-os como uma qualidade ou atributo de beleza no momento de definir uma pessoa como bela ou não. Para Queiroz e Otta (2000) os cabelos podem revelar desde a trajetória de vida de determinada pessoa até mesmo a sua condição ou posição no interior de um determinado grupo social, símbolo de poder e beleza, tal como representado em épocas distantes, conforme mencionado anteriormente neste estudo.

Porém, Marwick (2009) entende a beleza humana como aquela que é notada pelo olhar, uma beleza que se reconhece em qualquer lugar, pois causa um impacto naqueles que se deparam com ela. Neste sentido, como ficaria a representação da beleza humana para as pessoas com cegueira? O que despertaria o desejo de possuir ou contemplar a beleza que está no outro? Ainda, ao retomar um dito popular “A beleza está nos olhos de quem a vê”, como poderíamos pensar a representação de beleza para as pessoas com cegueira?

Ao entendermos que as pessoas cegas muitas vezes não terão acesso a todas as informações e detalhes que integram a beleza corporal e/ou física das outras pessoas e que a representação e interpretação das formas a partir do tato e da linguagem (BATISTA, 2005; ORMELEZZI, 2000) são diferentes daqueles produzidas pelo contato visual, admitir a beleza que está no outro dependerá de inúmeros outros fatos além dos aspectos físico-corpóreos descritos por Marwick (2009).

Q3 - O que é ser bonito(a)?

É assim ... é uma pessoa não ser metida, não querer ser mais do que o outro e ter respeito. O comportamento da pessoa, o jeito de se vestir. É, o comportamento né. (Paulo)

Ser bonito é ser uma pessoa simpática, ser uma pessoa humilde, que não tem preconceito com ninguém, que não tem aquela ... como eu posso falar? “Não se acha” né, não fica “se achando”. A voz, a simpatia, humildade, é isso ai. (Mauro)

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Olha, a beleza é, assim, é, a pessoa pode ser assim, como posso dizer? Pode ser assim simpática, é por fora, mas não sabe por dentro né? Por dentro a pessoa pode ser uma pessoa né, assim, né, falsa, que pode estar escondendo só pra, é, por fora ela, ela fala que assim é uma pessoa suave, né tranquila de conversar, mas por dentro pode ser que é, né, ela esconda outras, é, outros, meios de, assim, outra face, outra cara da pessoa. (José)

Evidencia-se, assim, que para os cegos congênitos, talvez, o culto ao corpo, destacado por Berger (2006) como uma prática na qual o corpo é trabalhado, moldado e contemplado a partir de alguns padrões ou modelos de beleza pré-estabelecidos, evidenciando pertencimentos sociais e visões de mundo e estilos de vida de grupos específicos, não seja uma realidade tão concreta. Já que a partir das falas anunciadas para esta questão e em outros relatos durante a entrevista, a “beleza interior” parece exercer maior admiração, reconhecimento e fascínio por parte das pessoas com cegueira participantes deste estudo. A fala de Mauro pode ser tomada como um exemplo desta pronunciada beleza, a qual é reflexo de um bom comportamento moral, valores e condutas éticas/humanas invejáveis, para tanto: Ser bonito é ser uma pessoa simpática,

ser uma pessoa humilde , que não tem preconceito com ninguém, que não tem aquela ... como eu posso falar? “Não se acha” né, não fica “se achando”.

Embora Marwick (2009) se paute em uma análise a partir das referências e estudos sobre beleza humana realizados com pessoas que gozam de uma eficiência visual e, portanto, são contaminadas por todo o universo de imagens e aparências visuais que integram a materialidade dos corpos sociais e históricos, colabora com a compreensão de que muitas vezes a beleza física, só poderá ser afirmada como “beleza verdadeira” se a pessoa além de bela for bondosa, gentil e amigável.

Talvez, a conexão entre beleza física e comportamentos/atitudes/valores sociais seja ainda mais intensa quando pensada no interior de grupos privados da sensação visual, uma vez que, muitas vezes, a materialidade dos corpos de outrem não pode ser acessada pela exploração tátil ou pela descrição detalhada do corpo por meio do uso da linguagem. Ao relatar que “Olha, a beleza é, assim, é, a pessoa pode ser assim, como

posso dizer? Pode ser assim simpática, é por fora, mas não sabe por dentro né? Por dentro a pessoa pode ser uma pessoa né, assim, né, falsa (...)”, José, logo evidencia a

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beleza; pode-se admitir que, neste caso, a associação da beleza com o universo abstrato é direta, sem rodeios.

De acordo com Eco (2010, p. 8) “neste sentido, aquilo que é belo é igual àquilo que é bom e, de fato, em diversas épocas históricas criou-se um laço estreito entre o Belo e o Bom.” Isso leva a constatação de que ao criarmos julgamentos com base nas nossas vivências e experiências cotidianas, somos levados a conceituar como bom e, portanto, belo, não somente aquilo que nos agrada, mas também aquilo que por motivos variados acabamos desejando ter/possuir. Porém, algumas vezes acabamos apreendendo como bom algo que tenha relação com um princípio ideal, mas que seja doloroso e que por isso não queremos para nós, a exemplo de uma pessoa que numa ação heroica entrega sua vida para salvar o próximo (ECO, 2010).

Nas falas dos entrevistados essa percepção da beleza como simbolização do bom/bondade parece transparecer e, como apontado por Eco (2010), talvez, indicaria uma inclinação destas pessoas a ter/possuir aquilo que estão conceituando como beleza. Isto poderia ser constatado na fala de Paulo, que ao definir uma pessoa como bela,

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